sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Uma doença chamada pós-Covid

Uma neurologista com raciocínio lento, um surfista que acorda de madrugada com a sensação de estar se afogando, uma comunicadora que agora troca as palavras, uma professora que não aguenta mais a queda de cabelo… O que pessoas com relatos tão diferentes teriam em comum? Todas contraíram o coronavírus e, meses depois de se livrarem dele, apresentam queixas difíceis de explicar.

Uma análise robusta sobre o assunto, publicada no periódico Scientific Reports, do grupo Nature, se embrenhou por estudos que incluíram ao todo 47 mil pacientes, e aponta mais de 50 efeitos de longo prazo relacionados à infecção. A revisão também mostra que até 80% dos recuperados encaram um ou mais deles um bom tempo depois do contato com o vírus.

“Na prática, estamos vendo que uma em cada três pessoas que tiveram sintomas da infecção apresenta acometimentos 12 meses depois da fase aguda, independentemente da severidade do quadro e do grau da resposta inflamatória”, conta Milene Silva Ferreira, gerente médica de Reabilitação do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. A instituição é uma das que se estruturaram para atender os atingidos pela síndrome pós-Covid, ou Covid longa, como também é chamada.

A terminologia exata ainda está sendo discutida, mas não só ela. Falta entender muita coisa sobre a condição: se é possível diagnosticar com exames, distinguindo fatores que trazem consequências parecidas, se certas sequelas são permanentes e, mais importante, por que isso tudo acontece.

O que se sabe, com certeza, é que o problema existe, exige protocolos terapêuticos específicos e demanda uma reorganização do sistema de saúde. “O fato de termos tantas perguntas e mecanismos desconhecidos não significa que as queixas dos pacientes devem ser menosprezadas”, diz Milene. Estão aí a Clarissa, o Antonio, a Lila e a Mary (citados no início da reportagem), e tantas outras pessoas, para atestar a urgência do tema.

A cabeça não é mais a mesma

<span class="hidden">–</span>Foto: Klaus Vedfelt - Getty images Lettering: Sérgio Bergocce/SAÚDE é Vital

A comunicadora Lila Polese, 32 anos, de Santo André (SP), sempre se gabou de sua boa memória. Até ser acometida pela Covid-19, ainda em maio de 2020. Apesar do quadro leve, sua cabeça não voltou a ser a mesma. “Até hoje, percebo que deixo passar coisas no trabalho”, relata. Em uma de suas lembranças mais emblemáticas, ela perguntou à amiga com quem dividia apartamento como se descascava uma mexerica. Detalhe: estava segurando uma laranja.

Lapsos de memória e linguagem estão entre os sintomas mais enigmáticos do pós-Covid. Somam-se a eles diversas outras manifestações neurológicas, como dor de cabeça, além do surgimento (ou agravamento) de transtornos psiquiátricos como ansiedade, depressão e estresse pós-traumático.

O próprio coronavírus pode chegar ao cérebro, mas seu ataque direto não parece ser o principal culpado pelos apagões. “Nem sempre há infecção no órgão”, aponta a neurologista Clarissa Yasuda, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenadora do projeto NeuroCovid, que já reúne depoimentos de 11 mil pessoas com sequelas neuropsicológicas da doença. A própria médica se identifica com eles. “Digo que passei de multitarefa a unitarefa”, desabafa.

Se o vírus não está lá, o que justifica tais impactos? “Uma série de fatores, da inflamação sistêmica ao despertar de alguma tendência genética adormecida, fora outros processos que ainda desconhecemos”, teoriza Clarissa.

Outra hipótese envolve os chamados microtrombos, entupimentos em vasos muito pequenos que irrigam o cérebro. “Estamos nos perguntando: será que a fase aguda da infecção desencadeia processos semelhantes aos de doenças neurodegenerativas?”, comenta a radiologista Fernanda Moll, do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor), instituição que já identificou a presença de marcadores inflamatórios e alterações na substância branca, circuito estratégico para a comunicação entre os neurônios.

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A questão é que tais abalos não são flagrados em ressonâncias e tomografias comuns. Assim, a pessoa, preocupada, procura o neurologista e ouve que seus exames estão normais. Nesses casos, testes neuropsicológicos feitos em consultório podem ajudar a quantificar o impacto da doença e determinar o tratamento. Porque felizmente é possível melhorar o funcionamento da cabeça.

“Estímulos adequados são capazes de desenvolver a neuroplasticidade, isto é, a capacidade de o cérebro se adaptar e criar novas conexões entre os neurônios”, aponta o psiquiatra André Brunoni, da Universidade de São Paulo (USP), que irá testar uma combinação de estimulação elétrica craniana com um jogo digital que desafia o raciocínio. Só não dá para deixar a mente definhando.

Consequências neurológicas e psiquiátricas da Covid-19:

+ Dor de cabeça: Fatores psicológicos e físicos podem trazer as crises, aliviadas com medicamentos específicos. Vale tentar investigar possíveis causas, embora nem sempre elas apareçam.

+ Dificuldades cognitivas: Três domínios do funcionamento cerebral parecem mais afetados: linguagem, memória e raciocínio. Existem formas de estimular a cabeça para elas não ficarem emperradas.

+ Transtornos psiquiátricos: Depressão e ansiedade podem dar as caras ou ser intensificadas. É preciso ficar atento e buscar ajuda com terapia, mudanças de hábito e medicamentos, se necessário.

+ Trombos pelos vasos: Devido à interferência da infecção na coagulação, mesmo depois da fase aguda, indivíduos podem ter de pequenos entupimentos nas artérias cerebrais a um AVC. Fique de olho em sinais suspeitos.

+ Perda de olfato e paladar: A queixa está se tornando incomum com a variante delta do vírus, mas tem gente sofrendo com isso desde o ano passado. O treinamento olfativo ajuda a recuperar os sentidos.

+ Repercussões inespecíficas: Uma das teorias diz que o vírus pode afetar o sistema nervoso autônomo, que comanda coração e pulmões, e nervos periféricos, causando dores e formigamento.

Um cansaço sem fim

<span class="hidden">–</span>Foto: Klaus Vedfelt - Getty images / Lettering: Sérgio Bergocce/SAÚDE é Vital

Doze dias depois de se recuperar da Covid-19, Angélica de Oliveira Buitvidas, 47 anos, de Diadema (SP), voltou ao trabalho. Mas não era mais a mesma. “Sentia um cansaço horroroso e tive crises que me faziam pensar que ia morrer por falta de ar”, conta a secretária, que desenvolveu, depois da doença, ansiedade e depressão.

Mais de um ano depois, ainda toma medicamentos para esses transtornos. O cansaço, queixa mais frequente entre os recuperados, e a falta de ar conversam entre si. Dividem origens e podem ser exacerbados pelos ataques do coronavírus à saúde mental — mas não só.

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“Ao menos três fatores podem estar envolvidos: problemas para respirar, em especial uma dificuldade de coordenar a musculatura envolvida ao inspirar e expirar o ar, perda de massa muscular e a inflamação sistêmica. Para piorar, esse pessoal passa a dormir mal, o que intensifica o cansaço”, expõe a fisiatra Linamara Rizzo Battistella, que coordena a reabilitação pós-Covid da Rede Lucy Montoro, a principal referência do assunto no país.

Na instituição, os pacientes que passaram pelo Hospital das Clínicas da USP recebem um atendimento completo, que inclui até um robô para auxiliar nos movimentos enquanto a força dos músculos é restabelecida.

A despeito das raízes exatas, a fadiga não pode passar batido. “Isso coloca a pessoa numa cascata de complicações, pois ela tenta voltar às atividades diárias e à rotina de exercícios por conta própria, não consegue e acaba ficando sedentária enquanto espera a melhora espontânea, o que agrava outros sintomas, como a depressão”, argumenta Milene, do Einstein.

A abordagem ideal é multiprofissional, englobando principalmente exercícios de fortalecimento muscular e específicos para o aparelho respiratório, que devem ser feitos de forma gradual e respeitar os limites de cada um. Alguns deles são tão simples como caminhar até o portão e levantar uma garrafa de água, e surtem efeito.

O fisioterapeuta respiratório Fábio Rodrigues, do Instituto do Coração (InCor), em São Paulo, tem uma história que ilustra bem o potencial disso. “A mãe de uma conhecida ficou internada e, depois, sentia muita dificuldade e cansaço até para ficar de pé. A família, preocupada, foi limitando cada vez mais seus movimentos. Quando fui visitá-los, a mulher estava de fralda, imóvel, como se ainda estivesse na UTI”, relembra.

“Eu a coloquei sentada e começamos um fortalecimento simples, com uma embalagem de extrato de tomate. Em uma semana, ela já estava andando de novo”, celebra. O tempo para recuperar totalmente o fôlego varia, mas se calcula que três meses de trabalho já façam diferença. Antes de tudo, porém, é preciso checar o estado do coração e dos pulmões.

Os pulmões depois da Covid-19

O santista Antonio Carlos Alonso Filho, 39 anos, deixou sua querida prancha de surfe de lado, acometido por crises de falta de ar que começaram a aparecer meses depois da Covid-19, sempre que ele se esforçava para retomar os esportes. Com exames de imagem normais, foi diagnosticado com ansiedade por um pneumologista e com asma por outro. Agora usa uma bombinha.

“Tentei continuar surfando, mas tive várias recaídas e suspendi de vez as atividades físicas”, conta. Demora um tempo para os pulmões se reerguerem da Covid-19, mas, persistindo por mais de três meses, queixas como as de Antonio devem ser investigadas, pois podem indicar danos que exigem tratamentos específicos.

“A inflamação provocada pelo vírus deixa fibroses, que são cicatrizes que endurecem o pulmão e dificultam as trocas gasosas”, descreve Rodrigues. Na mesma linha do que pode acontecer com o cérebro, pequenos entupimentos em vasinhos minam a capacidade de funcionamento do órgão, levando a uma doença pulmonar crônica.

De novo, nem sempre o exame acusará uma lesão — até porque estamos falando de uma miríade de causas. Mas se sabe que algumas pessoas podem até precisar de suplemento de oxigênio por um tempo. A grande maioria se recupera, só que as fibroses permanecem ali, e ainda se desconhece a consequência delas no longo prazo.

O que pode estar por trás da fadiga

+ Pulmões fragilizados: A inflamação pode deixar cicatrizes nesses órgãos, atrapalhando a respiração em casos moderados e graves. A situação tende a ser pior para quem dependeu de oxigênio e teve pneumonia.

+ Perda muscular: O enfraquecimento dos músculos dificulta a realização de movimentos básicos, inclusive o de respirar. É crucial realizar exercícios específicos e garantir um bom volume de proteínas na dieta.

+ Central prejudicada: A falta de ar também pode vir de danos no sistema nervoso autônomo e no centro respiratório, duas estruturas-chave para puxar e soltar o ar. O estresse interfere nessa comunicação fina.

+ Ansiedade a mil: O trauma desencadeia ataques de ansiedade, que liberam adrenalina pelo organismo, aceleram os batimentos cardíacos e, consequentemente, a respiração, deixando a pessoa ofegante.

Marcado no coração

<span class="hidden">–</span>Foto: Klaus Vedfelt - Getty images / Lettering: Sérgio Bergocce/SAÚDE é Vital

Falando em cicatrizes, outro lugar que pode ficar com essas marcas é o coração. “Em exames de ressonância, vemos as fibroses no miocárdio [músculo cardíaco] e no pericárdio [membrana que envolve o coração] mesmo em indivíduos assintomáticos, causadas não necessariamente pela infecção direta, mas pela inflamação que acompanha sua fase aguda”, relata a cardiologista Ana Luiza Sales, do Complexo Hospitalar de Niterói (RJ).

Os danos cardíacos são flagrados em diversas situações, mesmo fora dos hospitais. “Temos recebido clientes com casos leves de Covid-19 que, ao retomar as atividades, sentem dores no peito, um cansaço significativo e, quando vamos investigar, descobrimos inflamações no coração que não foram diagnosticadas a princípio”, diz a cardiologista Renata Castro, da Care Club, rede que agrega academia e centro médico em São Paulo, Rio e Porto Alegre.

A alta prevalência de problemas cardíacos é uma das justificativas para que pessoas no pós-Covid voltem ao hospital com frequência e tenham um maior risco de infarto semanas depois da infecção. “Aqui, vemos uma taxa de 20% de reinternação, condizente com o que mostra a literatura internacional”, relata o infectologista Filipe Piastrelli, coordenador do Centro Especializado em Tratamento Pós-Covid-19 do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, na capital paulista.

Por causa da possível ameaça silenciosa ao peito, é essencial que pessoas que tiveram Covid-19 realizem um check-up cardiológico antes de retomar as atividades físicas. O médico pedirá exames simples, como o eletrocardiograma, e poderá solicitar outras provas, como o teste de esforço na bicicleta ergométrica. Se de fato houver uma inflamação residual, ela é tratável, assim como arritmias e outros reveses.

E o exercício é parte fundamental também da reabilitação cardíaca. “Ele é uma das ferramentas mais importantes para o tratamento de doenças cardiovasculares”, ressalta Ana. “A atividade física supervisionada aumenta a capacidade pulmonar, promove a formação de novos vasos sanguíneos, fortalece a musculatura dos membros inferiores e, assim, melhora a circulação sanguínea e facilita o trabalho do coração”, elenca a cardiologista.

Motivos para ficar atento ao coração

+ Miocardite e pericardite: São inflamações no músculo cardíaco e na membrana que o envolve. Dores associadas à respiração profunda e cansaço são os principais sintomas do problema, que tem tratamento.

+ Entupimentos perigosos: Aprontando também pelos vasos sanguíneos, a infecção pelo coronavírus pode desestabilizar as placas de gordura que ali se instalam, provocando bloqueios e infartos.

+ Pressão e insuficiência: A hipertensão pode dar as caras, ou ficar descontrolada, se já existia antes. Em alguns casos, fibroses e inflamação provocam insuficiência cardíaca.

+ Arritmia: Ataques diretos ou indiretos, e ainda o uso de medicamentos, podem gerar falhas no sistema elétrico do coração. Palpitações e taquicardias devem ser avaliadas pelo cardiologista.

Da cabeça aos pés: sintomas misteriosos, origens misteriosas

Em algumas pessoas, apesar de uma aparente normalidade nos exames, os sintomas esquisitos continuam aparecendo. A ciência busca com afinco respostas para essa situação angustiante. Além dos resquícios de inflamação, onipresentes pelo corpo, suspeita-se de processos similares aos de doenças autoimunes, quando o organismo produz anticorpos contra si mesmo.

Mas é provável que um mecanismo para explicar tudo nunca apareça. Há diversos fatores de confusão, como dizem os especialistas, que atrapalham a empreitada. Até porque outras infecções também podem desatar reflexos de longo prazo.

“Já víamos sequelas em doenças infecciosas, mas elas eram mais raras. Com muita gente contaminada agora, talvez se trate de um aumento proporcional”, avalia o infectologista Alexandre Cunha, consultor médico do Grupo Sabin.

Há outro ponto. Várias das queixas, da falta de ar à dor de cabeça, passando pela queda de cabelo e pelos picos de pressão, podem estar associadas ao estresse psicológico. Sobreviver à Covid-19 é passar por um trauma, em diferentes medidas, mas, sem dúvida, um trauma.

O psiquiatra Vitor Crestani Calegari, da Universidade Federal de Santa Maria (RS), atende vítimas do incêndio da Boate Kiss, que matou 242 pessoas e deixou outras 636 feridas em 2013, algumas até hoje em reabilitação, e apresenta insights sobre a crise atual. “Corpo e mente estão interligados, não há como tratar um sem olhar o outro. E, diferentemente de um evento traumático único, como o incêndio, aqui há um acúmulo de estressores: o medo de morrer, uma situação de pandemia que não acaba, o impacto no trabalho, a culpa por ter se contaminado, a incerteza sobre a recuperação, e por aí vai”, analisa o médico, que agora usa sua expertise para atender quem encara o pós-Covid.

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Quando falamos em baque emocional e transtornos psiquiátricos, é justamente para frisar que eles são tão importantes quanto qualquer sequela física. Devem ser investigados e atendidos com seriedade. Até porque a mente do paciente tem papel fundamental na sua reabilitação.

“O medo faz parte do processo, e precisamos de ferramentas para lidar com ele, assim como motivação para encarar a jornada de recuperação, que é um trabalho muito solitário”, afirma Sara Turcatto, coordenadora do curso de psicologia da Universidade Anhanguera de Ribeirão Preto (SP).

Seus alunos e professores montaram um serviço para atender sobreviventes, mas ainda é um movimento tímido considerando a demanda crescente. Aliás, chega a ser desumano falar em 20 milhões de recuperados como trunfo, já que tantos desses estão longe de voltar ao normal. Reabilitação é a palavra de ordem aqui, mas, entre as pessoas ouvidas pela reportagem, poucas entraram em programas do tipo.

Eis mais um legado do pós-Covid. A reabilitação é um recurso subutilizado, mas muito útil para doenças pulmonares e cardiovasculares. Não se trata de tomar remédios por um tempo, mas de se comprometer com um programa interdisciplinar de longa duração, com apoio de médico, fisioterapeuta, nutricionista, psicólogo e outros profissionais, e que inclui mudanças de hábito. Pode ser trabalhoso e ainda pouco acessível, mas os frutos são inegáveis.

Na mesma linha, outra lição é a importância de olhar para a pessoa como um todo, e não para seus sintomas. “Começamos a notar que o paciente ficava perdido, procurando várias especialidades, e então montamos um plano de comunicação para auxiliá-lo e um sistema que permite a troca de informações entre os diferentes serviços pelos quais ele passa”, ilustra Thais Jorge, diretora do Bradesco Saúde.

E, claro, temos de ouvir e acolher quem vive na pele a experiência do pós-Covid. “Valorizo a chance que me foi dada de estar aqui, dando esta entrevista, enquanto milhares de pessoas não tiveram essa oportunidade. A rotina é puxada, com muita fisioterapia, acompanhamento médico e psicológico, e até eu ficar 100% vai levar tempo. Entender isso já ajuda muito. Mas a melhora é visível e isso me dá mais determinação”, conta o ator Luciano Szafir, 52 anos, que passou um mês internado e perdeu 17 quilos de massa muscular.

A professora Mary Aguiar Sousa, 49 anos, de Teresina, que vê os cabelos caindo enquanto lida com a própria reabilitação e o luto pela vida do marido, vítima da Covid-19, compartilha o sentimento: “O mais complicado é lidar com as emoções, mas vamos vivendo um dia de cada vez”.

Outras manifestações do pós-Covid

<span class="hidden">–</span>Foto: Klaus Vedfelt - Getty images/ Lettering: Sérgio Bergocce/SAÚDE é Vital

Mais de 50 encrencas já foram associadas à Covid longa. Separamos algumas delas:

+ Queda de cabelo: O quadro, chamado eflúvio telógeno, é normal após um evento estressante. A boa notícia é que a situação é temporária, e que tratamentos estimulam o crescimento dos fios.

+ Herpes zóster: Os casos da doença, desencadeada pelo vírus da catapora, aumentaram até 35% na pandemia. Ainda não se sabe se o Sars-CoV-2 tem culpa no cartório, até porque o estresse em si é gatilho.

+ Diabetes: Pessoas que já tinham tendem a passar por períodos de descontrole da glicemia que exigem atenção. Mais raramente, a doença pode ser diagnosticada na fase pós-Covid.

+ Disfunção erétil: A dificuldade de ter ou manter uma ereção foi relatada por recuperados da infecção. De novo, há questões emocionais, mas pesquisas já encontraram lesões provocadas pelo vírus até nos testículos.

+ Lesão renal: Os rins estão entre as principais vítimas da Covid-19. Até metade dos internados sofre danos ali, boa parte reversíveis. Alguns casos exigem hemodiálise mesmo depois da alta.

+ Mudanças no ciclo menstrual: Tem quem fique meses sem menstruar, ou com alterações estranhas de fluxo. Os relatos podem ter a ver com o impacto da doença sobre o metabolismo hormonal. Ainda em investigação.

+ Manifestações na pele: Urticárias, eczemas e outras lesões parecidas com as de uma alergia, com vermelhidão e coceira, já foram descritos até seis meses depois da infecção. O quadro é raro.

+ Queixas gastrointestinais: Nem o aparelho digestivo escapa nessa história. Embora não sejam comuns, podem ocorrer diarreia, constipação, refluxo e outros incômodos por um tempo.

Raio-x da reabilitação

<span class="hidden">–</span>Foto: Klaus Vedfelt - Getty Images / Lettering: Sérgio Bergocce/SAÚDE é Vital

Confira pontos importantes da jornada do paciente:

+ Multidisciplinar: Além das especialidades médicas, cresceu a importância do fisioterapeuta na pandemia. Nutricionistas, psicólogos e fonoaudiólogos complementam a equipe.

+ Alimentação: Manter uma alimentação saudável, com frutas, legumes, verduras e grãos integrais, pode ajudar na recuperação. Para algumas pessoas, será necessário suplementar nutrientes.

+ Retorno às atividades: Voltar com tudo é contraindicado, mas viver de repouso também não é legal. Em um mundo perfeito, as empresas promoveriam o retorno gradual dos funcionários — bom para os dois lados.

+ Exercícios: Há vários que podem ser feitos em casa, sem aparelhos, e mesmo as caminhadas já dão uma baita força. Confira uma cartilha montada pelo Hospital Albert Einstein.

Iniciativas brasileiras

Algumas experiências de sucesso realizadas no país:

+ Jogos e robôs: A rede Lucy Montoro, referência nacional, adota robôs para apoiar movimentos e jogos de realidade virtual para estimular o cérebro durante a reabilitação física de um jeito lúdico.

+ Na academia: Nas unidades da Cia Athletica, os clientes que tiveram Covid passam por um intensivo em etapas: respiração, músculos, sistema cardiovascular e treinos com objetivos direcionados.

+ Malhando o pulmão: Pesquisadoras da Unicamp patentearam um aparelho barato e simples para estimular a musculatura envolvida na respiração. A ideia é que ele seja usado em casa mesmo.

+ Suporte emocional: A Universidade Anhanguera de Ribeirão Preto oferece atendimento psicológico gratuito a pessoas com sequelas. Nas redes sociais, grupos com milhares de membros trocam experiências.

A partir de quando é Covid longa?

Navegamos em mar desconhecido, mas a situação parece ser dividida em dois momentos. O primeiro, logo depois da fase aguda, envolve algumas semanas de recuperação, e é mais comum quando a pessoa apresentou uma infecção mais severa. Depois entra a fase de cronificação da doença.

“As entidades estão considerando uma linha de corte de 12 semanas”, comenta Linamara. O que permanecer ou surgir após esse período seria considerado a Covid longa, ou síndrome pós-Covid. Mas essa é uma média, sublinha a especialista. “Na prática, pessoas que foram internadas já devem começar a reabilitação logo depois da alta. Não é necessário esperar para saber se está ou não com uma doença crônica”, explica.

O tempo de reabilitação varia conforme a extensão dos sintomas.

O impacto do tratamento precoce

Embora não haja estudos sobre os efeitos dessa prática sem respaldo científico no agravamento do pós-Covid, sabemos que o uso indiscriminado de medicamentos para casos leves pode gerar eventos adversos e deixar suas marcas.

Os corticoides têm efeito imunossupressor e, quando tomados por muito tempo, atrapalham o metabolismo ósseo. A azitromicina bagunça a microbiota intestinal e pode elevar o risco cardíaco — problema também ligado à cloroquina. Já a ivermectina, em casos raros, lesa o fígado.

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Pior que tem médico pregando “kit Covid” também para as sequelas, alerta o jornalista investigativo Victor Silva, que acompanha o fenômeno de perto. “Vemos o mesmo tipo de argumentação, inclusive com a prescrição de ivermectina para sintomas prolongados”, conta.

Em aberto

Cientistas trabalham para responder aos enigmas da Covid-19:

Como ficam as crianças?
É raro que elas sejam acometidas por quadros graves do coronavírus, mas estudos mostram que elas também podem ter complicações no longo prazo.

Pós-Covid é uma doença nova?
Especialistas debatem e até esperam essa classificação, que facilitaria burocracias e pesquisas, mas o martelo ainda não está batido.

Vacinados que se infectam podem ter pós-Covid?
Sim, embora as doses diminuam esse risco ao reduzirem a chance de adoecer. Inclusive, é bom dizer que quem está com sequelas pode e deve se vacinar.

Os danos são permanentes?
Felizmente, a maioria é passageira. Até por isso, o uso do termo sequela é controverso, uma vez que remete a algo sem conserto e pode levar a estigmas.

Fontes: João Tress, cardiologista e coordenador do laboratório de ecocardiografia do Complexo Hospitalar de Niterói; Adriana Vilarinho, dermatologista membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD); Carmen Silvia Passos Lima, oncologista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Luciana Palhares, fisioterapeuta da Unicamp; Marcelo Ares, fisiatra e coordenador da equipe de fisiatria da AACD; Monica Marques, educadora física e diretora técnica do grupo Cia Athletica; Maria de Lourdes Teixeira da Silva, gastroenterologista e diretora do Ganep Nutrição Humana.


Uma doença chamada pós-Covid Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br

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