Chiados, barulhos de chuva e de cachoeira e outros sons do cotidiano aparecem em aplicativos, no YouTube e em aparelhos específicos como soluções para cair no sono. Especialistas avaliam que, apesar da popularidade que a tática alcançou, não há evidências científicas suficientes para comprovar sua eficácia.
Uma revisão publicada recentemente na revista científica Sleep Medicine Reviews cita 38 estudos relacionados especificamente ao uso do ruído branco, que se caracteriza por um som contínuo, mais próximo de um chiado ou um rádio fora de estação. A conclusão é de que as evidências sobre a capacidade de essa técnica facilitar o adormecimento são insuficientes – além disso, ela pode afetar negativamente a qualidade do sono e a audição.
Nessa seara de sons para dormir, outros populares são o ruído rosa e o marrom ou browniano (em referência ao cientista inglês Robert Brown). As duas cores são variações do branco, definidas a partir da frequência (medidas em hertz) e da amplitude do som (volume).
No rosa, a amplitude cai e a frequência sobe, o que pode ser comparado a raios durante uma tempestade. O marrom é mais baixo, menos percetível aos ouvidos, como ondas do mar quebrando ou uma ventania leve.
Alguns sons encontrados pela internet e nos aplicativos são difíceis de classificar. “Ventilador, chuva e turbina de avião se encaixam mais no tipo de som broadband, que simplesmente significa um barulho não muito discernível e que pega várias faixas de frequência”, ensina o biomédico Gabriel Natan Pires, pesquisador do Instituto do Sono, em São Paulo.
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O som e o sono
“Há cerca de uma década começaram a surgir estudos relacionando os tipos de sons com a melhora da memória ou da qualidade do sono. Mas todos são pequenos, feitos com poucos participantes. Por isso, não existe um uso clínico disso”, afirma Álvaro Pentagna, médico responsável pelo ambulatório de sono e neurologia do Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Algumas pessoas de fato conseguem dormir com os ruídos, mas ainda não há uma explicação plausível para esse efeito. “Em relação ao tipo branco, sabemos que ele serve de mascaramento, porque toma o lugar de outros sons desagradáveis que estão ao redor, como o de uma grande avenida. Mas isso é combater um barulho com outro, o que nunca é bom”, avalia Pires.
Isso ocorre porque, ao ouvir um chiado, todos os neurônios passam a dar atenção a esse som, desprezando os demais. Até pode ajudar a adormecer, mas existe a probabilidade de o sistema auditivo sair prejudicado.
“Dependendo do tipo de ruído e do tempo de exposição, podem ocorrer lesões nas células que controlam a audição. Mas esse limite ainda não está definido”, esclarece Raimundo Nonato, neurologista, vice-coordenador do Distúrbios do Sono Academia Brasileira de Neurologia.
Para ter ideia, o médico conta que há casos de mulheres que perderam parte da capacidade de ouvir por dormirem com maridos que roncam muito.
Na dúvida, se a pessoa acha que dorme mais rápido com o ruído, pode programar o desligamento automático do barulho – grande parte dos aplicativos tem essa função. “O mesmo serve para quem gosta de ficar com a TV ligada. Melhor deixar apenas até o momento de cair no sono para não atrapalhar a profundidade e a qualidade do descanso”, sugere Marcelo Freitas Schmid, neurologista do Instituto de Ciências Neurológicas de São Paulo (ICNE-SP).
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Resolver problemas de insônia, principalmente em casos graves, não é algo simples. E há outras recomendações que costumam vir em primeiro lugar, como praticar a higiene do sono, que pode ser mais efetivo do que recorrer a ruídos – entre as medidas indicadas estão reduzir as luzes da casa quando estiver perto da hora de dormir, tomar um banho quente, evitar o celular, entre outras.
“Fora que há o risco de usar esses aplicativos no celular e, antes de dormir, ser influenciado a dar uma espiadinha nas mensagens e redes sociais, o que afeta ainda mais o repouso”, alerta o biomédico do Instituto do Sono.
Mas e os bebês?
Há um papo de que o ruído branco seria especialmente benéfico ao sono dos pequenos. “Mas, na verdade, esse som que pode simular o ambiente do útero só traz calma em momentos em que ela está chorando muito, assustada ou com cólica. Dizer que o som induz o adormecimento é secundário”, informa Pires.
Algumas pesquisas realizadas fora do Brasil e com uso de tecnologia avançada até exploram o uso do ruído durante o sono, mas com outro objetivo.
“Computadores conectados ao cérebro de um indivíduo captam as ondas lentas, que é quando a pessoa entra no sono mais profundo e restaurador. Nesse momento, ativa-se um ruído branco ou rosa. A ideia é que os sons estimulem essas ondas específicas, melhorando a memória e outras capacidades mentais”, conta Pentagna.
Está aí uma possível (porém, distante) contribuição dos ruídos à saúde. Ou seja, não tem a ver exatamente com a qualidade do descanso. Nesse sentido, melhor apostar em estratégias mais consagradas.
Será que ruído branco e sons da natureza facilitam o sono? Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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