Um príon – termo que vem do inglês proteinaceous infectious particle – é a versão “gênio mau” de uma proteína normal, essencial ao sistema nervoso. Na forma convencional (e boazinha), a proteína mantém os neurônios íntegros, crescendo e se comunicando. Na forma anormal e má, o príon, ela passa a sabotar o funcionamento das células nervosas, que ficam porosas e acabam morrendo.
Conforme isso acontece, o cérebro vai ficando cheio de furos microscópicos, como se fosse uma esponja. Mas o príon tem outra capacidade impressionante: se ele encosta num gêmeo bom (outra proteína), e este também se converte em príon.
Quando olhamos para uma proteína, podemos pensar que ela se dobra feito um origami, e o que o príon faz é pegar um origami normal e redobrá-lo à sua vontade. Só que rola uma reação em cadeia: cada novo príon convertido é agora capaz de converter mais proteínas à “seita priônica”.
Mas como surge um príon e ele vai parar no sistema nervoso central? Mutações genéticas raras, presentes em um grande número de animais, incluindo gado bovino e seres humanos, dão origem, internamente, a essas proteínas defeituosas e capazes de se espalhar.
No gado, os príons causam a chamada encefalite espongiforme bovina e, em seres humanos, a doença de Creutzfeldt-Jakob, doenças estas que, muito lentamente, após anos de incubação, levam à perda de coordenação motora e alterações de comportamento que podem culminar em morte. Essa é uma forma de doença priônica que não se transmite entre indivíduos e é denominada atípica.
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Para que o problema se torne transmissível, seria preciso colocar o príon pronto dentro de outro organismo. De que maneira? Ingerindo o príon, por exemplo. Acontece que o processamento do gado em matadouros para o consumo humano pode resultar em subprodutos como uma farinha feita a partir do resto de carne e ossos desses animais. E essa farinha era utilizada para preparar rações a serem administradas aos bois e vacas nas fazendas, em uma canibalesca reciclagem.
E o que aconteceria, então, se um animal com príons formados por geração interna de forma atípica (como na citada encefalite espongiforme bovina) virasse farinha e entrasse nesse clico de reciclagem? Todo o gado que se alimentasse da ração à base da farinha estaria sujeito a contrair a mesma doença, agora chamada de típica, aquela que nasce da ingestão do príon pronto.
Foi isso que ocorreu nos anos 1980 no Reino Unido, gerando uma epidemia de encefalite espongiforme bovina, mais tarde também detectada no Canadá. E assim ficamos conhecendo a “doença da vaca louca” – lembra que o príon altera o comportamento do animal?
Mas e se uma pessoa ingerisse carne de gado com essa doença priônica? Pois é, ela corre o risco de desenvolver a variante humana de Creutzfeldt-Jakob. E nem adianta deixar o bife bem passado para escapar disso: príons são extremamente resistentes a altas temperaturas.
A doença da vaca louca voltou ao holofote em setembro, quando foram encontradas duas vacas idosas com encefalite espongiforme bovina no Brasil (uma no Mato Grosso, outra em Minas Gerais). Só que elas apresentavam a forma atípica e não epidêmica da moléstia. Ou seja, esses animais apresentavam aquelas mutações que internamente fazem brotar os príons. Não tem nada a ver com o uso de farinha de boi e a reciclagem canibalesca, prática que nem existe mais no Brasil e em países que controlam a doença.
Após o abate, as vacas não foram destinadas ao consumo e o caso foi encerrado apropriadamente – sem riscos para outros bichos e humanos. Assim, nosso país se mantém na classificação internacional de “risco desprezível” para encefalite espongiforme bovina.
Menores e muito menos complexos que um vírus, os príons são proteínas, não micro-organismos. Mas é graças à sua estrutura e capacidade de se camuflar do sistema imune, bem como a habilidade de transformar irmãos do bem em párias, que eles escondem seu segredo: são verdadeiros devoradores de cérebros.
O vai e volta da doença da vaca louca Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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