Ainda no século 17, o filósofo René Descartes questionou-se sobre o que poderia estar por trás das sensações humanas. Ele então imaginou uma possível explicação: dentro do corpo humano, haveria uma série de fios conectando as diferentes partes da pele ao cérebro. Essas ligações fariam com que as pessoas sentissem caso pisassem em algo pontudo ou aproximassem as mãos do fogo, por exemplo.
Ele não estava de todo errado. Em 1944, os pesquisadores Joseph Erlanger e Herbert Gasser receberam o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina por suas descobertas envolvendo células nervosas. Eles mostraram como elas poderiam reagir a estímulos distintos, como o frio ou o calor, a dor ou o prazer.
E então chegamos ao Prêmio Nobel de 2021. Neste ano, os pesquisadores David Julius e Ardem Patapoutian foram laureados ao Prêmio de Medicina ou Fisiologia por descobrir exatamente quais são os receptores celulares por trás das sensações causadas pelas diferentes temperaturas e pelo toque. O resultado da premiação, concedida pela Assembleia do Nobel do Instituto Karolinska, da Suécia, foi anunciado nesta segunda-feira (4) e rendeu à dupla o valor de 10 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 6,1 milhões).
David Julius, professor e pesquisador pela Universidade da Califórnia em São Francisco, nos EUA, publicou seus primeiros trabalhos sobre o tema na década de 1990. Na época, ele estava analisando a capsaicina – um composto presente na pimenta, responsável pela sensação de ardência. Quando sentimos a queimação, significa que as nossas células conseguem identificar essa molécula de alguma forma. Julius e sua equipe resolveram buscar pela proteína no corpo humano que se liga à capsaicina. E lá estava ela: a proteína receptora TRPV1. Mais alguns esforços e a equipe percebeu que a proteína não respondia só à pimenta, mas a qualquer molécula capaz de desencadear sensações de calor e queimadura.
O pesquisador também buscou pelos receptores celulares ativados por moléculas que causam sensação de frio. Neste caso, ao invés da pimenta, foi utilizada a substância química mentol, presente na menta e hortelã. Ardem Patapoutian, professor e pesquisador da Scripps Research, na Califórnia, estava conduzindo o mesmo estudo em paralelo. Ambos descobriram a proteína receptora TRPM8, sem saber da pesquisa um do outro.
As pesquisas de Patapoutian não se restringiam à temperatura. O cientista também buscava por receptores que poderiam ser ativados pelos estímulos mecânicos, como toque e pressão. Junto de sua equipe, Patapoutian encontrou 72 genes que codificam proteínas em potencial, e resolveu testá-los em laboratório. A ideia era desativar todos eles e depois ir cutucando a célula com uma ferramenta laboratorial chamada micropipeta. Assim, poderia anotar quais proteínas geravam reação nas células. Foi assim que o cientista chegou às proteínas Piezo1 e Piezo2, as únicas que, ao serem inibidas, tornavam as células insensíveis ao toque.
As descobertas de Julius e Patapoutian foram cruciais para o entendimento de como os seres humanos percebem o mundo ao seu redor. Agora, este conhecimento está sendo usado para desenvolver tratamentos contra diversas doenças e transtornos, incluindo a dor crônica, que afeta 30% da população mundial.
Apesar da relevância da pesquisa envolvendo as sensações humanas, o anúncio dos vencedores foi uma surpresa para muitos pesquisadores. Havia altas expectativas de que os cientistas envolvidos no desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19 fossem laureados. De toda forma, os resultados desse ano não excluem a possibilidade dos profissionais da pandemia serem homenageados no futuro. Na verdade, premiar pesquisadores anos após seus feitos mais relevantes é algo comum no Nobel.
Nos próximos dias serão anunciados os vencedores nas categorias Física, Química, Literatura, Paz e Economia. Você poderá encontrar todos os laureados e suas contribuições no site da Super.
Nobel de Medicina 2021 vai para descobertas sobre sensação de temperatura e tato Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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