quinta-feira, 14 de abril de 2022

A epidemia de FOMO

Peguei covid em 2022, dois anos e três doses de vacina depois do início da pandemia. O quadro foi leve graças à imunização, mas não teve como fugir da quarentena: dez dias de isolamento. Na sexta à noite, aproveitei para zerar aquele videogame que eu já estava jogando há semanas, mas nunca tinha tempo de terminar. Seria um bom final de semana.

E estava sendo, até eu entrar nas redes sociais. A cada story do Instagram, uma festa, um happy hour, um jantar, um rolê diferente. Parecia que todos os meus amigos estavam se divertindo sem mim.

Foi o suficiente para estragar uma noite que seria agradável para mim também, ainda que de outra forma. Não consegui me concentrar no jogo e dormi mal. No final de semana seguinte, perguntei se meu amigo iria para determinada festa. “Ah, nem queria muito. Mas se eu não for, o meu FOMO vai atacar.”

Bingo. Foi o que senti naquele fim de semana. Não era ansiedade ou depressão. Era FOMO: Fear of Missing Out. Significa “medo de ficar de fora”. É o nome inventado para descrever aquela sensação ruim que você tem quando perde o happy hour da empresa, uma viagem em família ou encontro entre amigos. Em suma, um estresse súbito por estar perdendo alguma experiência valiosa.

Segundo uma pesquisa de 2012 feita pela agência de publicidade J. Walter Thompson, sete em cada dez millennials (pessoas que nasceram entre 1981 e 1996) dizem que já sentiram FOMO. Naquela época, apenas 8% dos entrevistados conheciam o termo, mas se identificaram com a sensação após a explicação da sigla. Quatro em cada dez admitem que o sentimento é frequente.

E não é só o medo de perder eventos sociais. O FOMO também tem reflexos no mercado financeiro, é usado como estratégia de marketing e pode até explicar o vício em videogames. Entenda o que está por trás do sentimento – e o que fazer para amenizá-lo.

FOMO de quê?

FOMO é um nome novo para algo antigo. Marco Túlio Cícero, político romano que viveu no século 1 a.C., sofria de um FOMO terrível. Toda vez que ele saía da capital, fazia questão de receber cartas sobre eventos políticos e até fofocas que aconteceram enquanto esteve fora. Não queria perder nada.

“O conceito de FOMO começou a ser estudado recentemente, mas eu vejo como uma releitura. Já existe, na psicologia social, a ideia dessa ansiedade motivada por questões de conexão social”, diz Gabriel Rego, pesquisador do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social do Mackenzie.

Humanos são animais sociais. A habilidade de cooperar e formar grupos foi o que garantiu a sobrevivência da espécie. E a evolução nos recompensou: sempre que temos alguma interação social satisfatória com alguém, uma região do cérebro chamada via mesolímbica é ativada. Ela libera dopamina, um dos principais neurotransmissores relacionados à sensação de prazer.

Só que essa é uma via de mão dupla. Na pré-história, ser deixado de fora podia significar ficar sem comida ou ser atacado por um predador. Por isso, a melhor estratégia era permanecer em grupo. Não é à toa que se sentir excluído pode parecer uma sentença de morte. É que, para nossos ancestrais, era mesmo.

A exclusão social dói, literalmente. As pesquisas da psicóloga Naomi Eisenberger, da Universidade da Califórnia (UCLA), mostraram que a rejeição social ativa o córtex cingulado anterior – uma das regiões do cérebro relacionadas à dor física. Expressões como “machucar os sentimentos” ou “corações partidos” não poderiam ser mais precisas.

<span class="hidden">–</span>Helena Sbeghen/Superinteressante

A ascensão do FOMO

O termo “Fear of Missing Out’’, com todas as letras, apareceu pela primeira vez em um artigo científico publicado no ano 2000. Não era de psicologia nem de neurociência, mas de marketing. O estrategista Dan Herman escreveu no Journal of Brand Management, um periódico com textos acadêmicos sobre o mundo dos negócios, sobre como usar o medo de ficar de fora para vender produtos.

Afinal, funciona. Slogans como “Não fique de fora dessa” ou “Última chance para comprar” apelam para o medo de perder uma oportunidade única, o que leva a compras impulsivas.

Termos, porém, também são marcas. E esse só pegou mesmo depois que virou sigla. Quem criou não foi Dan Herman, mas um aluno de administração de Harvard, Patrick McGinnis. Em 2004, ele escreveu um artigo para o The Harbus, o jornal estudantil da Harvard Business School, e cunhou ali a primeira menção à sigla FOMO.

E nem era um texto sobre negócios. Estava mais para uma peça amadora de psicologia social. O texto fala sobre um estudante que participa de oito eventos em uma única noite, na tentativa de encontrar com o máximo de pessoas possível. Bem o que alguém com FOMO faria.

A sigla foi ganhando fama no boca a boca, como acontece com as boas marcas. Com o tempo, virou queridinha de autores chegados a identificar novas tendências. Sites como o Huffington Post, BuzzFeed e Mashable abusaram dela, até que a sigla chegou a publicações como o New York Times e ganhou status internacional. Em 2013, a glória: foi adicionada ao dicionário Oxford, o Houaiss do inglês.

Continua após a publicidade

McGinnis, inclusive, construiu sua carreira com base no conceito criado acidentalmente: já escreveu um livro, criou um podcast e oferece cursos sobre como lidar com o FOMO, ou usá-lo a seu favor nos negócios.

Dada a origem marqueteira do termo, não demorou para que ele começasse a ser usado para descrever comportamentos do mercado financeiro. O medo de ficar de fora de alguma ação que todos estão comprando faz com que o investidor compre também, para não perder o possível lucro. É um jeito diferente de descrever o “efeito manada”. O fenômeno está por trás da valorização relâmpago das empresas de carros elétricos que nasceram para concorrer com a Tesla, e passaram a valer dezenas de bilhões de dólares da noite para o dia, e, logicamente, das criptomoedas. O medo de ficar de fora do bonde dos ganhos com cripto é o motor que fez tanta gente comprar sem nem saber o que estava comprando. Um grande maria-vai-com-as-outras que fez algumas delas subirem mais de 1.000% em questão de meses.    

Seja no consumo, seja nos investimentos, é difícil resistir ao FOMO. Mesmo que você seja regrado nos gastos financeiros, já deve ter sucumbido ao sentimento de outras formas – como assistir aquela série que todo mundo está vendo só para ficar por dentro do assunto.

InstaFOMO

O medo de ficar de fora só surge quando você sabe que pode estar perdendo algo. E nada é mais eficiente nessa tarefa do que as redes sociais. Não à toa, a explosão no uso do termo acompanhou a cronologia das redes: quanto mais onipresentes elas se tornaram, mais popularidade o conceito de FOMO ganhou.     

Vale lembrar: é diferente da inveja que sentimos quando vemos fotos de influenciadores em lugares paradisíacos. O medo de ficar de fora só aparece quando algo acontece com a sua “tribo”. Quanto mais próxima for a pessoa, pior é o sentimento.

Não à toa, uma pesquisa de 2018 conduzida com alunos de primeiro ano de faculdade mostrou que o sentimento aparece mais ao fim do dia e nos finais de semana. Além de ser o momento em que as pessoas costumam sair (afinal, #sextou), também é quando mais acessamos as redes sociais para nos distrair.

Vira um processo retroalimentado. Primeiro, vem a sensação de que você está sendo deixado de lado – um gatilho provocado por posts no Instagram, Facebook, Twitter ou mensagens no WhatsApp. Depois, uma vontade compulsiva de manter a conexão com o grupo, também por meio das redes sociais (como se estivesse dizendo “Oi! Também estou aqui!”).

Ou seja: as redes sociais despertam o FOMO; você tenta aliviar o FOMO entrando nas redes sociais, e ganha mais FOMO de presente.

O diretor de pesquisa do Instituto de Internet de Oxford, Andrew  Przybylski, foi um dos primeiros psicólogos a avaliar o FOMO quantitativamente. Ele criou uma escala para medir a intensidade do sentimento. Os participantes da pesquisa tinham que dizer o quanto concordavam com frases como “Eu tenho medo de que meus amigos estejam tendo experiências mais recompensadoras do que eu” e “É importante que eu entenda as piadas internas dos meus amigos”.

O estudo relacionou o uso intenso de redes sociais com maiores índices de FOMO. Também detectou que quem apresentava os sintomas com frequência tinha mais dificuldade para manter o foco nas aulas, por exemplo.

Outros pesquisadores mostram que o FOMO pode estar relacionado ao vício em videogames online. Quando você faz parte de uma comunidade de jogadores, ficar fora do mundo virtual significa perder experiências que reforçam a conexão com o grupo. Olhando por essa perspectiva, não participar de uma batalha de World of Warcraft é tão deprimente para o sistema dopaminérgico do cérebro quanto era ficar de fora de uma caçada na pré-história.

O FOMO, no fim das contas, é inevitável: faz parte dos nossos instintos primordiais. E a realidade online estimula esses instintos numa intensidade nunca antes vista. Por outro lado, a mesma ciência que estuda as raízes do FOMO traz ferramentas para que se lide melhor com o sentimento.

<span class="hidden">–</span>Helena Sbeghen/Superinteressante

Joy of Missing Out

Os sintomas do FOMO equivalem aos de um coração partido: um sentimento inerente à experiência humana, mas que é vivenciado de maneiras diferentes por cada um de nós.

Segundo Anna Lúcia Spear King, psicóloga do Instituto Delete (especializado em detox digital), o perfil de quem sente mais FOMO costuma ser o de pessoas inseguras, tímidas, com baixa autoestima e maior dependência emocional. O sentimento pode levar à nomofobia, termo que batiza uma espécie de pavor irracional de ficar sem o celular.

Não existe uma receita de bolo para lidar com o FOMO, mas uma boa ideia é começar atacando o que está por trás do problema. “Numa terapia você vai entendendo como se sentir mais segura, como manejar esse sentimento […] Uma vez que você se sente seguro, você pode escolher não aceitar aquele compromisso. Todo mundo vai, mas você não se sente triste”, diz Spear King.

Isso significa prestar menos atenção ao acontece no mundo exterior, e cuidar melhor do seu mundo interior. Estudos recomendam práticas que foquem em você, como meditar ou manter um diário pessoal. Uma boa estratégia é estabelecer limites para o tempo gasto no celular, usando aplicativos de monitoramento. O FOMO também está relacionado à dificuldade para dormir e menor qualidade do sono, então vale largar o celular pelo menos antes de ir para a cama.

No fim das contas, o importante é aceitar que você sempre estará perdendo alguma coisa. E que tudo bem. Não há como abraçar tudo de uma vez só. Em oposição ao FOMO, um termo que se popularizou recentemente foi o JOMO: Joy of Missing Out, ou alegria em ficar de fora. É algo simples: aproveitar o presente e focar nas pequenas coisas que te deixam feliz. Afinal, cada minuto que você passa nas redes sociais se corroendo pelo que os outros estão fazendo é um minuto que você perde da própria vida. E ela não dura para sempre. Vou lá zerar meu game.

Compartilhe essa matéria via:
Continua após a publicidade

A epidemia de FOMO Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed

Nenhum comentário:

Postar um comentário