Flexitariana, reducetarianismo, dieta da saúde planetária e proteína alternativa são algumas das novas expressões que vêm se incorporando ao vocabulário de muita gente. “E antropoceno, já ouviu falar?”, indaga a nutricionista Cynthia Antonaccio, da consultoria Equilibrium Latam.
Ela se refere a um conceito mais antigo, mas trazido à tona nos últimos anos. “O termo remete à interferência humana na Terra e seus impactos ambientais”, explica. Sim, é a era em que o homem começou a alterar o equilíbrio e o destino do globo, algo que envolve toda a nossa cadeia alimentar, desde o campo até a mesa, passando pela indústria e o mercado.
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Um documento assinado por uma comissão de cientistas no respeitado periódico médico The Lancet em 2019 é considerado um marco na relação entre saúde, dieta e sustentabilidade. “Ele aborda questões como o reflexo da produção de alimentos na utilização de água, na emissão de gases do efeito estufa e na biodiversidade”, resume a nutricionista Lara Natacci, pós-doutoranda na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). E convoca o mundo a rever hábitos e modelos. “Entre as principais recomendações, está a de reduzir a carne no dia a dia, ampliando o espaço para a comida de origem vegetal”, destaca Lara, uma das fãs e precursoras da divulgação do relatório no Brasil.
E é aí que desponta outra palavrinha, esta preservando sua raiz inglesa: plant-based. Na tradução literal, significa “à base de plantas”, mas o termo ainda gera confusão do ponto de vista técnico. “Realizamos uma pesquisa com 180 nutricionistas e 49% não tinham total clareza a respeito”, revela Carolina Godoy, nutricionista da BHB Foods e Suplementos.
A expressão tem sido empregada em diferentes conjunturas, inclusive atualizando o que já pregavam há tempos as boas cartilhas de nutrição.
“Ela serve para designar cardápios que privilegiam hortaliças, grãos integrais, legumes, feijões, frutas, sementes…”, afirma a nutricionista Tânia Rodrigues, da RG Nutri, na capital paulista. “Mas há lugar para ovos, laticínios e pescados, por exemplo, desde que em uma quantidade adequada”, acrescenta.
A bem da verdade, o cardápio plant-based não é tão diferente de menus já celebrados pelos benefícios à saúde. “Até mesmo a dieta mediterrânea pode ser considerada plant-based”, repara a nutricionista Carolina Pimentel, uma das organizadoras do livro Nutrição e Alimentação Vegetariana – Tendência e Estilo de Vida (Manole).
E o que é mais óbvio: está na base das refeições dos vegetarianos. “Existem grupos que até incluem alguns itens de origem animal, mas a predominância é sempre vegetal”, diz a nutricionista Andressa Roehrig Volpe, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Uma das tribos que diminuem pra valer a ingestão de carne é a dos flexitarianos. Pelos cálculos da consultoria Euromonitor, eles já somam 23% da população mundial.
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É um público cada vez maior que nutre preferência por uma categoria de produtos que, veja só, também recebe a classificação de plant-based. Ela reúne bebidas e alimentos com ingredientes que mimetizam o que as carnes, os ovos e o leite fariam. E conta com novas tecnologias para extrair o que há de melhor das plantas e com processos industriais para tornar o produto viável e gostoso.
Só que, aí, um velho e batido ditado revive: precisamos separar o joio do trigo.
Nem em suas maiores “viagens” a comunidade alternativa que ganhou o mundo nos anos 1960 e 1970 poderia imaginar um bife suculento feito exclusivamente de grãos e sementes.
Antigamente, os vegetarianos e veganos, que hoje nem mais alternativos são, tinham à disposição uma prateleira minguada de itens que tentavam fazer as vezes da carne. Eram opções à base de soja, em geral esponjosas e desbotadas, e o cozinheiro precisava lançar mão de mil truques para torná-las apetitosas. O setor de extratos vegetais para substituir o leite não oferecia muitas escolhas e algumas marcas carregavam na baunilha para disfarçar um traço rançoso.
Passados tantos anos do movimento flower-power, vem do mesmo berço a revolução plant-based puxada pela conscientização ambiental e a tecnologia.
É na Califórnia, nos Estados Unidos, que cientistas começaram a criar filés a partir de células cultivadas em laboratório. A ideia se espalhou e chegou aos centros de pesquisa e às empresas brasileiras. “Substituir as propriedades nutricionais e tecnofuncionais das proteínas animais é um desafio”, afirma a bioquímica Elizabeth Nabeshima, do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), em Campinas (SP).
Fora a inclusão de novas matérias-primas, o modo de preparo evoluiu um bocado.
“Os produtos disponíveis atualmente são sensorialmente diferentes dos primeiros, entregam opções mais saudáveis e com rótulos limpos, fatores importantes e apreciados pelo consumidor”, avalia Janice Ribeiro Lima, pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos, no Rio de Janeiro.
A soja segue o ingrediente número 1 nesse universo — graças ao seu conjunto de nutrientes e à sua composição proteica, que ajudam a dar consistência a uma infinidade de receitas.
Para fabricar de hambúrgueres e nuggets a cubos de frango vegetal, os grãos passam por processos que separam as gorduras e as substâncias responsáveis por desconfortos digestivos e o gostinho residual.
Máquinas modernas recorrem ao calor e à pressão e produzem fibras longas, com aparência e textura semelhantes às da proteína animal. “As tecnologias utilizadas permitem a absorção de água de forma a garantir suculência ao produto”, relata o engenheiro de alimentos Tiago Coroa, da ADM, multinacional especializada em grãos e cereais.
Na confecção da comida plant-based, conquistam terreno mais leguminosas, conhecidas na área como pulses, outro vocábulo para o dicionário das tendências. O termo, usado lá fora, é originário do latim e designa o caldo grosso resultante da preparação de sopas feitas com as sementes secas desse grupo, que inclui feijão, lentilha, ervilha e grão-de-bico.
Hoje elas compõem as fórmulas de snacks, bebidas e itens de panificação. Quem tem feito maior sucesso é a ervilha, que, além das vantagens nutricionais, apresenta boa solubilidade, qualidade desejada nos processos industriais.
A engenheira de alimentos Laura Suemitsu, do Projeto Plant-Based, observa que muitos produtos combinam a família das leguminosas com cereais, caso do trigo, da aveia e do arroz. “O arranjo contempla maior quantidade de aminoácidos essenciais e, assim, aprimora a qualidade proteica, já que eles se complementam”, justifica.
Amêndoas, castanhas e frutos como o coco são outros que fazem bonito nas receitas, sobretudo naquelas que imitam os leites.
A lista de espécies usadas como matéria-prima só tende a crescer. Pesquisadores andam investigando o potencial da biodiversidade brasileira.
Nosso caju tem surpreendido estudiosos na Embrapa, por exemplo. Sua polpa fibrosa, de sabor e cheiro neutros, fica perfeita em hambúrgueres. “Também participamos da criação de um bolinho de siri vegetal”, revela Janice. O petisco agradou o público presente em uma feira de inovações que aconteceu no começo do ano.
A nutricionista Adriana Zanardo, consultora da Jasmine Alimentos, elogia a variedade de produtos à base de plantas disponíveis. “Quanto maior a diversificação, mais propícia a adequação de nutrientes consumidos na rotina”, explica.
Marina Sallum, coordenadora de projetos da Equilibrium e especialista pela Sociedade Vegetariana Brasileira, faz coro sobre a importância de ampliar as opções ao brasileiro. “A monotonia bloqueia novas experiências sensoriais. E comer de forma saudável engloba, sim, prazer”, defende a nutricionista.
Segundo Cynthia Antonaccio, os maiores consumidores de plant-based hoje são verdadeiros exploradores de comida. “Eles querem degustar o que há de diferente e se divertir com essas novidades que chegam ao mercado”, nota a profissional, que é expert em tendências no setor.
Dados da Mintel, agência global de inteligência de mercado, mostram que os jovens de 16 a 24 anos são os maiores fãs da carne vegetal e as mulheres se destacam na preferência por bebidas feitas de plantas. “Mas hoje esses produtos são consumidos principalmente pelas classes A e B”, conta a analista Ana Paula Gilsogamo.
Embora o preço da carne tenha subido, as alternativas plant-based nem sempre saem barato. Patrícia Blumer Zacarchenco, do Centro de Tecnologia de Laticínios e Bactérias Láticas do Ital, explica que a busca pela similaridade, sobretudo em relação à qualidade da proteína, repercute no custo final. “E isso restringe o acesso”, diz. Para alcançar o mesmo teor de nutrientes da comida de origem animal, as empresas muitas vezes precisam enriquecer as fórmulas com vitaminas e sais minerais.
No entanto, além de pesarem no bolso, os incrementos na fabricação podem empurrar os itens plant-based para o grupo dos ultraprocessados, aqueles contraindicados pelo Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde. “Produtos com mais de cinco ingredientes e que passam por várias etapas industriais costumam ser classificados assim”, esclarece Laura.
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O desafio, portanto, é não pender para esse lado. Cynthia conta que até a inteligência artificial tem sido utilizada com essa finalidade. “O algoritmo avalia inúmeras substâncias e misturas e auxilia no desenvolvimento de formulações mais gostosas e saudáveis”, explica.
Outra estratégia é privilegiar matérias-primas genuinamente naturais. “Um dos componentes usados nas bebidas vegetais é um tipo de cálcio extraído de algas marinhas”, exemplifica a engenheira de alimentos Melissa Carpi, da Jasmine.
A fermentação é mais uma técnica requisitada. “Para melhorar a digestibilidade das proteínas vegetais e obter sabores desejáveis, certos tipos de bactéria e fungos são aplicados no processo”, descreve Renata Bromberg, do Centro de Tecnologia de Carnes (CTC) do Ital.
Amidos extraídos de tubérculos que dão cremosidade, ervas aromatizantes e corantes de beterraba, cúrcuma e urucum são outros aliados na empreitada. “Missô e shoyu também ajudam a realçar o sabor”, pontua Ana Lúcia Corrêa Lemos, pesquisadora do CTC.
Mas, apesar de tanto empenho e artifícios, nem toda marca tem essa preocupação ou consegue chegar lá. Então olho vivo! “Observe os rótulos e faça comparações”, aconselha Tânia. Muitas vezes, gordura, sal e açúcar transbordam nas receitas para turbinar a textura e o gosto. Andressa lembra que itens como nuggets e salsicha vegetal nem são para o dia a dia.
Você vai perceber que a linha de corte é a mesma preconizada pelos manuais de nutrição. Só que, agora, com mais opção nas gôndolas e pitadas bem-vindas de tecnologia e sustentabilidade.
Rótulo limpo
Entre as expressões em alta no mercado de alimentos, merece destaque o clean label — ao pé da letra, rótulo limpo. Remete aos alimentos elaborados com matéria-prima mais natural, livres de aditivos químicos e que ostentam informações claras na embalagem.
Estudos mostram que os consumidores plant-based priorizam esse tipo de produto e a indústria corre para inovar e diminuir o teor de conservantes, corantes e afins. Termos muito técnicos e a presença de um grande número de componentes nas formulações afugentam esse público. Como defende o jornalista americano Michael Pollan em Regras da Comida (Intrínseca – clique para comprar)*, as melhores escolhas trazem uma lista de ingredientes que nossas avós são capazes de reconhecer.
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O fenômeno plant-based Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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