sexta-feira, 30 de outubro de 2020

A astrofísica Beatriz Barbuy desvenda a composição química das estrelas

Nenhum artefato construído pelo ser humano jamais visitou uma estrela para coletar amostras. É difícil imaginar uma sonda capaz de sobreviver a ao calorzinho de, no mínimo, 5 mil ºC.

Mesmo assim, sabemos com precisão as porcentagens de hidrogênio, hélio, ferro e diversos outros elementos na composição da maioria dos pontinhos que vemos no céu. Também sabemos quantos anos essas estrelas têm e que papel elas tiveram na história da Via Láctea.

Isso é possível graças a uma técnica criada no século 19 chamada espectroscopia. Funciona assim: você aponta um telescópio para uma estrela e passar a luz dela por prisma. O prisma decompõe a luz nas cores do arco-íris, como na capa do álbum Dark Side of the Moon, do Pink Floyd.

Acontece que algumas faixas do arco-íris ficam faltando. Aparecem borrões pretos omitindo trechos do que deveria ser um espectro contínuo.

São esses borrões que nos dizem do que as estrelas são feitas. Os elementos químicos presentes nelas absorvem luz de cores específicas. Isso faz com que os astros tenham um “código de barras” único, que nos permite identificar a presença e a abundância de cada quadradinho da tabela periódica.

A astrofísica Beatriz Barbuy é, de longe, o nome brasileiro mais conhecido quando se trata da composição química de estrelas. Após a graduação em física e mestrado em astronomia pela USP, a paulistana foi para a Universidade de Paris pela falta de incentivo à pesquisa no Brasil. Ela terminou o doutorado em 1972 na França, se tornando uma das primeiras brasileiras a obter o título. Desde então já orientou dezenas de estudantes e publicou mais de 200 artigos em periódicos científicos.

Sua carreira foi tão prolífica que fica difícil mencionar um trabalho só. Barbuy identificou algumas das estrelas mais antigas da Via Láctea, inclusive a primeira estrela com urânio conhecida.

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A descoberta é importante porque o urânio é um elemento radioativo, e sua meia-vida (ou seja, o tempo que demora para metade de uma amostra decair e se tornar outro elemento químico) é de 4,5 bilhões de anos. 

Com esse dado em mãos, seu grupo de pesquisa pôde estimar a idade da estrela. Apenas outras duas estrelas de urânio foram identificadas desde então.

Barbuy cita um trabalho de 1988 como sendo um de seus principais. Após sete noites de observação no Chile, em um telescópio pertencente ao Observatório Europeu do Sul, ela publicou um artigo sobre o oxigênio em estrelas do halo (a região externa da galáxia). Foi o que a tornou conhecida internacionalmente.

Posteriormente, ela focou em estrelas e aglomerados do bojo (o centro da galáxia). A hipótese mais aceita hoje diz que a galáxia se originou a partir do bojo, porque as estrelas presentes ali são mais velhas –  com idades próximas à do Universo em si.

No Big Bang, se formaram apenas átomos leves, principalmente hidrogênio e hélio. Os elementos mais pesados só foram produzidos depois, no núcleo de estrelas de alta massa, e expelidos no meio interestelar quando essas estrelas morreram.

Esses restos mortais, agora impregnados com metais, são reciclados em novas estrelas. É por isso que, quanto mais jovem é uma estrela, mais elementos pesados ela costuma ter em sua composição.

Acontece que, no bojo, até as estrelas mais ricas em metais são idosas. Isso indica que houve uma produção abundante de estrelas na origem do Universo, com várias gerações se sucedendo rapidamente. Em 1995, Barbuy contribuiu para a descoberta da idade das estrelas do bojo, o que mudou concepções arraigadas sobre a história da galáxia.

Hoje, a astrofísica faz parte da Academia Brasileira de Ciências e também da Academia Francesa de Ciências, posição que considera sua maior honra. Apenas 150 estrangeiros fazem parte do seleto grupo de cientistas. Ela também é a única brasileira a escrever como autora principal para o Annual Review of Astronomy and Astrophysics, que é publicado uma vez por ano.

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