Em 2020, a campanha do Outubro Rosa da Femama (Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama) não fala só com a mulher. A ação, batizada de “3 Perguntas que Salvam”, convoca familiares, amigos e a sociedade inteira a se engajarem na luta contra o câncer de mama. “Vamos envolver todo mundo nessa história, deixar a conversa mais leve e promover uma ação efetiva para o diagnóstico precoce, que efetivamente salva vidas”, explica a mastologista Maira Caleffi, presidente da instituição.
A médica, que também coordena o Instituto da Mama do Rio Grande do Sul, é chefe do serviço de mastologia do Hospital Moinhos de Vento e lidera o Comitê Executivo do City Cancer Challenge Porto Alegre, deu uma entrevista exclusiva para Veja Saúde. Na conversa, ela aponta os caminhos que aumentam as chances de cura da doença e a importância de incluir todo o círculo social da mulher no debate sobre esse tumor.
Veja Saúde: Como surgiu a visão da campanha de que é preciso tirar todo o peso do câncer de mama em cima da mulher e envolver a sociedade na luta?
Dra. Maira Caleffi: Ao longo do tempo, entendemos que uma característica fortíssima da mulher, e que atrapalha muito o diagnóstico precoce da doença, é que ela está sempre pensando no bem-estar do outro. A mulher cuida da família, dos amigos, dos colegas de trabalho e se esquece de olhar para si.
Aí pensamos: há tantos anos nossas campanhas falam diretamente com a mulher, mas não seria hora de envolvermos também quem a ama? Um filho preocupado, uma neta que sabe que a avó tem mais risco, uma amiga, um colega de trabalho. A ideia é envolver gerações diferentes, homens, todo mundo que se importa com ela, a partir de conversas informais, mas que a façam agir.
Quando nós queremos saber do outro, simplesmente perguntamos como ele está. Por isso, a campanha “3 Perguntas que Salvam” incentiva as pessoas a fazerem três questionamentos às mulheres próximas: você tem observado suas mamas? Você já marcou seus exames anuais? Você conhece seus fatores de risco?
Um levantamento da Sociedade Brasileira de Mastologia em 2019 apontou que, embora as mulheres reconheçam a mamografia como melhor exame para identificar o câncer, apenas 46% a realizaram ao menos uma vez no ano. Quase 30% nunca haviam feito. Os motivos são medo de descobrir algum problema, dificuldade de acesso, falta de informação e demora para agendar.
Detectamos, então, a importância do incentivo, da ajuda do outro para provocar a ação, e criamos a hashtag #PERGUNTAPRAELA.
Normalmente, as campanhas focam bastante no autoexame das mamas. Já essa fala mais de observação do corpo em geral, de autoconhecimento, não é?
Sim, foi uma estratégia calculada, porque notamos que a mulher se sentia insegura com essa responsabilidade de se examinar, que ela entende como papel do médico. Assim, simplificamos a mensagem. Achamos mais prudente incentivá-la a observar melhor suas mamas, conhecê-las melhor para que perceba qualquer alteração.
Há um tabu da sociedade em relação a essa doença e ao autocuidado da mulher. A ação vem para naturalizar esse papo?
Completamente! Nós podemos e devemos conversar sobre isso. Só em 2020, 66 mil mulheres passarão por essa doença. Falar disso, se interessar pela saúde delas e naturalizar essa conversa é um sinal de amor.
Em consultas, vejo mães jovens querendo minimizar a doença para os filhos pequenos e eles simplesmente perguntando se estão falando de câncer. Essa geração já não tem mais aquele medo que víamos nas pessoas até de falar essa palavra. E esse é o melhor caminho. Precisamos discutir a doença, estar atentos para detectá-la quanto antes. É isso que salva vidas.
O diagnóstico precoce é o maior objetivo?
Com certeza esse é o ponto-chave. As chances de cura a partir de diagnóstico precoce chegam a 95%. Isso sem contar os diversos benefícios de descobrir a doença no início: um tratamento menos mutilador, com menor probabilidade de recomendação de quimioterapia e com custos muito mais baixos. O tratamento de um câncer detectado no início chega a ser sete vezes mais barato do que o de um em fase avançada.
Como você enxerga o seu papel nessa luta, estando à frente da Femama?
Eu represento a voz da paciente, militando nessa causa para que tenhamos mais diagnósticos precoces. Sou formada há quase 40 anos, mas tenho uma rebeldia e fico insistindo, brigando, porque sei que há uma solução possível para o câncer de mama. E muito me preocupa a gestão da saúde das mulheres.
No Brasil, o problema não recebe a atenção merecida. Vemos isso pela alta prevalência de mortes que poderiam ser evitadas caso a doença fosse reconhecida no início. Não chegamos a 60% de cura em geral.
Com a Femama, somos 70 ONGs sob o mesmo guarda-chuva brigando pela mesma causa. E estamos avançando. Em assembleia geral de novembro de 2019, escolhemos três temas para colocar em pauta: a Lei dos 30 dias, que estabelece esse prazo máximo para realização de exames que confirmem o diagnóstico; a luta pelos testes genéticos no SUS e em sistemas privados, que podem analisar os riscos de desenvolvimento da doença; e o tratamento adequado para mulheres com a doença avançada, porque sabemos das iniquidades desastrosas entre o que se oferece nos sistemas público e privado nesse cenário.
“A mulher cuida da família, dos amigos e esquece de olhar para si” Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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