Se tem uma coisa de que Mahatma Gandhi não gostava era a guerra. O ativista contribuiu para a independência da Índia em 1947 sem disparar uma arma. É difícil imaginar um universo paralelo em que o pacifista usaria armas nucleares para dizimar a população de um país e conquistar novos territórios. Mas esse universo existe, e chama Civilization.
Vamos do início. Sid Meier’s Civilization é um jogo para computador em que o objetivo é construir uma civilização e fazê-la prosperar. O candidato a Obama precisa lidar com outras civilizações em ascensão, que são comandadas pela inteligência artificial do jogo. Esses outros povos sempre possuem um líder, como Napoleão Bonaparte no caso da França, Otto Von Bismarck no caso da Alemanha e Mahatma Gandhi no caso da Índia.
Cada um deles possui interesses e personalidades diferentes, geralmente baseadas nas figuras históricas reais. Você pode fazer alianças com outros países, mas às vezes é preciso entrar em guerra. E, desde que o jogo foi lançado, diversos jogadores começaram a relatar que um dos países mais agressivos é a Índia de Gandhi.
Onde está a precisão histórica aí? O “Gandhi Nuclear” (por sua preferência em usar as armas mais destruidoras que a humanidade conhece) se tornou um dos bugs mais estranhos e famosos do mundo dos games.
O bug
A primeira versão do jogo, lançada em 1991, seria considerada rudimentar hoje, mas era um dos games de estratégia mais avançados da época. Cada líder já começava com um nível de agressão pré-estabelecido, que podia variar de 1 a 10 dependendo da personalidade da figura histórica. Gandhi, como é de se imaginar, sempre começava com 1 em agressão.
À medida em que o jogo avançava, os líderes escolhiam o modelo de governo que querem adotar (monarquia, oligarquia, teocracia etc.). A Índia sempre vai de democracia. Qualquer Estado que adote a democracia recebe um decréscimo de -2 no nível de agressão, pois esse é o modelo mais pacífico de governo.
Acontece que a Índia só tem 1 em agressão. Com o decréscimo, ela fica com -1, mas esse nível não existe no jogo. Ele foi programado para variar de 1 até 256, o nível de agressão mais alto possível. O computador, então, interpreta o nível da Índia como sendo 256 menos 1, e joga Gandhi para absurdos 255 de agressão.
Na progressão do jogo, a democracia é adotada na mesma época em que as tecnologia nuclear é desenvolvida. Aí já viu. O Gandhi se apaixona pelas armas nucleares e a Índia vai de país pacífico a potência bélica em poucas jogadas.
Os programadores parecem ter gostado da ironia e mantiveram o Gandhi agressivo nas versões seguintes do jogo como um easter egg, mesmo que o bug não exista mais. A versão mais recente (Sid Meier’s Civilization 6) foi lançada em 2016, e até hoje os novos jogadores se surpreendem com o comportamento do líder indiano.
É um meme instantâneo, o que fez a história se popularizar por mais de 20 anos. E embora seja fato que o Gandhi de Civilization é bem mais violento que o da vida real, novas informações fornecida pelo próprio criador do jogo mostram que (prepare-se para um plot twist) todo o bug não passa de uma lenda.
A verdade
O jogo recebe o nome de seu criador, Sid Meier. Em setembro de 2020, ele lançou uma autobiografia intitulada Sid Meier`s Memoir! – A Life in Computer Games. E foi aí que o bug mais divertido de todos foi por água abaixo.
No primeiro jogo, a Índia era tão propícia a usar armas nucleares quanto qualquer outro país. Acontece que esse comportamento era muito estranho vindo de um dos maiores pacifistas da história. “A ideia do jogo era que todo líder tem um limite. Também é verdade que o Gandhi costumava ameaçar o jogador, mas isso é porque a principal característica dele era evitar a guerra – e a ideia de destruição mútua é uma maneira eficaz de fazer isso”, Meier escreve.
O criador também diz o jogo era muito simples naquela época, e que todos os líderes tinham o mesmo script que você leu lá em cima. Mas, quando Gandhi diz que está “amparado por armas nucleares”, o jogador com certeza presta mais atenção.
E de onde veio a história do bug? Provavelmente, dos próprios jogadores. Mas a narrativa se disseminou tanto ao longo dos anos que era tomada como verdade até a data de publicação do livro. Além disso, os programadores de fato colocaram o easter egg nas versões seguintes do jogo – só para reforçar a lenda popular.
Nas versões mais recentes, Gandhi costuma ser pacífico e não declara guerra contra o jogador a menos que seja provocado. No entanto, se isso acontecer, ele tem uma preferência por usar armas nucleares. Em Civilization 6, alguns líderes possuem “segundas intenções”. E as segundas intenções do líder indiano são justamente o fascínio por armas nucleares.
“Dada a tecnologia limitada da época, o jogo original se passava majoritariamente na imaginação dos jogadores”, escreveu Meier em um email ao PeopleMakeGames. No final das contas, a lenda só mostra como os jogadores possuem um papel crucial na criação da mitologia do game. O Gandhi Nuclear de fato existe – só não da forma como os fãs imaginaram.
O bug em “Civilization” que torna Gandhi usuário de armas nucleares Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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