sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Acondroplasia: problema que vai muito além da baixa estatura

Em 2007, Juliana Yamin estranhou ao receber o diagnóstico de nanismo de seu primeiro filho, Gabriel, ainda no útero. “Eu não entendi como era possível, nem eu nem meu marido tínhamos casos na família”, relembra. Hoje ela tem 45 anos, mora em Goiânia com a família – incluindo dois filhos de estatura mediana – e decidiu se dedicar a tirar o nanismo das sombras. 

“Até os nove anos de idade, meu filho nunca tinha visto outra pessoa com nanismo na vida. Essas pessoas se escondem, para evitar o preconceito”, conta. Pensando nisso, Juliana fundou um movimento de apoio, o Somos Todos Gigantes e participou da audiência pública no Congresso Nacional que, em 2015, culminou na criação do Dia Nacional de Combate ao Preconceito às Pessoas com Nanismo, celebrado dia 25 de outubro. “Muitos portadores não queriam que existisse um dia para eles, para evitar chamar a atenção, atrair piadas. Por isso, no lugar do Dia Nacional do Nanismo, optamos por propor um dia para chamar a atenção contra o preconceito”, afirma.

Mais recentemente, em agosto deste ano, a mãe do Gabriel tornou-se presidente do Instituto Nacional do Nanismo e seu filho é um dos porta-vozes. Em um vídeo sobre sua rotina, ele pergunta: “Você já conheceu um anão, já conversou com um, já perguntou sobre sua história? Quando você vir um anão, saiba que ali, naquela versão pocket, habita um ser humano com uma história de superação”.

Família Yamin: Gabriel conta com apoio em tempo integral para lutar contra o preconceitoAcervo pessoal/Divulgação

Além da baixa estatura

Gabriel tem acondroplasia, a forma mais comum de nanismo. Em 80% dos casos a acondroplasia é causada por uma mutação no gene FGFR3, ligado ao crescimento.1 Quando está presente no organismo, a alteração genética provoca o resultado mais visível, que é a baixa estatura desproporcional, resultado das alterações no desenvolvimento da cartilagem das placas de crescimento – em média, os homens atingem 1,31m de altura, enquanto as mulheres ficam em 1,24m.2,3,4.

“O gene FGFR3 é um dos responsáveis por reduzir a velocidade do crescimento, geralmente no final da adolescência. No caso dos indivíduos que têm a mutação deste gene, é como se eles crescessem com o freio de mão puxado”, compara o médico geneticista Wagner Baratela, de 41 anos, ele mesmo com nanismo.

Além da baixa estatura desproporcional, a doença provoca encurtamento de braços e pernas, além da cabeça e testa proeminentes, ainda que o tórax, em geral, seja mais próximo do tamanho médio das pessoas que não sofreram a mutação do gene FGFR32,3,4

A baixa estatura e a desproporção entre membros provocam uma série de problemas na rotina, que têm grande impacto sobre a qualidade de vida dessas pessoas – eles incluem desde problemas em abrir portas com maçanetas redondas e dirigir veículos automotores até grandes dificuldades com a higiene pessoal após ir ao banheiro. 

“Pense no trabalho que uma pessoa com nanismo tem para sair de casa e comprar um pão”, explica o geneticista. “Será que ela vai alcançar o balcão? Se morar num andar mais alto, não vai conseguir apertar o botão do elevador quando quiser retornar para casa. Para sacar dinheiro, não vai alcançar o caixa eletrônico”.

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A doença causa, ainda, dificuldades em uma série de sistemas, incluindo músculos, ossos, a parte cardiorrespiratória, além de questões de otorrinolaringologia. Problemas neurológicos também são comuns, ainda que a capacidade cognitiva não seja afetada.2,3,4

Complicações desde a infância

Aproximadamente 250 mil pessoas ao redor do mundo têm acondroplasia4. Entre eles, 80% têm pais de estatura mediana – isso porque é comum que a mutação tenha origem na carga genética transmitida pelo pai, especialmente quando ele tem mais de 35 anos.1 

“A mutação do gene FGFR3 é dominante, o que significa que basta um dos pais apresentar a mutação, seja no óvulo ou no espermatozóide que formou o gameta, para a acondroplasia se manifestar”, explica Baratela. Ou seja: o caso de Gabriel, que tem nanismo e é filho de pais de estatura mediana, é bastante comum. Aliás, também é possível que um casal em que ambos tenham nanismo, venha a ter filhos de altura mediana, ainda que eles tenham maior chance de gerar bebês com uma variação ainda mais severa do nanismo.

Quem passou a vida considerando os anões motivo de piada pode não saber, mas desde a infância, pessoas com acondroplasia sofrem complicações médicas que incluem hidrocefalia e aumento do risco de morte súbita, atraso nos marcos de desenvolvimento, além de perda auditiva, que é comum e pode prejudicar o desenvolvimento da fala. A obstrução da via aérea superior também acontece e pode causar distúrbios respiratórios durante o sono5.

Os bebês podem precisar de cirurgia para infecções de ouvido ou otite média, e outros problemas de audição. Terapias para fala e para apneia obstrutiva do sono se mostraram úteis. Também pode ser necessário realizar uma cirurgia para realinhamento da curvatura das pernas, ou laminectomia lombar para tratar a estenose espinhal.4

Dificuldades no atendimento médico

Um dos agravantes para os pacientes da doença, é a falta de médicos especializados. “Muitos pais não encontram informações confiáveis nem especialistas capazes de lidar com a dificuldade”, diz Juliana. “Parte da nossa luta consiste precisamente em mobilizar a comunidade médica”.

Segundo Baratela, quando a pessoa com nanismo chega à vida adulta, as dificuldades do acesso à medicina aumentam ainda mais. “Uma mulher dificilmente vai procurar um ginecologista, por constrangimento diante da dificuldade em sentar na maca de análise”, exemplifica. 

As pessoas com acondroplasia também têm uma grande propensão a sofrer com obesidade e, ao longo da vida, tendem a ter dores crônicas, além da redução na qualidade de vida. A taxa de mortalidade de uma pessoa com nanismo é duas vezes maior e a expectativa de vida média é diminuída em dez anos5 em relação à população geral. 

Não existe, até o momento, tratamento para a doença, a não ser ações pontuais focadas nos sintomas. Além de ter que lidar com sintomas e prognósticos, ainda é preciso enfrentar uma sociedade nada preparada e pouco propensa a aceitar diferenças. “Apenas em 2004 o nanismo passou a ser considerado uma deficiência física”, diz Juliana. “Essa condição sofre um preconceito de muitos séculos e temos ainda um longo caminho a percorrer”.

Referências
1| Lancet, The: Achondroplasia. Horton; Hall; Hecht. 2007
2| WebMD: http://www.webmd.com/children/dwarfism-causes-treatments#1
3| Pauli RM. Achondroplasia. 1998 Oct 12 [Updated 2012 Feb 16]. GeneReviews® [https://ift.tt/2IZfULj]. Seattle (WA)
4| Orphanet: https://www.orpha.net/consor/cgi-bin/OC_Exp.php?Lng=PT&Expert=15
5| American Journal of Human Genetics, The: Mortality in achondroplasia Hecht, J T;Francomano, C A;Horton, W A;Annegers, J F. 1987

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