Pinta cerca. Encera carro. 36 anos após o lançamento de Karatê Kid, em 1984, o universo de Daniel LaRusso, Sr. Miyagi e cia. voltou à moda. E não, não graças ao remake de 2010, com Jaden Smith.
A popularidade se deve à Cobra Kai, série que se passa três décadas após os acontecimentos do filme – e destaca o personagem Johnny Lawrence (William Zabka) que, aqui, não é o vilão da história. Todo mundo está de volta: Ralph Macchio (Daniel), o elenco secundário… A exceção é Pat Morita (Miyagi), que morreu em 2005, mas recebe as devidas homenagens.
Verdade seja dita, a série não é totalmente nova. Ela estreou em 2018 no YouTube Red – aposta da plataforma de vídeos do Google para investir em conteúdo original. Houve boa resposta do público e da crítica, mas mudanças de estratégia do serviço fizeram com que Cobra Kai não fosse além da segunda temporada.
Foi só com a Netflix que a popularidade explodiu. A série entrou no catálogo da empresa em agosto e caiu nas graças do público: foi a série mais assistida de setembro do serviço nos EUA, superando, inclusive, produções originais. Com o sucesso, mais duas temporadas estão a caminho.
Cobra Kai foi criada por Jon Hurwitz, Hayden Schlossberg, e Josh Heald, que contaram com o apoio de Will Smith na produção executiva. Mas eles não foram os primeiros a flertar com a ideia de mostrar Johnny como o herói da história.
Em 2006, a banda No More Kings, formada em Los Angeles, escreveu a música “Sweep the Leg”, com diversas referências a Karatê Kid (o próprio título da canção vem da instrução de John Kreese, mestre do Cobra Kai Dojô, para que Johnny acertasse a perna de Daniel na final do torneio).
Para o videoclipe, eles convidaram Zabka, que, além de estrelar, acabou dirigindo o vídeo. O ator chamou o elenco original para reprisar seus papéis, e montou uma história que tenta mostrar que Johnny não era o vilão.
O clipe saiu em 2007. Cinco anos depois, em 2012, a série How I Met Your Mother também trouxe o assunto à tona. Um dos personagens, Barney (Neil Patrick Harris), acredita fortemente que Daniel era o verdadeiro vilão. O meme deu tão certo que, em um dos episódios da oitava temporada, Macchio e Zabka fazem uma participação especial. Zabka acabou ficando até o final da história como padrinho de casamento de Barney.
Em 2018, a revista Sports Illustrated publicou uma extensa reportagem sobre os bastidores da criação de Karatê Kid, da escolha do elenco às histórias reais que inspiraram o clássico dos anos 1980. Aproveitando o sucesso de Cobra Kai, selecionamos algumas delas:
Arte imita a vida
Em Karatê Kid, um garoto de Nova Jersey se muda com a mãe para o subúrbio de Los Angeles. Lá, vira saco de pancadas de um grupo de adolescentes praticantes de karatê. Depois de algumas surras, começa a treinar com um simpático velhinho, que lhe ensina não apenas a dar socos e chutes, mas valiosas lições de vida.
A saga de Daniel LaRusso foi escrita pelo roteirista Robert Mark Kamen, que se baseou em sua própria vida para escrever a história. Sim, Karatê Kid é quase uma autobiografia.
Nascido em Nova York, Kamen apanhou de um grupo de valentões durante a Feira Mundial de 1964, realizada na cidade. Depois da surra, procurou um professor para aprender a se defender. Seu primeiro mestre foi um antigo capitão da Marinha. Assim como John Kreese e seus alunos do Cobra Kai, ele ensinou Kamen a bater – mas só.
Foi buscando aperfeiçoar suas técnicas que Kamen conheceu o Goju-ryu, estilo de karatê desenvolvido no século 20 na ilha de Okinawa, no Japão. A técnica, que mistura movimentos firmes e suaves, tem como mote o contra-ataque, ou seja: fazer com que a agressão se volte para o agressor. Kamen, então, iniciou um árduo treinamento de quatro horas diárias. Seu professor tinha dificuldade em falar inglês, e havia sido discípulo do criador do Goju-ryu: o sensei Chojun Miyagi. Ahá!
Corta para os anos 1980. Kamem, já como roteirista, foi informado por Frank Price, que comandava a Columbia Pictures, que o produtor Jerry Weintraub estava interessado em fazer um filme com uma história similar à dele.
Jerry havia visto a notícia de um garoto de nove anos que era perturbado por valentões do seu quarteirão. Filho de pais divorciados, ele pediu à mãe para se matricular em uma escola de karatê, onde arranjou um mentor à la Sr. Miyagi.
Daí, bastou juntar A com B para que o roteiro do filme nascesse. Hoje em dia, Kamen mora em uma vinícola em Sonoma, na Califórnia, onde continua a praticar karatê.
A escolha do elenco
No início, havia o receio de que apenas crianças se interessariam pelo filme – muita gente, inclusive, duvidava que o título fosse bom. Até mesmo a escolha do diretor John G. Avildsen, de Rocky: Um Lutador, gerava divergências: uns achavam que ele traria peso à produção, enquanto outros diziam que o cineasta só reforçaria a ideia de que Karatê Kid seria uma versão infantil da história do boxeador.
O orçamento foi modesto: US$ 21 milhões em valores atuais – ninguém parecia botar fé no projeto. Avildsen, contudo, fazia questão de reforçar a equipe que o filme se tornaria um clássico. E ele estava certo.
Com o roteiro pronto, era hora de definir o elenco. Para o papel principal, diversos atores foram considerados, como Robert Downey Jr., Nicholas Cage, Charlie Sheen – até Eric Stoltz, que ficaria conhecido, dois anos depois, como aquele que quase interpretou Marty McFly em De Volta Para o Futuro (Michael J. Fox o substituiu após algumas semanas de gravação).
No final, Bonnie Timmermann, diretora de elenco, indicou Ralph Macchio após vê-lo em Vidas Sem Rumo, de Francis Ford Coppola. Avildsen e Kamen gostaram. Apesar da idade (Ralph já tinha 22 anos na época), a equipe achou que ele, magro e sem muita coordenação para lutar, se encaixaria perfeitamente.
“Nós queríamos alguém que causasse a impressão de um covarde, e conseguimos”, brincou Kamen à Sports Illustrated. A escolha de Macchio acabou modificando algumas coisas em seu personagem, que, inicialmente, chamava-se Daniel Webber. O ator sugeriu que o sobrenome mudasse para “LaRusso”, para combinar com suas origens italianas.
Para o papel de Johnny, a equipe considerou Crispin Glover, o George McFly de De Volta Para o Futuro. A ideia era que o personagem e todo o resto dos alunos do Cobra Kai fossem vividos por desconhecidos. No fim, Zabka, que mostrou ser muito atlético nas audições, ganhou a vaga – Ralph também disse aos produtores que William foi quem mais havia botado medo nele.
A escalação de Pat Morita para o Sr. Miyagi foi, talvez, a que mais gerou discussão. Nascido na Califórnia, Pat não sabia lutar karatê e, até então, era conhecido como um comediante de stand-up e por sua participação na sitcom Dias Felizes. Parte da equipe não o enxergava como alguém capaz de interpretar um sensei.
Poucos, no entanto, sabiam que o ator tivera uma infância difícil. Dos dois aos onze anos, viveu em um hospital por causa de uma severa tuberculose espinhal. Depois, foi enviado com sua família para um dos campos de concentração montados pelos EUA durante a 2ª Guerra Mundial destinados a imigrantes e descendentes de japoneses.
Pat, então, usou parte de suas experiências para criar o personagem doce, porém triste, que vemos no filme. Na cena em que aparece bêbado, inclusive, a música cantada por ele é “Back Street Life”, de Takeo Abe, que o ator costumava ouvir quando era criança.
Além disso, o nome da esposa falecida de Miyagi, Yuki, é o mesmo da mulher com quem Pat era casado na época. Tudo para adicionar uma camada de realidade à sua interpretação. Deu certo: pelo papel, Morita foi indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. E pensar que os produtores quase cortaram essa cena, por achar que quebraria o ritmo do filme.
Histórias de bastidores
As filmagens começaram em 31 de outubro de 1983, e as primeiras cenas foram as da festa na praia, gravadas numa praia em Malibu. Não foi fácil: além do frio (nos EUA, é outono nessa época do ano), Jerry Weintraub precisou pedir diretamente ao governador da Califórnia para gravar no local, que não costumava ser usado como locação.
As cenas de luta também renderam boas histórias – além dos dublês, os atores também foram submetidos a treinamentos, mas era praticamente inevitável evitar golpes acidentais. Na festa de Halloween, quando Daniel é perseguido por Johnny e sua turma (com as memoráveis fantasias de esqueleto), Zabka acabou chutando a cara de Ralph.
Já Rob Garrison, que interpretou Tommy, um dos amigos de Johnny, teve o nariz quebrado por Fumio Demura, o dublê de Pat. O cara era um verdadeiro mestre do karatê – mas até ele não pode prever certos erros: ao gravar a cena em que o Sr. Miyagi pula a cerca, suas calças rasgaram.
Outro caso interessante é o da cena em que o Sr. Miyagi apanha uma mosca em pleno ar usando hashis. Computação gráfica? Habilidade suprema? Nada disso. A primeira tentativa da equipe de produção foi colocar os bichinhos na geladeira, para que desacelerássem – não rolou. Depois, eles tentaram, sem sucesso, amarrar uma mosca morta em um pequeno pedaço de arame preso a um cano.
A cena só funcionou quando eles amarraram um fio preto em um mastro. Daí, pegaram um fiapo do suéter preto de um dos supervisores de roteiro, Alvin Greenman, a colocaram na ponta da cordinha para simular o inseto. O resto é história.
Outra licença poética de Karatê Kid é o chute da garça – o golpe que Daniel usa para vencer o campeonato, que não tem nada de estilo Goju-ryu. É pura invenção de Kamen, que achou que seria muito cinematográfico ver alguém com as mãos para o alto (e, portanto, em posição não-defensiva) e apoiado em um pé só (sem equilíbrio).
Bem, errado ele não estava. Mas, se você entrar numa briga, talvez não seja a melhor opção.
Karatê Kid é quase uma biografia: conheça as histórias reais por trás do filme Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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