sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Fragmentos ilhados de Mata Atlântica perdem até 42% de sua biodiversidade

Algumas áreas do planeta são descritas pelos biólogos como “hotspots ecológicos”. Elas recebem este nome por serem regiões com uma ampla diversidade de espécies – sendo algumas delas endêmicas, ou seja, que só existem lá –, mas que estão com seus dias contados devido a degradação do ecossistema. O Brasil conta com dois hotspots, o Cerrado e a Mata Atlântica. 

A Mata Atlântica é uma das florestas tropicais mais ameaçadas do mundo. Quase metade da fauna e da flora deste bioma não existe em nenhum outro lugar do planeta, e sua vegetação é essencial para regular o clima.

Um estudo publicado no periódico especializado Nature Communications mostra os impactos da atividade humana sobre áreas ainda não desmatadas da Mata Atlântica, os chamados remanescentes florestais. De acordo com os pesquisadores, algo entre 23% e 42% da biodiversidade e dos estoques de carbono destas áreas do bioma já foram perdidas – ainda que elas estejam supostamente preservadas. 

“Estoque de carbono” é, grosso modo, um jeito chique de dizer “planta”. As plantas removem gás carbônico (CO2) da atmosfera quando realizam a fotossíntese – um processo abastecido pela luz solar que converte o CO2 em carboidrato. Esse carboidrato fica armazenado nas folhas, caules e raízes: as células de todas as plantas são revestidas por paredes de celulose, que são longas cadeias de açúcares.

Quando uma planta pega fogo, ocorre a reação química oposta: a celulose volta a ser gás carbônico e é liberada na atmosfera. Assim, o melhor jeito de evitar o efeito estufa é colaborar para manter o carbono retido na biomassa dos vegetais – bem longe da atmosfera. O problema não são só as queimadas, claro: árvores cortadas morrem, param de absorver CO2 e deixam de contribuir para sempre com a remoção do gás da atmosfera. 

Acontece que desmatamento e queimadas não são as únicas maneiras de acabar com estoques de carbono. Existe um problema bem mais sutil batizado de fragmentação florestal – que ocorre quando algumas áreas de mata nativa pequenas demais para serem autossustentáveis ficam ilhadas por causa da construção de estradas ou criação de gado, o que causa um grande baque na biodiversidade. 

Quando esses fragmentos de mata nativa cercados entram em colapso, eles perdem grande parte da capacidade de regular a presença de COno ar, mesmo que nenhuma árvore tenha sido propriamente cortada ou queimada. Em nota, Paulo Inácio Prado, co-autor do estudo e pesquisador da USP, explicou que “as perdas dos estoques de carbono equivalem ao desmatamento de até 70 mil quilômetros quadrados de florestas (o que representa quase 10 milhões de campos de futebol)”. 

Ou seja: mesmo nos trechos de mata em que ninguém passou o serrote, a degradação do ecossistema equivale a milhares de árvores cortadas no saldo final. Compare, nas imagens abaixo, a aparência de um trecho saudável de floresta com a de um trecho isolado. A densidade e variedade dos trechos realmente presevados é bem maior.

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À esquerda, exemplos de fragmentos florestais bem conversados. À direita, fragmentos fortemente degradados.R.A.F. Lima / A.L. de Gasper/Divulgação

 

Para chegar aos resultados, foram analisados 1.819 pesquisas de diferentes fontes, abrangendo amostras de biomassa de mais de um milhão de árvores, além de informações sobre cerca de três mil espécies. Assim foi possível comparar o cenário atual com o cenário passado, anterior à década de 1950, quando a degradação da Mata Atlântica ainda não era tão intensa.

Existem três tipos de ações que podem ser aplicadas para conservar a biodiversidade e o estoques de carbono na Mata Atlântica. A mais óbvia é o combate ao desmatamento ilegal, seguida pelo reflorestamento de áreas que foram totalmente destruídas e a uma espécie de “reforma” nos remanescentes florestais que ainda existem, mas estão degrados. 

“As duas primeiras ações são importantíssimas e têm sido muito debatidas globalmente, mas a terceira é aquela que buscamos resgatar neste estudo e que muitas vezes é esquecida como ação de conservação”, explicou Renato de Lima, autor do estudo e pesquisador da USP. Ou seja: todos se preocupam com as áreas de florestas que foram aniquilidas, mas é igualmente importante se dedicar às que foram “só” parcialmente afetadas. 

Entre as técnicas de recuperação desses fragmentos florestais, há a implementação de cercas vivas, que são “muros” feitos de plantas para impedir a entrada de luz e vento – e a saída de animais silvestres. O ambiente da floresta, debaixo da copa das árvores, é naturalmente úmido e escurinho. A entrada de vento e Sol pelos cantos gera pequenas mudança na temperatura, na úmidade e em outros parâmetros essenciais para o ecossistema. Quanto mais protegido o fragmento de floresta ficar, melhor. 

Pode-se ainda construir aceiros, que são faixas sem vegetação em torno do fragmento que impedem que o fogo se alastre até alcançá-lo, e também implantar cercas que evitem a passagem do gado e o consequente pisoteio na floresta. O plantio de espécies nativas também é bem vindo, assim como outras iniciativas que deixem o espaço no “estado mais próximo possível do original”, completa o pesquisador.

A preservação da Mata Atlântica pode trazer ainda vantagens econômicas ao Brasil. Existe uma unidade de medida chamada créditos de carbono. Um crédito de carbono representa uma tonelada de CO2 que deixou de ser liberado no ambiente.

Todos os países têm uma meta de créditos para cumprir, como forma de impedir o aumento do efeito estufa. Por outro lado, alguns gastam mais do que podem, então acabam comprando créditos daqueles colegas que não usaram a cota completa. Os pesquisadores acreditam que o combate à degradação florestal poderia atrair bilhões de dólares de investimentos externos relacionados a créditos de carbono. Assim o país ajuda a preservar o planeta e de quebra ainda ganha uns bons trocados. 

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