Nos anos 1980, o roteirista Robert Mark Kamen tirou da própria vida a inspiração para criar Karatê Kid. Quando criança, apanhou de um bando de valentões. Ao crescer, treinou excessivamente o Goju-ryu, um estilo de karatê da ilha de Okinawa, no Japão, desenvolvido no século 20 por um lutador chamado, veja só, Chojun Miyagi.
Os produtores Jon Hurwitz, Josh Heald e Hayden Schlossberg não têm o mesmo background – nenhum deles é faixa preta ou coisa do tipo. Mas o trio cresceu apaixonado pelos filmes criados por Kamen. “Todos nós somos de Nova Jersey, assim como o Daniel Larusso, e tínhamos esse sonho romântico de ir morar na Califórnia”, disse Josh à SUPER.
Do amor por Karatê Kid, aliado à paixão por Tartarugas Ninjas e alguns conselhos de Kamen (que se tornou uma espécie de Sr. Miyagi dos três), nasceu Cobra Kai, série que passa mais de 30 anos depois do primeiro filme e mostra a vida adulta de Daniel (Ralph Macchio) e Johnny Lawrence (William Zabka).
Cobra Kai estreou em 2018 no YouTube Red, sem muito alarde. A plataforma era a aposta do serviço de vídeos do Google para o mercado de streaming, mas o sucesso não decolou. A série, contudo, manteve uma boa fase de fãs mesmo abaixo do radar, e foi renovada para uma segunda temporada, que saiu em 2019.
Os problemas começaram no início de 2020. “As gravações da terceira temporada haviam terminado alguns meses antes, mas o YouTube nos avisou que iria descontinuar todas as suas produções originais”, explicou Hayden. Cobra Kai, então, ficou sem casa. “Tudo isso aconteceu junto ao começo da pandemia, então ficamos por algum tempo sem saber o que aconteceria”.
No meio do ano, a Sony (produtora da série) e a Netflix fizeram um acordo, e Cobra Kai entrou para o catálogo da plataforma. Foi um sucesso, e ela permaneceu por semanas entre os conteúdos mais vistos de lá. “Lá atrás, quando esse projeto começou, sempre pensamos que a Netflix seria o lugar ideal para Cobra Kai”, lembra Hayden.
No último dia 24, aliás, a empresa de streaming anunciou um “presente de Natal”: a terceira temporada da série estreia na próxima sexta-feira, 1º de janeiro. Nós já a assistimos – saiba o que esperar.
Vale dizer: a partir daqui, haverá spoilers das duas primeiras temporadas de Cobra Kai. Esteja avisado!
Feridas abertas
A segunda temporada de Cobra Kai terminou em frangalhos. A briga no colégio mandou Miguel (Xolo Maridueña) para o hospital, fez com que Robby (Tanner Buchanan) fugisse e abalou o psicológico dos senseis Daniel e Johnny. Johnny, aliás, perdera o dojô para Kreese (Martin Kove) – e acabou o último episódio quase tão mal quanto estava quando a série começou.
Como era de se esperar, o terceiro ano começa com as consequências diretas da confusão – na escola, os alunos precisam passar por uma revista na entrada. Há detectores de metal, mochilas vasculhadas e inspetores na cola dos estudantes.
De imediato, logo pensamos no problema da violência escolar, algo que há anos assola os EUA. “Não deixa de ser uma representação da forma como o bullying vem sendo combatido nas escolas, disse a atriz Mary Mouser, que interpreta Sam Larusso, filha de Daniel. Ela ressalta que, por lá, itens como os detectores de metal são regra, não exceção.
Não é uma discussão rasa, diga-se. “Em Cobra Kai, nossa preocupação foi mostrar o quão complexo pode ser a personalidade de um vilão, e por que ele age dessa forma”, complementa Mary. É uma referência a Eli (Jacob Bertrand), que começou a série como um garoto tímido e, pouco a pouco, assumiu a figura intimidadora de Hawk. Agora, ele agora lidera os alunos do Cobra Kai, mas está em conflito com as decisões que tomou. “Eu só sei de uma coisa: por favor, não façam que nem a gente”, brinca Jacob. “Karatê é apenas para autodefesa.”
Cicatrizes
“Recuperação” pode ser uma boa palavra para definir o tom destes novos episódios. Depois de todo o estrago da última temporada, Daniel e Johnny, cada um à sua maneira, procuram formas de curar as cicatrizes.
Johnny, agora sem o dojô Cobra Kai, tenta acertar as contas com o filho Robby e a família de Miguel, que o culpa pela situação do garoto. Já Daniel vai até Okinawa, para onde Miyagi o levou em Karatê Kid II. “Foi especialmente bacana gravar por lá durante alguns dias, uma vez que, no segundo filme, as filmagens aconteceram no Havaí, não no Japão”, explica Hayden.
No fim das contas, os dois são homens fora do seu tempo. A playlist de músicas de Johnny parou nos anos 1980, e sua falta de habilidade com smartphones e redes sociais rende ótimas piadas. Daniel, por mais que tenha levado uma vida bem-sucedida, sofre pela ausência do mentor e, em alguns momentos, fica tão perdido quanto o rival. “Seria incrível se Pat Morita ainda estivesse vivo para participar de Cobra Kai, mas é interessante ver também como Daniel lida com a sua falta”, diz Josh.
A terceira temporada continua a dosar corretamente a nostalgia – sem entrar em detalhes, os fãs mais antigos terão a chance de observar elementos ainda não utilizados da trilogia original. E serão eles que, ao longo dos episódios, vão mostrar a Johnny e Daniel o que todo mundo já sabe: eles são muito mais parecidos do que imaginam.
Encontrando o equilíbrio
A premissa inicial de Cobra Kai, por si só, é ótima: mostrar, afinal, o que diabos aconteceu com Daniel e Johnny mais de três décadas depois daquela fatídica final do torneio.
Esse, contudo, nunca foi o único objetivo dos criadores da série. “Quando éramos crianças, nos apaixonamos não só pelos personagens mais jovens, como o Daniel e o Johnny, mas também pelo sr. Miyagi – com os nossos pais, foi a mesma coisa”, lembra Jon. “Nós acreditamos que o ideal é contar a história dos personagens de um jeito honesto, para que pessoas de todas as idades se identifiquem com eles.”
A semente para isso foi plantada logo no começo, com a escolha do elenco jovem. Três anos depois, os personagens, mais maduros, já possuem história e profundidade suficientes para criar momentos tão bons quanto os protagonizados pelos mais velhos.
Prova disso é a relação entre Johnny e Miguel, impossível de não se afeiçoar. A trajetória para que o garoto volte a andar, por exemplo, rende algumas das melhores cenas da temporada. Outra que possui um bom arco é Sam, que saiu traumatizada após a briga com Tori (Peyton Roi List). Logo no primeiro episódio, em uma conversa com o pai, ela resume a luta extra que garotas precisam enfrentar: “É diferente quando se é uma menina. Mesmo que você vença uma briga, ninguém vai te achar legal ou durona. Vão pensar que você é maluca.”
Próximos passos
Se há um deslize nessa temporada, está em acelerar as coisas no último episódio. Em uma tentativa, talvez, de repetir a grandiosidade do final da temporada anterior, a série comete alguns excessos que destoam do que vinha sendo construído até aqui.
Isso, claro, não tira o mérito dos novos episódios, que, no geral, mantêm o bom nível dos anteriores. É como diria o sr. Miyagi: “se a raiz é forte, a árvore sobrevive.” Cobra Kai conta uma ótima história – e não há por que apressá-la.
Por sorte, esse não parece ser o objetivo dos seus criadores. A quarta temporada já foi confirmada – será a primeira feita exclusivamente para a Netflix – e não há indícios que o programa parará por aí.
Aliás, se depender deles, outros filmes dos anos 1980 também ganhariam uma continuação, como Os Goonies e Garra de Campeões, sobre beisebol. “Nós temos um enorme respeito pelos criadores dessas histórias, e só faríamos algo com o aval deles”, disse Jon. “E é claro: De Volta Para o Futuro é o maior dos sonhos, mas sabemos que, no momento, quem o fez não está interessado nisso. Quem sabe algum dia.”
Cobra Kai: 3ª temporada traz bom equilíbrio entre passado e presente Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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