quarta-feira, 30 de junho de 2021

A qualidade do sono afeta a eficácia da vacina contra o coronavírus?

O pleno funcionamento do sistema imunológico depende de vários fatores, sendo o sono um dos mais importantes. É durante esse período de descanso que as defesas do nosso organismo são aperfeiçoadas. Mas será que pregar os olhos também influencia na eficácia das vacinas – incluindo a que protege contra o coronavírus?

De acordo com a biomédica Daniela Santoro Rosa, pesquisadora do Instituto do Sono, em São Paulo, nos últimos anos diversos estudos têm mostrado que existe uma interação importante entre o repouso e o sistema imune.

Daniela explica que, durante a noite, os glóbulos brancos, que são células do sistema de defesa, migram e param nos nódulos linfáticos. Além disso, enquanto dormimos profundamente ocorre a produção de hormônios, como o do crescimento e a prolactina. “Tudo isso favorece a reposta imune”, resume a biomédica.

Uma das investigações mais recentes sobre o assunto é assinada por várias universidades americanas. Nela, 83 pessoas foram avaliadas por 13 dias antes de receber a vacina contra a gripe. Aqueles que dormiram mal nos dois dias anteriores à picada geraram menos anticorpos, mesmo após quatro meses.

Uma outra pesquisa, conduzida pelas universidades do Norte do Texas e de Iowa, nos Estados Unidos, comparou os níveis de anticorpos entre 65 universitários diagnosticados com insônia e 133 sem o problema, antes e após a imunização também contra o vírus da gripe. Apesar de os dois grupos terem gerado as moléculas protetoras, esse fenômeno foi menos intenso naquele que enfrentava dificuldade para dormir .

Já um estudo realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade de Swansea, na Inglaterra, demonstrou algo similar em relação à vacina meningocócica C. Os cientistas compararam o impacto do descanso na imunização de 34 pessoas saudáveis, sendo que uma parte do grupo trabalhava no turno diurno e a outra, no noturno.

Após a aplicação da vacina, os experts constataram que a produção de anticorpos foi menor na turma que passava a noite na labuta. Esse pessoal ainda liberava menos linfócitos T, outro tipo de molécula que faz parte do sistema imunológico.

“Essas descobertas sugerem que dormir bem nas noites anteriores e posteriores à imunização é essencial para garantir a eficácia total das vacinas”, conclui Daniela.

No entanto, algumas ponderações sobre os resultados são necessárias. Primeiramente, as pesquisas são observacionais. Isto é, apenas verificaram a ocorrência de dois eventos. Mas ainda não dá para cravar que um é a causa do outro – outros fatores podem interferir nessa associação.

“Até hoje, nenhum trabalho mostrou a perda total da imunidade devido à falta de sono. O que se nota é uma produção menor de elementos de defesa do organismo. Agora, o quanto isso repercute no funcionamento da vacina ainda precisa ser melhor investigado”, acrescenta a biomédica.

Por isso, mesmo que você conviva com algum distúrbio de sono, não deve ficar reticente quanto à injeção. “E quem faz tratamento deve tomar suas medicações normalmente”, acrescenta a pesquisadora.

O sono e o imunizante contra a Covid-19

“Nesse momento, a gente não tem evidência direta de que dormir bem aumenta a resposta imunológica das vacinas contra a Covid-19”, informa a especialista.

Trabalhos focados no coronavírus devem ser publicados nos próximos anos. Há um sendo conduzido pelo Instituto do Sono, inclusive. Daniela conta que irão participar idosos acima de 60 anos que já realizaram polissonografia na instituição e que receberam as duas doses dos imunizantes contra o Sars-CoV-2.

“Teremos três grupos: indivíduos sem apneia, com apneia e pacientes que usam um aparelho chamado CPAP [ele é indicado no tratamento da doença, caracterizada por roncos e interrupções na respiração durante o repouso]”, relata a expert.

A seleção dos voluntários já começou e a análise deve durar até setembro.

Como melhorar a qualidade do sono

Apesar de não termos evidências concretas de que o dormir interfere na eficácia das vacinas, vale repetir que o descanso é imprescindível para nosso sistema imune de forma geral.

“O sono é um dos comportamentos mais fundamentais relacionados à qualidade de vida. E sua importância é ainda maior diante do cenário que estamos vivendo”, analisa a biomédica Monica Andersen, diretora de Pesquisa e Ensino do Instituto do Sono.

Monica observa que a medida mais significativa para pregar os olhos numa boa é a regularidade: ou seja, dormir e acordar no mesmo horário.

“Logicamente, precisamos respeitar as dificuldades da vida cotidiana de cada um. Mas não devemos deitar num dia às 10 horas da noite e, no outro, às três da manhã”, pondera.

Essa é uma das dicas de ouro para dormir bem. Confira outras:

● Evite bebidas cafeinadas e estimulantes algumas horas antes de ir para a cama;

● Diminua a incidência de luz, pois ambientes muito claros bloqueiam a liberação de melatonina, hormônio que favorece o sono.

● Dispositivos eletrônicos também devem ser evitados pelo menos duas horas antes de ir dormir;

● Realize atividade física, principalmente nas primeiras horas da manhã;

● Tenha momentos prazerosos antes de ir para a cama. Pode ser leitura, música, oração…

● Drible situações tensas para limitar a produção de cortisol – o hormônio do estresse.


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No mês do orgulho LGBTQUIA+, quadrinista fala sobre sua mudança de gênero

O recreio era a pior hora do dia. Como tinha dificuldade em se adaptar ao comportamento dos meninos, costumava ser alvo da provocação deles. Quando tentava se enturmar com as meninas, não era socialmente aceita. Conclusão: cresceu uma criança isolada, daquelas que brincam sozinhas e inventam seus próprios brinquedos.

Certo dia, estava em casa, brincando na sala, quando ouviu a mãe comentar: “Tá vendo essa mulher aí? Nasceu homem e virou mulher”. A tal mulher a que sua mãe se referia era a atriz e cantora Rogéria (1943-2017) que, naquele momento, participava de um programa de TV. Daquele dia em diante, a vida da pequena Alice, então com 9 anos, começou a mudar. “Por todos os dias da minha vida, sonhei com minha transformação”, revela a quadrinista carioca Alice Pereira em Pequenas Felicidades Trans (2019).

Ilustração do dia em que a vida da quadrinista Alice Pereira começou a mudar.Ilustração: Pequenas Felicidades Trans/Divulgação

A HQ nasceu de um diário que Alice começou a escrever em 2016, quando deu início a sua transição de gênero. Sua autobiografia começa quando ainda era uma criança que não se identificava com o gênero que lhe foi atribuído no nascimento – “Não consigo dizer que tive uma infância feliz”, confessa, num dos primeiros quadrinhos – e segue até os dias de hoje, cinco anos depois de ter dado início à transição. “Me sinto como uma lagarta em um casulo, me preparando para me transformar em borboleta”, revela, mais adiante, em outro quadrinho.

Da infância à vida adulta, Alice Pereira revela inúmeros temores: ser expulsa de casa, ser agredida nas ruas, nunca mais ter um amor, entre outros. E relata incontáveis histórias: a primeira vez em que saiu às ruas com roupas femininas, em que foi a uma balada LGBT, em que foi à praia, etc. “Experiências banais, como entrar numa loja para comprar uma roupa ou sentar em um bar hétero lotado, se tornam momentos especiais quando se está em transição”, admite Alice, que é casada com a engenheira Danielle Tanaka, que revisou os textos e as ilustrações de Pequenas Felicidades Trans.

Mais um quadrinho que representa parte da trajetória de Alice Pereira.Ilustração: Pequenas Felicidades Trans/Divulgação

Além da autobiografia em quadrinhos, a obra traz dois anexos curiosos. O primeiro deles, Coisas que a Gente Escuta, fala das muitas situações constrangedoras pelas quais pessoas trans ainda são obrigadas a passar. E indica perguntas e comentários, entre grosseiros e sem-noção, que não devem ser feitos a uma pessoa trans, como “você não vai se arrepender de fazer essa mudança?”, “não tem medo de Aids?” e “vai cortar o pinto fora?”.

O segundo, Pequeno Dicionário Trans, lista 14 verbetes, como cisgênero, intersexo, disforia, passabilidade, feminização facial e cirurgia de redesignação sexual. Se transgênero é a pessoa que não se identifica com o gênero que lhe foi atribuído ao nascer, cisgênero é a pessoa que se identifica. Pessoas trans ou cis podem ser heterossexuais, homossexuais ou bissexuais.

Além de quadrinista, Alice Pereira é musicista. Toca baixo e tuba em bandas e blocos.

VEJA SAÚDE: Você tinha nove anos quando se descobriu transgênero, certo? Como foi essa descoberta? Qual é a lembrança mais forte que guarda deste momento?

Alice Pereira: Estava em casa, brincando na sala, quando apareceu a Rogéria em um programa de TV. Na mesma hora, minha mãe comentou: “Nasceu homem e virou mulher”. “Ué, e pode?”, pensei. Não imaginava que aquilo fosse possível. Foi um momento mágico na minha vida! Eu já me identificava com o universo feminino desde os três anos de idade. Já sabia que era diferente, mas não sabia que pudesse passar por esse processo de transição. Quando vi aquela mulher na televisão, passei a querer aquilo para mim.

Chegou a contar para alguém como se sentiu ou preferiu guardar para si?

Não, nunca contei para ninguém. Sempre guardei para mim. Só tive coragem mesmo quando resolvi me assumir e dar início à minha transição. Tinha muito medo e vergonha. Medo de como as pessoas iam reagir e o que iam pensar. Só tive coragem mesmo de contar para alguém quando me assumi como transexual.

Já adulta, você decidiu fazer a transição de gênero. Foi uma decisão difícil de ser tomada?

Sim, muito. Não à toa, demorei tanto tempo para me decidir. Tinha medo da reação das pessoas. “O que elas vão achar? Vão me entender? Vou ser aceita?”. Quando tomei a decisão de transicionar, em 2016, resolvi que não tinha como voltar atrás.

Cinco anos depois, qual foi a fase mais difícil? Hormônios, cirurgias, documentos?

A mais difícil? Volto a dizer: contar para as pessoas, sem dúvida. Não sabia como elas iam reagir. Se iam entender e aceitar. Em 2017, cheguei a entrar em depressão. Tinha muito medo de ser abandonada por amigos e família e terminar sozinha.

Em 2019, você lançou Pequenas Felicidades Trans, sua autobiografia em quadrinhos. Como surgiu a ideia?

Quando dei início à transição, comecei a escrever um diário. Não tinha com quem conversar. Com exceção da minha psicóloga, ainda não tinha contado para ninguém. O diário era uma maneira de extravasar, sabe? Dali a pouco, pensei em transformar o diário em HQ. Em 2017, quando estava em depressão, comecei a publicar algumas tirinhas nas redes sociais. Toda semana era uma tirinha nova. Dos primeiros quadrinhos ao lançamento do livro, levei um ano e dez meses.

Como se sentiu ao transformar os relatos de seu diário em HQ?

Quando comecei a escrever, estava vivendo um período difícil. Transformar meu diário em HQ foi bom porque me deu um objetivo na vida. Comecei a reler o que tinha acontecido no início da transição. Foi uma catarse e tanto! Às vezes, chegava a chorar relendo o que tinha escrito ou desenhando algum quadrinho. Foi uma experiência libertadora. A repercussão também foi muito boa. Outras pessoas trans começaram a se identificar. Muitas me mandavam mensagens contando suas histórias.

Em um dos quadrinhos, você diz que “desenhar servia pra me livrar de algumas coisas e, ao mesmo tempo, responder perguntas que as pessoas me faziam”. Qual é o tipo de pergunta que, por exemplo, você não aguenta mais responder?

As pessoas viviam me fazendo sempre as mesmas perguntas. Esse, aliás, foi um dos motivos que me levaram a escrever o livro. Outro motivo foi listar perguntas que não devem ser feitas a pessoas trans. “Qual era seu nome?” e “já fez cirurgia?” são alguns exemplos.

Em outro quadrinho, você define seu livro como “a história de uma pessoa trans contada por uma pessoa trans”. Quais os clichês ou estereótipos mais recorrentes quando uma pessoa cisgênero resolve contar a história de uma pessoa transgênero?

Em geral, essas histórias são muito superficiais. É como se as pessoas trans só se assumissem para satisfazer as pessoas cis. Na maioria dos casos, as mulheres trans são apresentadas como caricaturas de mulher e os homens trans como caricaturas de homens. No cinema, escalam homens para interpretar mulheres trans e mulheres para o papel de homens trans. Em geral, sobra preconceito e falta sensibilidade.

Mais adiante, você fala do “medo de andar nas ruas e ser xingada” e “de ser agredida”. Você já sofreu preconceito, discriminação ou violência por ser mulher trans?

Há vários tipos de violência. A física, por exemplo, eu nunca sofri. Na maioria das vezes, as pessoas fazem suposições por você ser trans. Supõem que você se prostitui ou tem uma doença sexualmente transmissível (DST). Isso, infelizmente, acontece muito. Preconceito, já sofri muito. Violência física, não.

Junho é o mês do orgulho LGBTQUIA+. Há o que celebrar?

Há, sim. Tivemos muitos avanços. Apesar do atual governo, as pessoas LGBTs estão saindo mais do armário. Temos mais liberdade. Apesar de toda a violência, conquistamos nosso espaço. Ainda tem muito que melhorar, sem dúvida. Mas, a resistência do movimento LGBT, por si só, já é motivo de celebração.

É verdade que, quando criança, você teve aula de desenho com o Daniel Azulay (1947-2020)?

Não! Eu já era adulta quando tive aula com o Daniel Azulay… Um dia, fiz um curso de mangá na Oficina de Desenho Daniel Azulay, no Largo do Machado, Zona Sul do Rio. Era tudo misturado: criança, adolescente… A única adulta era eu! (risos) Na infância, assistia aos programas dele na televisão. Infelizmente, esse tipo de programa, que ensina criança a desenhar, não existe mais…

Um de seus próximos projetos é a criação de uma super-heroína trans, certo? O que você poderia adiantar sobre essa personagem?

Atualmente, estou fazendo faculdade de animação. Meu projeto final será um curta-metragem, de uns três minutos de duração, protagonizado por uma super-heroína trans. Mais adiante, quero fazer uma história em quadrinhos. Mas, ainda estou pensando no roteiro, essas coisas. Quando você se assume como trans, parece que ganha superpoderes. Parece que tudo é possível. Esse é o conceito da história.


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Machismo faz, sim, mal à saúde

O parceiro de uma amiga perdeu o emprego. Em algumas semanas, passou a sair menos com os colegas. Alguns meses depois, deixou de atender suas ligações. Ninguém entendeu nada. Qual era a razão do sumiço? A resposta é uma só: vergonha. O sujeito que cresceu ouvindo que homem que é homem tem que ser “forte”, “corajoso” e “bem-sucedido”, entre outros atributos, estava com tanta vergonha por estar desempregado que entrou em depressão.

Resultado: levou mais de um ano até reconhecer que precisava de ajuda para sair daquele buraco. Essa é apenas uma das muitas histórias que Guilherme Valadares conta nas palestras e nos workshops que dá Brasil afora. “Os homens estão mal. Apenas três em cada dez têm o hábito de conversar sobre seus maiores medos com os melhores amigos. Muitos, infelizmente, só se abrem para mudanças quando estão no fundo do poço”, alertou o editor do site Papo de Homem e professor de equilíbrio emocional numa apresentação dentro do ciclo TEDx.

Para entender o que passa pela cabeça de quem carrega os cromossomos XY, o Instituto PdH realizou a pesquisa “O Silêncio dos Homens” com 27,7 mil brasileiros, entre maio e junho de 2019. Chama a atenção, entre os achados do estudo, o que os adultos aprenderam com seus pais quando garotos e levaram para a vida: ser bem-sucedido profissionalmente (85%), ser responsável pelo sustento financeiro da família (67%) e não expressar as emoções (60%) foram algumas das principais respostas.

Por essas e outras, dá para entender por que o personagem do início desta reportagem sofreu calado e sozinho a vergonha de estar desempregado. E a raiz do problema, dizem os especialistas, tem nome e sobrenome: masculinidade tóxica.

O termo foi criado em 1986 pelo psicólogo americano Shepherd Bliss. Segundo o sociólogo Túlio Custódio, doutorando pela Universidade de São Paulo (USP) e um dos entrevistados do documentário O Silêncio dos Homens, masculinidade tóxica é o apelido dado ao que ficou conhecido entre os acadêmicos como masculinidade hegemônica patriarcal. É a mãe do machismo, digamos assim.

“Por essa lógica, o homem é o provedor e a mulher, a cuidadora. E ela alimenta situações como a do homem que tende a não cuidar da saúde e reluta em ir ao médico porque acha que nunca vai ficar doente”, explica Custódio.

Menos cuidados e anos pela frente

A relutância da ala masculina em agendar uma consulta pode ser traduzida em números. Segundo o Programa Nacional de Saúde, do governo federal, 76% da população brasileira, algo em torno de 160 milhões de pessoas, consultaram um médico em 2019. Desses, 82,3% eram mulheres e 69,4%, homens.

Na matemática da masculinidade tóxica, pouca atenção com a saúde costuma ser igual a menor expectativa de vida. Não por acaso, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que, em 2016, os homens viveram cerca de sete anos a menos que as mulheres. Enquanto elas chegavam, em média, aos 79,3 anos, eles não passaram dos 72,2.

Mas o fenômeno não é exclusivo do Brasil. Um relatório da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) calcula que a masculinidade tóxica reduz a expectativa de vida da população masculina em todo o continente, da Groenlândia ao Chile, em até 5,8 anos. Segundo o estudo Masculinidades e Saúde na Região das Américas, de 2019, um em cada cinco homens morre antes dos 50 nesse extenso território.

Dos números apresentados pela Opas, três são alarmantes: a proporção de mortes por homicídio é de sete homens por mulher; de acidentes de trânsito, três por um; e de cirrose hepática causada pelo álcool, dois por um.

“Não bastasse reduzir a expectativa de vida, a masculinidade tóxica ainda estimula comportamentos de risco, como direção perigosa, consumo de álcool e sexo sem proteção”, adverte Catharina Cuellar, assessora científica do escritório de Equidade, Gênero e Diversidade Cultural da entidade pan-americana.

“Os homens ainda vão pouco ao médico e, quando vão, não tomam a medicação prescrita nem seguem o tratamento recomendado”, observa. Conclusão: eles adoecem e sofrem mais.

Consequências em várias esferas

A masculinidade tóxica repercute em diversos ambientes. Reconhecê-la é o primeiro passo para superá-la em todos esses contextos:

No consultório: eles não só vão menos ao médico como aderem menos ao tratamento proposto, quando não fogem de exames preventivos. Não são poucos os motivos: desde a vergonha de demonstrar fraqueza até o medo de descobrir doenças.

Na escola: adolescentes criados em ambientes machistas tendem a reproduzir em sala de aula o que aprendem em casa. Contam piadas preconceituosas, usam termos agressivos para atacar colegas de classe e não respeitam ideias e opiniões dos outros.

Na terapia: seis em cada dez homens dizem enfrentar um distúrbio emocional, como vício ou depressão. Muitos nem sequer recebem o diagnóstico por evitar apoio psicoterápico. Coincidência ou não, eles se suicidam bem mais do que elas.

No trânsito: enquanto as mulheres são mais cautelosas e empáticas ao dirigir, os homens se mostram mais agressivos, competitivos e impacientes. Daí que eles correm mais, batem mais o carro e se machucam mais em acidentes pelas vias.

No trabalho: duas demonstrações de machismo no ambiente corporativo são o bropriating (apropriar-se de uma ideia da mulher e levar o crédito) e o mansplaining (explicar algo óbvio a uma mulher como se ela não tivesse capacidade para entender).

Preconceito, tabu, desinformação

Nos consultórios de urologia, os estragos do machismo ganham contornos dramáticos. Médicos dessa especialidade veem homens desenvolvendo câncer de pênis por não higienizar corretamente o órgão depois das relações sexuais e diagnosticando câncer de próstata tardiamente por se recusar a fazer o exame de toque retal.

Se os tumores no pênis matam um pouco menos de 500 homens por ano, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), o número de vítimas fatais da doença na próstata pode superar os 15 mil. Para Roni Fernandes, diretor de comunicação da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), a maioria dos homens ainda resiste a fazer exames preventivos e a buscar o diagnóstico precoce porque associa o cuidado com a saúde a uma demonstração de fraqueza.

“Se não sinto nada, doutor, por que tenho de ir ao médico?” é uma das frases que ele mais escuta quando indaga aos seus pacientes por que demoraram tanto para agendar uma consulta. “Muitos homens se acham super-heróis e se consideram indestrutíveis. Pensando assim, alguns morrem de doenças que, se detectadas a tempo, poderiam ter sido facilmente tratáveis. Onde está o heroísmo nisso?”, indaga o urologista.

A percepção equivocada se soma ao preconceito: em pesquisa do Datafolha encomendada pela SBU em 2017, 21% da população masculina insistia em dizer que o exame de toque retal, que apura problemas na próstata, não era “coisa de homem” — no limite essa turma concede em fazer um PSA, dosagem de uma substância no sangue que também delata perrengues na glândula e, sozinha, muitas vezes não é conclusiva. Para 38% dos homens com mais de 60 anos ouvidos, o toque nem sequer era necessário. Justo eles, os mais propensos ao câncer de próstata.

O urologista João Brunhara, da plataforma de cuidados com a saúde masculina Omens, lembra que o exame de toque retal é simples, rápido e indolor. “Por incrível que pareça, esse assunto segue um tabu entre os homens. Muitos acham que vão perder a masculinidade por isso, sendo que ninguém é menos viril por cuidar da saúde”, desmitifica.

Para combater essa ojeriza sem cabimento, Fernandes ressalta a necessidade de aprofundar as campanhas de conscientização — a mais recente delas, a #VemProUro foi destinada aos adolescentes — e Brunhara vê uma oportunidade de criar ou estreitar a relação com o médico a partir de consultas online.

Se serve de consolo aos urologistas, os homens também resistem aos consultórios de psicólogos, psiquiatras e psicanalistas. O que é preocupante: segundo o Ministério da Saúde, eles se suicidam quatro vezes mais que as mulheres. “Quando se trata de pedir ajuda a profissionais do campo ‘psi’, a população masculina demonstra preconceito e resistência. Parece até que se submeter a um processo psicoterapêutico é sinal de fragilidade”, analisa a psicóloga Fátima Niemeyer da Rocha, doutora pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora do estudo Os Impactos da Masculinidade Tóxica no Bem-Estar do Homem Contemporâneo. “Muitos têm dificuldade de enfrentar dilemas existenciais e problemas potencialmente dolorosos.”

Mas o que leva os homens a fugir do médico como o diabo da cruz? O próprio Ministério elucidou e listou alguns dos motivos que levam os marmanjos a adoecer e a morrer mais que as mulheres: eles estão envolvidos na maioria das situações de violência, utilizam álcool e outras drogas com maior frequência e estão mais expostos aos acidentes de trânsito e de trabalho.

De fato, sete em cada dez mortes registradas em 2014 em indivíduos de 20 a 59 anos envolvem homens. No ranking das principais causas de mortalidade masculina, as razões externas, como agressão por meio de disparo de arma de fogo, dividem o topo da lista ao lado de infarto, AVC e câncer.

Por falar em acidentes de trânsito, sabe aquela frase típica de para-choque de caminhão: “Mulher ao volante, perigo constante”? Então, ela não procede mesmo! Em 2019, segundo dados do governo, 31,3 mil pessoas perderam a vida em acidentes pelas estradas, ruas e avenidas. Oito em cada dez vítimas fatais eram homens.

“Enquanto os homens, desde criança, são encorajados a ser competitivos e agressivos, as mulheres, por sua vez, são educadas a ser mais cuidadosas e pacientes”, compara o médico Dirceu Rodrigues Alves, diretor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet). “Na prática, elas demonstram maior segurança ao dirigir, respeitam mais as leis de trânsito e provocam menos acidentes”, resume.

Por incrível que pareça, os homens não cometem mais acidentes só no trânsito, não. No trabalho, eles também são campeões. O Anuário Estatístico de Previdência Social aponta que, em 2018, 576,9 mil brasileiros sofreram acidentes de trabalho. Do total de acidentados, 65,96% eram homens e 34,03%, mulheres.

“Na infância, o garoto aprende que homem que é homem não chora, não sente medo nem demonstra sofrimento. Quando cresce, desafia o perigo e adota um comportamento de risco para provar que aquilo ‘não é perigoso’”, analisa o sociólogo do trabalho Ângelo Soares, professor da Universidade de Quebec, em Montreal, no Canadá. “Sob essa ótica, muitos trabalhadores não seguem as normas de segurança, não usam equipamentos de proteção e, pior, se expõem a riscos que, muitas vezes, se traduzem em acidentes e mortes”, completa.

O entorno também sofre

A masculinidade tóxica, é preciso deixar bem claro, afeta a saúde de todo mundo. Não só do homem em si, mas de todos ao seu redor. É como uma bomba-relógio. Quando explode, sobra estilhaço para qualquer lado. Para outros homens, para as mulheres, para pessoas trans, para crianças, para indivíduos de outras culturas…

“Afeto e sensibilidade sempre foram sentimentos associados às mulheres. Os homens não foram ensinados a cuidar de si, do outro e do meio em que vivem. O ambiente tem sido destruído por práticas que não olham para o cuidado coletivo e por ações imediatistas que não pensam no longo prazo”, analisa o sociólogo Fábio Mariano da Silva, professor do curso Masculinidades Contemporâneas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

A essa altura, o leitor deve estar se perguntando: como desarmar essa bomba chamada masculinidade tóxica? Simples não é. Há muitos fios a ser cortados. Ou melhor: há muitas ações a ser tomadas. O Ministério da Saúde elenca algumas delas: procurar os serviços de saúde não apenas quando estiver com alguma doença mas para se prevenir; conversar sobre problemas e preocupações com a(o) parceira(o), familiares, amigos e profissionais; e pedir ajuda quando se sentir sobrecarregado por alguma situação de estresse, seja no trabalho, seja em casa.

Doutor em saúde coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autor do artigo Saúde do Homem e Masculinidades na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, Marco Antônio Separavich pondera que, na prática, a realidade é outra: como os homens podem ir ao médico se os serviços de saúde funcionam no horário em que estão trabalhando? “Não há um arranjo institucional que garanta a esses trabalhadores a busca pelos serviços preventivos sem prejuízo da remuneração do trabalho. Muitos deles só procuram os serviços de urgência e emergência quando já estão em estágio avançado de alguma doença”, argumenta o sociólogo e pesquisador.

Para a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da USP e diretora da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), a solução para o problema passa pela educação das novas gerações. Da mesma forma que as mulheres são orientadas a procurar o ginecologista desde o momento em que entram na puberdade ou iniciam sua vida sexual, muitos homens chegam aos 40 sem nunca ter ido a um consultório.

“Sozinho, o homem não vai ao médico. Na infância, era a mãe que o levava ao pediatra. Na vida adulta, é a mulher que agenda as consultas. O adolescente não vai criar esse hábito do nada. Precisa ser educado pelos pais”, defende a professora.

Isabela Venturoza, doutoranda em antropologia social pela Unicamp, não é adepta ou simpatizante do termo “masculinidade tóxica”, que classifica como “generalista” e “raso”. A menção à “toxicidade”, explica, passa uma ideia equivocada de “doença”.

“Quando tratamos o autor de uma violência contra a mulher como um doente, estamos individualizando o problema. Não é só ele que pensa que a mulher é inferior. É a sociedade que o educou a pensar assim”, aponta Isabela, que considera importante apoiar os serviços de atendimento a homens denunciados por crimes de violência contra a mulher. “Não se trata de ensinar a mulher a não apanhar, mas os homens a não bater”, sintetiza.

Nas palestras que dá sobre o silêncio dos homens, Guilherme Valadares costuma apresentar sete gatilhos de transformação. Um deles é o acesso a espaços seguros e de acolhimento para homens — no site do Papo de Homem, ele lista mais de 120 iniciativas do gênero.

“Os homens podem e querem se transformar. Mas não vamos conseguir fazer isso sozinhos”, afirma em sua fala no TEDx. Assim como as feridas da masculinidade tóxica se abrem por toda a sociedade, é de imaginar que a cura também dependa de uma reflexão e um engajamento geral. Vamos nessa?

Veja, leia, participe…

Alguns filmes e livros nos instigam a refletir sobre a masculinidade tóxica, enquanto grupos e serviços ajudam a lidar com ela no dia a dia:

Filmes, docs e livros

• Meninos Não Choram (1999), de Kimberly Peirce
• Moonlight: Sob a Luz do Luar (2016), de Barry Jenkins
• Eu Não Sou um Homem Fácil (2018), de Éléonore Pourriat

• A Máscara em Que Você Vive (2015), de Jennifer Newsom
• Mexeu com Uma, Mexeu com Todas (2017), de Sandra Werneck
• O Silêncio dos Homens (2019), de Ian Leite

• O Mito da Masculinidade (1993), de Sócrates Nolasco
História dos Homens no Brasil (2013), de Mary Del Priore e Márcia Amantino
O Homem Subjugado (2018), de Malvina Muszkat

Grupos e serviços

Papo de Homem: o site reúne mais de 120 projetos espalhados pelo Brasil que apoiam e estimulam os homens a se expressar e se cuidar. E dá até um passo a passo de como criar um grupo de acolhimento e escuta na sua região.

Paternando: é um exemplo de grupo que incentiva a paternidade ativa — outro é o Balaio de Pais. Eles ensinam o homem a compartilhar com a parceira os cuidados com a criança, como dar banho, trocar fraldas, ninar e contar histórias.

Grupo Reflexivo para Homens: é voltado para autores de violência contra mulher. A própria Lei Maria da Penha recomenda a criação de espaços para “educação” e “reabilitação” dos denunciados por crimes de violência doméstica.


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Formigamento, pontada ou dormência? Fique de olho!

Sensibilidade alterada, dor, formigamento e dormência nas mãos e nos pés. Quem nunca passou por isso? Exatamente por serem sintomas tão comuns, normalmente são encarados como algo corriqueiro. Entretanto, em alguns casos, eles podem ser sinais de neuropatia periférica, doença que atinge os nervos que vão para os membros. O problema pode ainda desencadear diminuição na sensibilidade, falta de força muscular, dor e sensação de queimação nessas partes do corpo.

“A enfermidade pode acontecer por diversas causas, como envelhecimento, diabetes, síndrome metabólica, herpes-zoster, falta de vitaminas, em especial as do complexo B, aids e até Covid-19”, conta Rames Mattar Jr., doutor em ortopedia e traumatologia e professor-associado da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Conforme o especialista, a incidência da doença, que faz vítimas em ambos os sexos e todas as faixas etárias e, segundo estimativas, atinge entre 2% e 8% dos adultos, vem crescendo por causa do envelhecimento da população. A ocorrência chega a 30% na turma com mais de 70 anos. A neuropatia periférica pode ser algo agudo, ou seja, passageiro, ou duradouro, quando há uma causa crônica, como o diabetes, por trás. Com o objetivo de conscientizar a população sobre essa questão, a P&G Health promove a campanha Escute seus Nervos, reunindo informações valiosas no site escuteseusnervos.com.br.

De fato, ter mais dados sobre o problema é crucial, pois, quanto antes identificá-lo, melhor será a qualidade de vida do paciente, evitando que sofra com prejuízos futuros. “Quando a deterioração dos neurônios que ficam dentro dos nervos é combatida rapidamente, ainda é possível recuperá-los”, explica o dr. Mattar Jr. Do contrário, eles podem sofrer uma degeneração, levando à piora do quadro, que pode fazer com que o indivíduo sinta dor a longo prazo e comece a ter quedas e dificuldade para ficar em pé.

Também é fundamental agir sobre as causas da neuropatia periférica e tratar a saúde da pessoa de maneira global. Se for uma diabetes, por exemplo, é indicado que ela seja controlada. Se for falta de vitamina, é recomendado que seja feita a suplementação. Por isso, é necessário procurar um médico se houver qualquer dúvida ou suspeita. Além disso, é importante ficar muito atento às pessoas mais velhas, pois os sintomas provocados pela enfermidade são bem frequentes na população idosa e facilmente confundidos com sinais comuns da idade avançada.

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Referências:

Hakim M. et al. Asian Journal of Medical Sciences Jan-Feb 2018 (9) 1; 32-40

Head K.A, Peripheral neuropathy: pathogenic mechanisms and alternative therapies. Altern Med Rev 2006 Dec; 11(4): 294-329.

Jolivalt C.G. et al. B vitamins alleviate indices of neuropathic pain in diabetic rats. Eur J Pharmacol 2009; 612(1-3): 41-47.


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Biossimilares: uma grande virada pelo acesso a tratamentos mais modernos

Celebramos em 2021 os 15 anos da criação do primeiro medicamento biossimilar do mundo: a somatropina, molécula indicada para o tratamento de distúrbios do crescimento, que chegou ao mercado farmacêutico europeu em abril de 2006. Assemelhando-se à trajetória dos genéricos, o desenvolvimento dos biossimilares só foi possível com a queda das patentes dos remédios originais, chamados de biológicos ou biofármacos.

Por demandarem menor investimento em etapas de pesquisa e produção, os biossimilares permitem que o preço final para seu uso seja inferior ao dos originários. Ou seja, com a mesma eficácia e segurança, eles apresentam menor custo para os pacientes, sendo um verdadeiro ponto de virada na expansão do acesso ao tratamento médico de qualidade.

Para contextualizar o surgimento dos biossimilares, vale trazer um breve histórico dos biológicos. O primeiro deles a chegar ao mercado farmacêutico foi a insulina, no início da década de 1980, o que mudou a vida dos diabéticos. Atualmente, pacientes com diversas patologias podem se beneficiar dessa classe de tratamento, incluindo pessoas com doenças reumatológicas, inflamatórias intestinais, dermatológicas e alguns tipos de câncer.

Por ter o princípio ativo produzido a partir de organismos vivos, sua ação é mais direta, evitando que células saudáveis sejam afetadas durante o tratamento. Por exemplo, o paciente com câncer que faz uso de biofármacos sofre menos efeitos colaterais do que aquele que utiliza a terapia convencional.

Justamente pela alta eficácia e o grande investimento em pesquisa e desenvolvimento, os medicamentos biológicos são de alto custo, o que muitas vezes ainda inviabiliza seu uso para a maioria da população, mesmo que alguns desses remédios já sejam dispensados gratuitamente no sistema público de saúde.

Nesse cenário, os biossimilares surgem com o intuito principal de mudar a realidade, ampliando o número de pessoas tratadas de forma segura e efetiva, uma vez que são equivalentes aos fármacos de referência e ainda permitem a realocação dos recursos economizados por seu uso em outras terapias.

Trazendo a discussão para o âmbito numérico, segundo dados da Finep de 2018, os biológicos representam 60% dos gastos públicos com medicamentos e correspondem a 12% do volume em si. Na contramão, de acordo com levantamento da IQVIA Consulting Brasil em 2020, o biossimilar reduz o custo de um tratamento de 30 a 40%, o que significa uma economia de pelo menos 1,2 bilhão de reais para o sistema de saúde brasileiro.

A Europa é hoje o mercado mais avançado nesse sentido. Pesquisas revelaram que no ano seguinte à chegada dos biossimilares de imunomoduladores da classe dos anti-TNFs — prescritos contra diversas doenças —, o preço médio desses tratamentos caiu 13% e o volume de medicamento comercializado aumentou em quase 20%. Já nos Estados Unidos, a economia com biossimilares totalizou 2,2 bilhões de dólares em 2019 e 4,5 bilhões nos últimos dez anos. Tais experiências mostram que é possível tratar mais gastando menos.

Além de ser líder global na produção de medicamentos genéricos, a Sandoz é pioneira na produção de biossimilares e estamos juntos, nesses 15 anos, construindo a história da classe. Temos em nosso portfólio global oito moléculas aprovadas e distribuídas entre mais de 100 países e outras 15 em desenvolvimento. Anualmente, colaboramos com o tratamento de mais de 730 milhões de pacientes pelo planeta.

Hoje enxergamos muito potencial para a expansão da produção de biossimilares no Brasil, onde, apesar de a tecnologia ser considerada recente, já temos cinco moléculas aprovadas e em uso. O país tem avançado a passos largos para o desenvolvimento de um parque industrial adaptado à biotecnologia e uma mostra atual de que estamos caminhando para isso foi a realização da parceria entre a Sandoz e o Programa de Desenvolvimento Produtivo (PDP) com a BioManguinhos, para transferência de tecnologia do rituximabe — medicamento indicado para doenças oncológicas e reumatológicas, que, desde junho de 2020, está disponível no SUS.

As PDPs visam ampliar o acesso a medicamentos e outros produtos considerados estratégicos para a rede pública, por meio do fortalecimento do complexo industrial brasileiro. Seu objetivo principal é financiar o desenvolvimento nacional para reduzir os altos custos de aquisição pelo governo.

Em um cenário no qual a produção local de biossimilares já esteja estabelecida, os sistemas de saúde público e privado poderão realocar o investimento em outras demandas, permitindo que cada vez mais pessoas tenham acesso a um tratamento de alto padrão por um baixo custo e trazendo sustentabilidade para o sistema como um todo.

* Marcelo Belapolsky é country head da Sandoz do Brasil


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terça-feira, 29 de junho de 2021

Novo coronavírus infecta e se replica em células das glândulas salivares

Pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) constataram que o coronavírus infecta e se replica em células das glândulas salivares.

Por meio de análises de amostras de três tipos de glândulas salivares, obtidas durante um procedimento de autópsia minimamente invasiva em pacientes que morreram em decorrência de complicações da Covid-19 no Hospital das Clínicas da FMUSP, eles verificaram que esses tecidos especializados na produção e secreção de saliva são reservatórios para o novo coronavírus. Os resultados do estudo, apoiado pela Fapesp, foram publicados no Journal of Pathology.

As descobertas contribuem para explicar por que o novo coronavírus é encontrado em grandes quantidades na saliva, o que viabilizou a realização de testes para diagnósticos da Covid-19 a partir do fluido, sublinham os autores do trabalho.

“É o primeiro relato de vírus respiratório capaz de infectar e se replicar nas glândulas salivares. Até então, acreditava-se que apenas vírus causadores de doenças com prevalência muito alta, como o da herpes, usavam as glândulas salivares como reservatório. Isso pode ajudar a explicar por que o Sars-CoV-2 é tão infeccioso”, diz à Agência Fapesp Bruno Fernandes Matuck, doutorando na Faculdade de Odontologia da USP e primeiro autor do estudo.

Os pesquisadores já tinham demonstrado, em estudo anterior, a presença de RNA do Sars-CoV-2 no tecido periodontal de pacientes que morreram em decorrência da Covid-19.

Em razão da alta infecciosidade do Sars-CoV-2 quando comparado a outros vírus respiratórios, eles levantaram a hipótese de que o novo coronavírus poderia infectar e se replicar em células das glândulas salivares e, dessa forma, surgir na saliva sem ter contato com secreções nasais e pulmonares.

Isso porque estudos internacionais anteriores mostraram que o ducto salivar apresenta o receptor ACE2, com o qual a proteína spike do Sars-CoV-2 se liga para infectar as células. Mais recentemente, outros grupos de cientistas relataram ter observado em estudos feitos com animais que, além da ACE2, receptores como a serina protease transmembranar 2 (TMPRSS) e a furina, presentes nos tecidos das glândulas salivares, são alvos do Sars-CoV-2.

A fim de testar essa hipótese em humanos, foram feitas biópsias guiadas por ultrassom em 24 pacientes que morreram em decorrência da Covid-19, com idade média de 53 anos, para extração de amostras de tecidos das glândulas parótida, submandibular e menores.

As amostras dos tecidos foram submetidas a análises moleculares (RT-PCR) para identificação da presença do vírus. Os resultados indicaram a presença do vírus nos tecidos em mais de dois terços das amostras.

Já por meio de marcações imuno-histoquímicas – em que é colocado um corante em uma molécula que se gruda no vírus e nos receptores –, foi possível observar a presença do vírus in situ, no interior dos tecidos. E, por meio de microscopia eletrônica, foi detectada não só a presença, mas também o vírus se replicando nas células e identificado o tipo de organela que ele utiliza para essa finalidade.

“Observamos vários vírus aglomerados nas células das glândulas salivares – um indicativo de que estão se replicando em seu interior. Não estavam presentes nessas células passivamente”, afirma Matuck.

Boca como porta de entrada direta

Os pesquisadores pretendem avaliar, agora, se a boca pode ser uma porta de entrada direta do Sars-CoV-2, uma vez que os receptores ACE2 e o TMPRSS são encontrados em vários locais da cavidade, como em tecidos da gengiva e da mucosa bucal. Além disso, a boca tem uma área de contato maior do que a cavidade nasal, apontada como a principal porta de entrada do vírus.

“Por meio de uma parceria com pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte, dos Estados Unidos, pretendemos mapear a distribuição desses receptores na boca e quantificar as replicações virais em tecidos bucais”, diz Luiz Fernando Ferraz da Silva, professor da FMUSP e coordenador do projeto. “Pode ser que a boca seja um meio viável para entrada direta do vírus”, estima Matuck.

Outra ideia é verificar se idosos possuem mais receptores ACE2 na boca em comparação com pessoas mais jovens, uma vez que têm uma diminuição do fluxo salivar. A despeito disso, os pesquisadores encontraram mesmo em pacientes idosos, que têm menos tecidos salivares, uma alta carga viral.

“Esses pacientes quase não tinham tecido salivar, era quase tudo tecido gorduroso. Mas, mesmo assim, ainda apresentavam uma carga viral relativamente alta”, relata Matuck.

O artigo Salivary glands are a target for SARS-CoV-2: a source for saliva contamination (DOI: 10.1002/path.5679), de Bruno Fernandes Matuck, Marisa Dolhnikoff, Amaro Nunes Duarte-Neto, Gilvan Maia, Sara Costa Gomes, Daniel Isaac Sendyk, Amanda Zarpellon, Nathalia Paiva de Andrade, Renata Aparecida Monteiro, João Renato Rebello Pinho, Michele Soares Gomes-Gouvêa, Suzana COM Souza, Cristina Kanamura, Thais Mauad, Paulo Hilário Nascimento Saldiva, Paulo H Braz-Silva, Elia Garcia Caldini e Luiz Fernando Ferraz da Silva, pode ser lido aqui.

*Esse texto foi publicado originalmente na Agência Fapesp.


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