quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Música faz bem à saúde? Neurocientista e compositora responde

Quando criança, toda vez que alguém lhe perguntava o que queria ser quando crescesse, a pequena Julie Weingartner não pensava duas vezes: cantora. “A música é uma das primeiras lembranças que tenho da vida”, diz. “Passava horas ouvindo e cantando junto com os álbuns. Era minha brincadeira favorita”.

Paranaense de Curitiba, Julie nasceu numa família de artistas. O pai, Romildo, é violoncelista. A mãe, Rocio, é coreógrafa e letrista. Isso sem falar na madrasta, Juliane, violinista; no padrasto, Mário, violonista; no primo, Sérgio, clarinetista… “Meu mundo era basicamente feito de arte”, recorda.

Aos 6 anos, Julie entrou para o coral da escola e não parou mais. Anos depois, quando já estava “velha demais” para participar de corais juvenis, migrou para o teatro. Foi com a montagem da primeira peça, ainda na adolescência, que descobriu outra paixão: ser atriz.

A ciência apareceu depois, quase ao acaso, aos 12 anos, quando leu A Dança do Universo (Companhia das Letras), do físico e astrônomo Marcelo Gleiser. “Foi esse livro que me despertou o interesse e a paixão pela área”. Quando completou 18 anos, a curitibana se mudou para o Rio e começou a cursar Astronomia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Seu objetivo inicial era se especializar em Astrofísica e Cosmologia, só que, dois anos depois, ela migrou para Biofísica. Julie, então, trancou o curso de Astronomia, mas sua paixão pelos mistérios do universo não desapareceu. Pelo contrário, ela casou isso com a música.

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Não por acaso, a canção que abre seu primeiro álbum, Infinitos Encontros, é Trânsito de Marte. Composta em 2018, fala de dois fenômenos astronômicos muito marcantes: a máxima aproximação de Marte da Terra e o eclipse lunar. “Quando componho, é inevitável que o faça através das lentes pelas quais enxergo o mundo”, declara.

Aos 29 anos, Julie Wein concilia as duas carreiras: a artística e a científica. Como cantora e compositora, lançou seu primeiro disco, que conta com a participação do cantor Ed Motta numa das faixas. Como cientista, é doutora em Neurociência pela UFRJ.

“No meu caso, fazer ciência tornou-se um pouco menos difícil do que viver de música”, compara Julie que, desde 2011, trabalha no Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino e foi contemplada com uma bolsa de Iniciação Científica e Doutorado do CNPq. “No caso da música, além do fazer artístico em si, ser cantora independente envolve funções técnicas, burocráticas e administrativas”.

No palco com um pé na ciência

Julie não é um caso isolado de artista que também enveredou pela ciência. Pouca gente sabe, mas outros músicos e cantores também são cientistas.

O guitarrista do Queen, Brian May, talvez seja o exemplo mais famoso. Autor de alguns hits da banda, como We Will Rock You, Hammer to Fall e Who Wants to Live Forever, é bacharel em Física e doutor em Astrofísica. O cantor Art Garfunkel, da dupla com Paul Simon, é matemático; Greg Graffin, vocalista do Bad Religion, é antropólogo e geólogo; e Dexter Holland, vocalista da banda The Offspring, é biólogo.

No Brasil, o compositor Paulo Vanzolini (1924-2013) era um proeminente zoólogo. Ele é autor de dois clássicos da MPB: Ronda (dos versos: “De noite, eu rondo a cidade / a te procurar, sem encontrar”…) e Volta por Cima (“Reconhece a queda e não desanima / Levanta, sacode a poeira / e dá a volta por cima”).

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Se a ciência ajuda Julie Wein na hora de compor, a música serve de inspiração para pesquisar. Isso ficou evidente na época em que escreveu sua tese de doutorado. “Percebi de forma muito nítida como a criatividade exercitada na música me ajudou a ter fluidez na escrita científica”, explica.

E, por falar em estudar ou trabalhar ao som de música, Julie indica peças instrumentais. “É para minimizar a chance de disputa por atenção dos circuitos do cérebro que processam a linguagem”, esclarece. Já as músicas com letras são ótimas para lazer ou esporte.

Quando o assunto é música e cérebro, porém, não há regras. “O cérebro de cada um responde de forma particular a diferentes estímulos ”, observa. Se uma pessoa não gosta de música clássica, vai ter dificuldade para cair no sono ouvindo Mozart ou Beethoven. No entanto, se ama heavy metal, é capaz de relaxar ao som de Metallica ou Iron Maiden. “O gosto musical influencia a forma com que nosso cérebro processa a informação musical”.

Sons pela cabeça

Os efeitos da música sobre o cérebro são múltiplos e vão além do relaxamento na hora de dormir ou da concentração no momento de estudar. Julie explica que, a exemplo de outras atividades prazerosas, como fazer o bem, praticar exercícios ou comer chocolate, ouvir música também ativa um circuito de recompensa em nosso cérebro.

Nessas horas, a música, independentemente do gênero, induz a liberação de neurotransmissores do prazer, como a dopamina, e atua, de forma benéfica, tanto na pressão sanguínea quanto nos batimentos cardíacos, provocando uma indescritível sensação de bem-estar. “Acho fascinante o fato de o ser humano ter criado obras musicais tão impactantes a ponto de nos levar às lágrimas ou de provocar arrepios, entre outras reações fisiológicas”, diz.

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Da próxima vez, então, que você sentir um arrepio ao ouvir um trecho da Nona Sinfonia, do alemão Ludwig van Beethoven (1770-1827), ou de As Quatro Estações, do italiano Antonio Vivaldi (1678-1741), não estranhe. Segundo Julie, passagens com harmonias inesperadas, mudanças repentinas de volume ou, ainda, a entrada comovente de um solista têm esse dom sobre o ouvinte.

“Quanto mais imersa uma pessoa estiver em determinada peça musical, maiores as chances de ela sentir arrepios”, avisa. Tem mais. A evocação de uma memória afetiva ou a empatia com seu artista favorito no palco também funcionam como “gatilhos” para arrepios musicais. “Quanto mais alguém conhece determinada canção, mais intensas serão suas sensações ao ouvi-la”, resume.

Se a música é prazerosa e relaxante, por que não seria também terapêutica? Alguns estudos, explica Julie, revelam que a música pode ser usada de maneira complementar no tratamento de condições como autismo, Parkinson e acidente vascular cerebral (AVC). Outros, prossegue, evidenciam seu poder analgésico em procedimentos cirúrgicos.

Pesquisadores tentam decifrar por que pacientes em estágio avançado de Alzheimer são capazes de recordar músicas antigas – daquelas que ouviam quando crianças – e não conseguem se lembrar dos nomes dos próprios filhos. “É um campo ainda bastante novo. Mas eu diria que sim, a música pode fazer bem à saúde. Acompanhada dos respectivos tratamentos médicos, pode contribuir, nesses casos, para um resultado otimizado”, afirma a cientista-compositora.


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