O escocês Johann Hari estava em Graceland, visitando a mansão onde Elvis Presley morou, em Memphis, nos Estados Unidos, quando teve a ideia de escrever um livro sobre “ladrões de atenção”.
O insight não foi aleatório. Logo que chegou, o jornalista recebeu um iPad, com todas as instruções para visitar a propriedade. E ficou espantado ao ver como os turistas, em vez de curtir o lugar, permaneciam com os olhos na tela. Só desgrudavam para tirar e postar fotos.
A certa altura, teve vontade de gritar: “Olhem em volta! Não precisam ver na tela. Estamos em Graceland!” Mas ficou calado ao ver que até seu afilhado, um fã do Rei do Rock, estava bisbilhotando o dispositivo.
“Pense em algo que você lutou para conquistar: pode ser abrir um negócio, ser um bom pai ou tocar violão.
Seja lá o que for, exigiu tempo e dedicação”, raciocina Hari, autor do recém-lançado Foco Roubado (Vestígio)*. “Se a sua capacidade de concentração desmorona, sua habilidade de atingir objetivos também. Não há nada errado conosco. Há algo errado com o mundo em que vivemos.”
Para redigir a nova obra, o escritor entrevistou mais de 250 cientistas. Um deles foi Gloria Mark, da Universidade da Califórnia (EUA), que estuda o impacto da tecnologia e da mídia digital na vida das pessoas.
Em 2004, ela cronometrou por quanto tempo funcionários de uma empresa de gestão de investimentos conseguiam permanecer focados em uma mesma tarefa. O resultado foi surpreendente: dois minutos e 30 segundos. Com essa duração, não seriam capazes de ouvir por inteiro clássicos de Elvis, como Suspicious Minds.
Em 2012, a psicóloga repetiu o experimento e deparou com um tempo ainda menor: 75 segundos. Em 2020, nova aferição, e novo susto: 47 segundos. “Estamos focados quando nossa mente assume o controle de algo e exclui todo o resto”, define a pesquisadora.
Só que, a exemplo das onipresentes telas, existem adversários dessa operação cerebral. “O maior inimigo do foco é a exaustão. Quando estamos cansados, não temos combustível para nos concentrar. A saída é tirar uma soneca ou fazer uma pausa e reabastecer o tanque”, afirma Gloria.
Foco Roubado (Vestígio)
Se levar nossa atenção embora é fácil — qualquer notificação de celular consegue —, trazê-la de volta pode ser desafiador. Um estudo do psicólogo Michael Posner, da Universidade do Oregon (EUA), descobriu o tempo necessário para recuperarmos totalmente o foco. Adivinhe: cinco, dez, 15 minutos? Nada disso: chega a 23 minutos! Tempo demais, não?
Quem também investiga o assunto é a neurocientista Amishi Jha, da Universidade de Miami (EUA). Em Sagaz – Encontre Seu Foco e Mude Sua Vida em 12 Minutos por Dia (Principium)*, ela compara o foco a uma tocha que ilumina uma caverna. Faz sentido.
Derivada do latim focus, a palavra quer dizer “fogo”. Mas, antes de acender sua tocha, Jha recomenda a seguinte pergunta: o que você está procurando? Qual é o seu objetivo? Caso contrário, corre o risco de a tocha se apagar e você ficar às escuras, sem conseguir encontrar o caminho.
“Estar focado é como apertar a tecla play de nossa vida”, filosofa a autora. “Estamos dispersos quando retrocedemos ou avançamos a fita. Retroceder significa ruminar arrependimentos e avançar, antecipar preocupações”, resume.
Não basta selecionar uma atividade qualquer — estudar para uma prova, treinar para uma maratona ou preparar-se para uma palestra — e debruçar-se nela. É preciso bloquear os outros estímulos irrelevantes ou prejudiciais àquela tarefa.
Autora de A Arte da Concentração (Larousse)*, a inglesa Harriet Griffey divide as distrações em internas e externas. As internas englobam, além dos pensamentos, fome, sede, ansiedade… As externas abrangem celular, redes sociais, barulho, frio e calor.
A escritora cita uma pesquisa do psiquiatra Glenn Wilson, do King’s College de Londres, que analisou o comportamento de mais de mil voluntários e descobriu que pelo menos metade deles parava o que estava fazendo para responder a e-mails. Com isso, sofriam uma queda de até 10 pontos no seu QI.
“Concentração não é dom, é sobrevivência”, sentencia Harriet.
Para fortalecer essa capacidade humana, não há escapatória: é preciso prestar atenção a uma coisa de cada vez. “Tentar fazer tudo ao mesmo tempo pode ser altamente desgastante para o cérebro”, alerta a escritora.
Sim, o lema do “multitarefas” não só é contraprodutivo como esgota nossas reservas cognitivas.
Felizmente, é possível treinar os neurônios e tornar a cabeça mais focada e menos dispersa — palavra da ciência.
A sugestão da psicobióloga Elisa Kozasa, baseada nos estudos de neuroimagem que realiza no Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, é a meditação, que promove um respiro para o sistema nervoso.
“Não importa a técnica. O importante é começar com alguns minutos e ir aumentando o tempo de prática”, orienta. Nessa linha, o escritor americano Jon Acuff diz ser prova viva de que podemos desenvolver a habilidade de ficar no aqui e agora.
Em dez anos, lançou oito livros — o nono chegará às livrarias em breve. “Não sou a pessoa mais disciplinada do mundo, mas aprendi a ter foco”, orgulha-se o autor de Trilhas Sonoras da Mente (Sextante)*.
Para ele, o inimigo número 1 da concentração é o celular. “Ele foi projetado por alguns dos cientistas mais inteligentes do mundo para roubar nosso foco”, afirma. E o leitor? Está acompanhando a matéria ou checando outra coisa na tela?
Efeito do celular na concentração
No dia 17 de abril de 2019, o compositor Bob Dylan interrompeu um show em Viena, na Áustria, para reclamar de um sujeito que não parava de fotografá-lo. Irritado, avisou: “Podemos tocar ou fazer pose”. Não demorou muito e abandonou o palco.
Quatro anos depois, em turnê pela Espanha, ele proibiu o uso de smartphones pela plateia. O público deveria guardá-los em estojos lacrados. Se quisessem ligar o aparelho, teriam de se dirigir a um local reservado.
Dylan não é um caso isolado. Outros cantores, como Adele, Alicia Keys e Chris Martin, já reclamaram dos fãs que, em vez de prestarem atenção ao espetáculo, preferem tirar fotos, gravar vídeos ou enviar mensagens.
“Em São Paulo, as pessoas assistem ao show pelo celular”, ironizou Mick Jagger, o líder dos Rolling Stones, em turnê de 2016. Uma pesquisa traduziu em números a insatisfação não só dos artistas mas também do público: 70% dos britânicos se incomodam com o uso de gadgets nos eventos.
No Brasil, a situação não é diferente. Maria Bethânia já reclamou da fã que atendeu o celular na hora do show e, na maior cara de pau, engatou um bate-papo. “É deselegante”, descreveu a cantora.
O escritor Luis Fernando Verissimo também se queixou publicamente das pessoas que, durante a exibição de um filme, ligam o smartphone no cinema para verificar e-mails ou o WhatsApp. “Sou contra a pena de morte. Mas, em alguns casos, abriria uma exceção”, brincou.
Pelas ruas, o problema se repete. Na crônica Fui Atropelado por um Zumbi na Calçada, Joaquim Ferreira dos Santos alerta para o perigo de quem anda nas ruas com “coração, mente e olhos conectados no Grande Líder”. “O zumbi antigo comia cérebros. O atual tem o cérebro comido pela caixinha”, adverte.
No ranking de mortes por tentativa de selfie (sim, isso existe!), o Brasil já está em quinto lugar.
Uma pesquisa da operadora Vivo, Luz e Sombra da Tecnologia, procurou traçar um perfil dos usuários e apontar os lados positivo e negativo de smartphones e computadores.
Entre os benefícios, os 1,2 mil entrevistados listaram acesso a informação (38%), apoio no trabalho (26%) e aproximação das pessoas (24%).
Entre os malefícios, estão dependência (30%), fake news (25%) e sedentarismo (24%). Para 67% dos participantes, o uso excessivo é comparado a um vício. E mais: 47% deles sairiam de casa sem carteira, mas nunca sem o celular.
“Em alguns casos, você pode viver sem álcool e cigarro. Mas, em outros, não consegue viver sem usar a internet”, compara o psiquiatra Antonio Egidio Nardi, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um dos fundadores do Instituto Delete. “É preciso buscar o uso consciente da tecnologia. Há vida além do mundo digital.”
Pois é, esses recursos roubam o foco… da vida real.
E isso pode ser um perigo. Segundo a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), o país registra cerca de 30 infrações por hora devido ao uso do celular ao volante. Muitos motoristas, não satisfeitos em conversar enquanto dirigem, ainda digitam mensagens de texto — infração que aumenta em 23 vezes o risco de acidentes.
- Leia também: Com saúde no trânsito
“Enviar um recado pelo WhatsApp a 80 km/h equivale a percorrer uma distância de 100 metros com os olhos vendados”, compara o médico Flávio Adura, diretor da entidade . Na melhor das hipóteses, o motorista flagrado com o aparelho toma multa. Na pior, provoca uma tragédia.
O escritor Jon Acuff não está exagerando quando diz que os computadores (e as mentes por trás deles) querem pescar a gente. Um dos truques usados pelos gurus do Vale do Silício é a barra de rolagem infinita. Basta deslizar o dedo pela tela e, pronto!, você ficará aprisionado numa sequência de posts.
Outra artimanha é a reprodução automática de vídeos. Mal termina um e já começa outro. Assim como os alertas visuais e sonoros de notificação. Atire o primeiro celular quem nunca perdeu o fio da meada ou se sentiu ansioso com um deles.
“Na era virtual, nossa atenção se transformou em um bem cada vez mais raro e valioso”, explica a psicóloga Anna Bentes, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Vivemos em um contexto paradoxal. De um lado, exigem de nós foco e produtividade. De outro, somos bombardeados por fontes de distração. Saber autogerir a atenção é uma habilidade cada vez mais necessária.”
De origem latina, a palavra significa adiar ou postergar, mas, em bom português, poderíamos dizer “enrolar”. “Ninguém é procrastinador porque quer. Sabemos que atrasar algo não é bom, mas atrasamos assim mesmo”, diz o suíço Nils Salzgeber, autor de Pare de Procrastinar (Auster), que divide essa turma em crônicos e ocasionais. Já o pesquisador canadense Piers Steel lembra que o hábito pode ser nocivo quando se trata de cuidar da saúde: “O diagnóstico precoce sempre é melhor que o tardio”. Que tal focar no seu próximo check-up?
Tem remédio?
Edward Morra é um aspirante a escritor que passa as semanas em frente à tela em branco do computador. Sua vida se resume a digitar algumas linhas e, em seguida, deletá-las. Certo dia, ingere uma droga experimental e conhece uma versão melhor de si.
Batizado de NZT, o comprimido faz efeito em inacreditáveis 30 segundos. Torna Eddie mais inteligente, concentrado e produtivo.
Em quatro dias, ele consegue terminar o livro que levou meses para começar. Em 72 horas, aprende a tocar piano. E, em dez dias, a ganhar dinheiro.
+ Assine VEJA SAÚDE a partir de R$9,90
Fica rico, mas não demora a perceber que uma pílula se tornou insuficiente. Ele decide aumentar a dose.
Em pouco tempo, começa a sentir os primeiros efeitos colaterais… “Estou 50 passos à frente de qualquer um”, gaba-se, antes de se decepcionar, o personagem interpretado pelo ator Bradley Cooper no filme Sem Limites.
Inspirada em um livro de ficção científica de 2001, a trama poderia ter sido baseada numa história real e atual. Ganham tração no mercado as chamadas smart drugs, ou pílulas inteligentes.
É um fenômeno em que estudantes e executivos passam a tomar remédios criados para outras finalidades sem prescrição. A meta: turbinar o cérebro.
Os mais procurados são o dimesilato de lisdexanfetamina, vendido sob o nome comercial Venvanse, e o cloridrato de metilfenidato, mais conhecido como ritalina.
Segundo a farmacêutica Pamela Saavedra, do Centro Brasileiro de Informação sobre Medicamentos (Cebrim), os dois foram aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o tratamento do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) — o primeiro também é indicado a casos de compulsão alimentar; o segundo, diante da narcolepsia.
A falta de foco é apenas um dos sintomas do TDAH, um distúrbio que atinge pelo menos 2 milhões de brasileiros. Sozinha, ela não dá diagnóstico. Para uma criança ou um adolescente apresentar a condição, precisa ter pelo menos seis sintomas de desatenção e seis de hiperatividade ou impulsividade.
No caso dos adultos, são pelo menos cinco de cada um. Outra: é obrigatório que eles estejam presentes antes dos 12 anos, causem problemas em dois contextos (casa e trabalho, por exemplo) por, no mínimo, seis meses e tragam prejuízos à vida pessoal, profissional e familiar.
Mas será que tais comprimidos, quando ingeridos por quem não tem TDAH, conferem superpoderes cognitivos a seus usuários?
Há dez anos, cientistas das universidades da Califórnia (EUA) e de Chieti-Pescara (Itália) fizeram um experimento com o modafinil, remédio para distúrbios do sono que vinha sendo utilizado com esse propósito.
Recrutaram voluntários saudáveis, apresentaram uma série de desafios a eles e aguardaram os resultados. Os participantes que usaram o estimulante tiveram resultados semelhantes aos que tomaram placebo (as cápsulas de mentirinha).
Há menos de um mês, um estudo da Universidade de Melbourne, na Austrália, chegou a conclusão parecida, desta vez avaliando metilfenidato, dextroanfetamina e modafinil: “O esforço aumentou, mas a produtividade caiu”.
“Muitas vezes, o efeito do medicamento é fazer com que o indivíduo permaneça acordado mais tempo ou fique menos cansado. Não significa que vai aprender ou memorizar mais”, diz o psiquiatra Paulo Mattos, da Associação Brasileira de Déficit de Atenção.
Digamos que tomar esses remédios sem indicação médica é algo pouco inteligente. A farmacêutica Pamela Saavedra conta que eles possuem efeitos colaterais potencialmente graves em pessoas suscetíveis. “Vão de convulsão a infarto”, avisa.
Prestar atenção àquilo que você vê, ouve e faz não requer tanto malabarismo. E algumas técnicas ajudam a manter o foco. Uma delas atende pelo nome de Pomodoro, criada por um empresário italiano no final dos anos 1980 — o nome é baseado em um cronômetro de cozinha no formato de tomate.
A cada 25 minutos de trabalho ou estudo, ela sugere uma pausa de cinco. A cada quatro blocos de 25, uma pausa mais longa, de 30. “O foco é como um músculo. Se nós o exercitamos, ele fica forte. Se não, tende a atrofiar”, compara a psicóloga Roberta Nascimento, coautora de Vamos Falar de TDAH em Adultos (Matrix)*. E, como a musculatura, o cérebro também requer momentos de descanso.
Desligar para focar
A ativista americana Emma Lembke tinha 12 anos quando abriu sua primeira conta em uma rede social, o Instagram. De Birmingham, no Alabama, poderia se conectar com adolescentes do mundo inteiro. Gostou tanto da brincadeira que, em pouco tempo, ingressou em outros aplicativos e plataformas, como o Snapchat.
Mas o que parecia um sonho, com o perdão do clichê, logo se transformou em pesadelo. “Suspeitei que estava viciada quando comecei a passar de cinco a seis horas por dia deslizando meu dedo pela tela do smartphone sem pensar em mais nada”, relata.
+ Leia também: Seríamos vítimas da Matrix? As redes sociais e a nossa saúde mental
Emma admite ter penado com uma legião de reveses de ordem física e mental. Sintomas de ansiedade pelo medo de ficar de fora do que estava rolando — situação batizada de FOMO, acrônimo em inglês para fear of missing out — e de depressão, devido ao número sempre insuficiente de likes que recebia nas redes sociais…
E, claro, falta de foco para as tarefas do cotidiano. “Onde foi que eu errei?”, questionava-se. “Naquela época, meu status era: em um relacionamento tóxico com a tecnologia”, revela a estudante, hoje com 20 anos.
Se o celular — ou melhor, o uso nocivo e abusivo dele — pode ser considerado um vilão para a atenção, a meditação é uma das práticas mais defendidas como aliada. Essa visão vem sendo reforçada pela ciência, mas tem raízes milenares.
Quem explica é o filósofo Malone Rodrigues, que ensina técnicas de relaxamento e bem-estar na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS):
“Em geral, associamos a meditação apenas a práticas espirituais orientais como o budismo. Mas todas as religiões, do islamismo ao cristianismo, são adeptas. E, a partir da década de 1960, ela passou a ser estudada e utilizada também no meio médico e científico”.
Não precisa viver como um monge para praticar.
Qualquer um pode incorporar a técnica à rotina, ainda que não seja fácil no início. Cinco minutos diários são suficientes para reduzir o estresse, combater a insônia, elevar a concentração… E o melhor: você pode praticar sentado, caminhando pelo parque ou entoando um mantra.
+ Leia também: Meditação mindfulness: sua mente tem poder
“Foco é importante para tudo: até para os momentos de lazer. Quando saio para passear, não fico pensando em trabalho. Muita gente está com o corpo na balada e a cabeça no escritório. E vice-versa. Não dá para viver assim, no modo piloto automático”, alerta Rodrigues. A meditação seria, assim, um caminho para reprogramar a mente.
Outra forte aliada da concentração é a técnica do mindfulness — ou “atenção plena”. Se o multitasking pode ser traduzido como “tudo ao mesmo tempo”, o mindfulness é, ao contrário, “cada coisa de uma vez”.
“Mais do que uma técnica de meditação, é um estilo de vida”, teoriza a psicóloga Isabel Weiss, coautora de Mindfulness e a Terapia Cognitivo-Comportamental (Manole). “Nossa mente é como um barco em um mar de possibilidades. Sem foco, fica à deriva. Os ventos e as correntes podem levá-lo a qualquer lugar”, compara.
Quem curte a carreira do ator americano Adam Sandler já deve ter visto o filme Click.
Nele, o protagonista é um arquiteto workaholic que só pensa em ser sócio da empresa onde trabalha. Por essa razão, nunca diz “não” aos prazos mais descabidos do chefe.
Lá pelas tantas, ganha um controle remoto mágico que, entre outras funções, permite que ele avance no tempo.
Avança tanto que ele perde almoços em família, descobre que seu cachorro morreu e não vê os filhos crescerem.
Perto do fim, e à beira da morte, chega, arrependido, à conclusão infalível: “A família é o mais importante”. “Se eu tivesse que resumir o conceito de mindfulness em uma só frase, diria: viva o aqui e o agora. O momento presente é tudo o que temos”, arremata Isabel.
Emma Lembke tinha 15 anos quando notou que havia algo errado no modo como se relacionava com a tecnologia, e 17 quando decidiu fundar o movimento Log Off (algo como “Encerrar a sessão”, em livre tradução), que estimula os jovens a refletirem sobre o uso que fazem das redes sociais e a reduzirem seu tempo de tela.
Em 2015, um adolescente passava em média 6,4 horas em frente a uma delas; em 2021, esse tempo aumentou para 8,4 horas, segundo a ONG Common Sense Media.
Hoje, a estudante de ciências políticas da Universidade de Washington (EUA) é uma espécie de Greta Thunberg, a ativista ambiental, das mídias sociais.
Mas não foi fácil se desconectar. Ela conta que precisou se submeter a um “detox digital”, que consiste em abrir mão da vida virtual e se plugar ao mundo real.
Em alguns casos, o usuário se limita a 30 minutos de internet por dia: dez pela manhã, dez à tarde e dez à noite. Em vez de jogos eletrônicos, prioriza atividades físicas. No lugar de reuniões online, encontros presenciais. Vale até trocar e-books por livros em papel.
“Desde que fundei a Log Off, em junho de 2020, minha relação com a tecnologia mudou. Em vez de ser controlada pelas redes, passei a usá-las a meu favor. A sensação é libertadora”, orgulha-se Emma.
No universo de mil estímulos da internet, a experiência e a causa dessa jovem americana nos lembram que, com alguma frequência, é essencial focar nas experiências reais.
Uma iniciativa da ONG 4 Day Week, a semana de quatro dias de trabalho, sem redução proporcional de salário, já foi implantada em dezenas de países, da Islândia aos Emirados Árabes Unidos. Nove entre dez empresas aprovaram o formato: houve aumento de produtividade e queda da rotatividade. Além disso, 39% dos funcionários se sentiram menos estressados, 71% relataram redução nos sintomas de burnout e 54% conseguiram conciliar melhor vida pessoal e profissional. No Brasil, o experimento teve início em junho e durará até dezembro em 50 empresas.
–
Resgate sem neura
Duas das mais famosas canções de Paul McCartney e Rita Lee não nasceram em estúdios ou em turnês. Foram compostas na cama.
No caso de Yesterday (1965), o integrante dos Beatles estava na Espanha, na casa de sua namorada, quando sonhou com a melodia que deu origem à canção. No café da manhã, não conseguiu parar de cantarolar a música.
No caso de Mania de Você (1979), Rita Lee e o marido, Roberto de Carvalho, tinham acabado de transar quando veio a inspiração.
Ainda na cama, Rita começou a escrever os primeiros versos: “Meu bem, você me dá água na boca…” Na mesma hora, o parceiro pegou o violão e arriscou alguns acordes. Em cinco minutos, a canção estava pronta. “A gente estava em estado de graça”, resumiu a cantora.
O “não fazer nada” a que Rita se refere no refrão da música é um conceito universal. Na Itália, terra natal do sociólogo Domenico de Masi, que, em 1995, criou o termo “ócio criativo”, existe o dolce far niente, ou “doce fazer nada”.
Na China, há o conceito de wu wei, que significa “ócio” ou “inação”. Na Holanda, não fazer nada pode ser traduzido em uma única palavra: niksen.
“Quando não temos nada para fazer, nossa primeira reação é dar uma espiada no Facebook ou assistir à Netflix, não é? Bem, lamento informar que isso não é niksen”, diz a escritora Olga Mecking, autora de Niksen – Abraçando a Arte Holandesa de Não Fazer Nada (Rocco)*.
“Trata-se, na verdade, de contemplar a paisagem quando se anda de trem, refletir sobre o parágrafo do livro que acabou de ler ou ficar de bobeira enquanto espera pelo almoço ou a consulta médica.”
E, por incrível que pareça, não fazer nada nos ajuda a ser mais produtivos, estimula nossa criatividade e melhora a tomada de decisão. “Não é por acaso que algumas de nossas melhores ideias surgem no banho”, diverte-se Olga.
O cineasta americano Woody Allen que o diga. Em Os Segredos dos Grandes Artistas (Campus), Mason Currey revela que, para furar o bloqueio criativo, um dos truques do diretor de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa e Meia-Noite em Paris, todos premiados com o Oscar de roteiro original, é… tomar banho.
No início de sua carreira, quando ainda não era tão famoso, Allen andava pelo Central Park de Nova York. Hoje se mete debaixo do chuveiro — alguns de seus banhos chegam a demorar 45 minutos — quando precisa de inspiração.
Sim, foco é indispensável para aumentar a produtividade. Mas, às vezes, um pouco de distração não faz mal a ninguém. Pelo contrário. Dá energia e instiga a concentração, um efeito rebote positivo. Cada autor tem um curinga guardado na manga.
O britânico Douglas Adams, de O Guia do Mochileiro das Galáxias, gostava de ouvir Pink Floyd; o americano George R.R. Martin, de As Crônicas de Gelo e Fogo, prefere ler gibis quando dá aquele branco; e a primeira coisa que Stephen King faz pela manhã é caminhar uns 5 quilômetros.
No trajeto, o mestre dos livros de terror até define o que vai escrever no dia.
Tão importante quanto um pouco de ócio é a divagação. O dicionário a define como “caminhar sem rumo”. O neurocientista israelense Moshe Bar tem uma parecida: “avançar sem objetivo”.
“Em excesso, o foco pode até fazer mal à saúde mental. O desafio é vagar pouco quando temos objetivos imediatos à vista, como entregar um relatório ou fazer um bolo”, diz o autor de A Arte da Divagação (Objetiva)*.
“Numa sociedade que cultua a produtividade, a fama da divagação não é das melhores. Mas quero livrar as pessoas do sentimento de culpa por viajarem mentalmente para lugares tão divertidos com frequência”, prossegue.
Até o tédio, acredite se quiser, pode nos brindar com benefícios. Com a palavra, a psicóloga britânica Sandi Mann, da Universidade de Lancashire: “Se o medo nos ajuda a evitar o perigo, o tédio nos encoraja a explorar novos territórios”, explica a autora de The Science of Boredom (“A Ciência do Tédio”, ainda inédito no Brasil).
“Se nossos antepassados não tivessem sentido isso, a humanidade não teria realizado proezas inimagináveis.” Para provar sua tese, ela submeteu um grupo de 40 voluntários a uma atividade maçante: copiar, por 15 minutos, uma extensa lista de contatos telefônicos.
Um segundo grupo, com o mesmo número de participantes, foi poupado dessa tarefa.
Em seguida, Sandi solicitou às duas equipes que bolassem o maior número possível de usos para dois prosaicos copos plásticos. Resultado: o grupo submetido à tarefa enfadonha saiu-se melhor. “O tédio é um aliado da criatividade”, conclui a pesquisadora.
Se hoje o norueguês Jo Nesbø é um romancista de sucesso, com mais de 13 livros publicados, muitos deles no Brasil, isso se deve ao tédio. Em 1997, ele começou a digitar seu primeiro título, O Morcego (Record)*, a bordo de um avião.
Quando resolveu tirar uns dias de folga e se deu conta de que a viagem de Oslo, onde morava, até Sydney, na Austrália, levaria em torno de 32 horas, não pensou duas vezes: abriu seu laptop e começou a trabalhar ali mesmo. Não parou mais desde então.
Tédio, ócio, divagação… Tudo isso pode alimentar nossas habilidades cognitivas. E, ao lado de outras medidas mais focais, nos ajudar a escapar daqueles que o escritor Johann Hari chama de ladrões de atenção.
* A venda por meio desse link pode render algum tipo de remuneração à Editora Abril
Em busca do foco perdido: o que fazer para recuperar a concentração? Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário