quarta-feira, 21 de abril de 2021

Livro da Semana: “O Sentido da Existência Humana”, de Edward O. Wilson

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Os biólogos dividem suas explicações sobre os seres vivos em causas próximascausas últimas. Uma causa próxima ainda exige um por quê; uma causa última é a explicação derradeira, que encerra o assunto. Em geral, jornalistas que cobrem ciência querem a causa última, e vão fazer perguntas irritantes até chegar nela.

Por exemplo: certa vez, um leitor perguntou à redação da Super por que a calvície segue um desenho fixo na cabeça de todos os homens – em que os pelos se preservam nos “paralamas”, mas caem no topo da cabeça, começando pelo cocoruto e pelas entradas sobre a testa.

Uma rápida pesquisa no Google revela a causa próxima: há uma concentração maior de um hormônio chamado dihidrotestosterona nas áreas da cabeça em que há queda de cabelo. Mas isso não responde a pergunta. Por que há mais dihidrotestosterona? Porque há uma concentração maior de duas enzimas (chamadas 5alpha-reductase e aromatase), que participam do metabolismo do hormônio. Mas por que há uma concentração maior dessas enzimas? Não sabemos. A pele da parte de cima de cabeça vem de uma parte do embrião diferente da pele dos paralamas, e que isso pode ter a ver com o fenômeno. Mas essa ainda não é a causa final.

Será que a calvície tem uma função? Ou será que ela é o contrário: é um problema ignorado pela seleção natural? Talvez a queda de cabelo seja uma caracteristica sobre a qual mecanismo darwiniano não atuou, porque ficar careca não interferia nas chances de sobrevivência (na Pré-História, lembre-se, a maioria de nós morria jovem demais para manifestar uma bola de sinuca reluzente na cabeça). Outra possibilidade é que a calvície tenha surgido muito recentemente e as forças evolutivas não tenham tido tempo de atuar sobre ela. 

O biólogo Edward O. Wilson, professor e pesquisador de Harvard desde 1956, tem muito interesse em causas últimas. Em O Sentido da Existência Humana, ele une ciências humanas e naturais em uma sequência de ensaios que buscam chegar ao cerne das perguntas mais cabeludas de nossa existência: por que os seres humanos são do jeito que são, e não de outros tantos jeitos que poderiam ser? A evolução de vida inteligente nos moldes que conhecemos é algo especial ou um fenômeno corriqueiro no Universo? De onde vêm nossos instintos? Wilson desconstrói essas questões minuciosiamente, como fizemos acima com a calvície.

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Aos 91 anos, Wilson tem no currículo mais de 150 prêmios por suas pesquisas e livros – incluindo dois prêmios Pulitzer de não ficção. Além de ser a maior referência viva no estudo de formigas, ele tem trabalhos seminais sobre a ecologia das ilhas, é um famoso conservacionista (responsável, inclusive, por ter cunhado o termo “biodiversidade”) e gerou um debate acalorado na década de 1970 com seu livro Sociobiologia – que buscava explicar o comportamento animal – incluindo o humano – sob o prisma da seleção natural e da genética.

O Sentido da Existência Humana não é seu maior nem seu melhor livro, mas é amigável: curto, fácil de ler e cheio de conexões fascinantes. Cada página é um momento “uau!”. Você descobrirá, por exemplo, que, embora a visão seja nosso sentido mais crucial e acurado, nós fracassamos na detecção de feromônios – uma forma de comunicação química crucial para a maioria dos outros animais. Você lerá uma especulação divertida sobre como seria a biologia de hipotéticos alienígenas inteligentes.

Você verá também que a divisão de trabalho altruísta complexa praticada pelas formigas – chamada eussocialidade – evoluiu apenas 20 vezes na história da vida, 14 delas entre insetos. O que torna a eussocialidade chocante é que certos membros da colônia abdicam de certas funções em prol de outros membros. Por exemplo: existe a formiga rainha responsável por fabricar filhotes e formigas babás, as operárias, responsáveis por criar os filhotes.

Wilson argumenta, porém, que a eussocialidade é como a ponta mais radical de um espectro, e que os seres humanos apresentam traços de eussocialidade: se especializam em certas funções, criam seus bebês coletivamente em creches e escolas e montam imensos formigueiros chamados cidades, ainda que não exista uma casta que nasça programada para exercer certas profissões ou abdicar do sexo (e nossa sociedade seja um produto da cultura mais do que é do instinto, enquanto as formigas dependem basicamente do instinto).

Não vai faltar papo para a mesa de bar (quando, finalmente, pudemos voltar a ela).

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