A Food & Drug Administration, agência regulatória de remédios dos EUA, aprovou ontem (07) o uso do medicamento Aducanumab para o tratamento de Alzheimer. Trata-se da primeira droga aprovada para a doença desde 2003. Enquanto os medicamentos disponíveis focam em tratar os sintomas da demência (como a perda de memória), esse é o primeiro que se propõe a retardar o avanço da doença em si.
Mas a decisão da FDA gerou polêmica, porque não há consenso sobre a eficácia do remédio. Os resultados dos dois testes clínicos realizados pela farmacêutica Biogen não foram conclusivos. Um comitê de pesquisadores independentes, que aconselham a FDA, concluiu que não há evidências suficientes de que o medicamento possa ajudar pacientes de Alzheimer.
Mesmo assim, a agência decidiu pela aprovação. Ela reconhece que os resultados dos testes deixam “incertezas residuais acerca dos benefícios clínicos” e que “como ocorre com a interpretação de dados, a comunidade de especialistas oferece perspectivas distintas”. Por isso, a FDA liberou o medicamento para uso, mas exigiu que a Biogen realize novos testes clínicos. Se os testes não mostrarem que o medicamento é eficaz, a agência pode anular a aprovação. Ela também pode optar por, mesmo assim, manter a autorização para o uso do remédio – algo que já aconteceu antes.
O que faz o medicamento
O Aducanumab, que será vendido sob o nome Aduhelm, é um anticorpo monoclonal que ataca a proteína mais característica do Alzheimer: a beta-amiloide. Essa proteína se acumula aos poucos no cérebro de pacientes que sofrem da doença, formando placas que bloqueiam as conexões entre os neurônios, chamadas sinapses. Isso resulta nos sintomas típicos da demência.
Ainda não se sabe se as placas de beta-amiloide são a causa ou uma consequência do Alzheimer, mas o fato é que a presença dessas placas identifica quem tem a doença. Os medicamentos em desenvolvimento têm focado em “limpar” ou reduzir essas placas do cérebro. Muitos deles conseguem destruir as placas em laboratório, mas não mostram grandes benefícios para os pacientes nos testes clínicos.
Tanto pesquisadores a favor quanto contrários à decisão da FDA concordam que o Aducanumab de fato reduz as placas de beta-amiloide no cérebro de pacientes com Alzheimer. Esse, inclusive, foi um dos argumentos utilizados pela agência para justificar a aprovação.
Só que não adianta reduzir as placas se o medicamento não retarda o avanço da demência ou se os pacientes não apresentam melhora. Espera-se que essa “destruição” de beta-amiloide, principalmente nos estágios iniciais, resulte em uma progressão mais lenta da doença. Mas é justamente isso que os testes clínicos ainda não deixaram claro.
Testes clínicos
Os dois testes feitos pela Biogen em parceria com a farmacêutica japonesa Eisai contaram com mais de 3 mil participantes de 20 países diferentes. Em março de 2019, antes de serem divulgados os resultados finais, a fabricante decidiu interromper os testes após uma análise interna mostrar que a droga não tinha efeito em retardar os sintomas do Alzheimer.
Só que em outubro do mesmo ano, a Biogen voltou atrás após analisar mais dados. Um dos testes mostrou que uma alta dose da droga poderia retardar o avanço da doença em 22%. Em outras palavras: durante um período de 18 meses, o uso do Aducanumab retardaria 4 meses de avanço da doença.
Essa avaliação é feita por meio de um teste de memória com os voluntários. Nesse primeiro teste, a dose baixa do medicamento não mostrou diferenças significativas quando comparada com o grupo placebo. No segundo teste, nem a dose baixa e nem a alta mostraram benefícios aos pacientes.
O uso do medicamento também não é livre de riscos. Os efeitos adversos mais comuns são dor de cabeça, tontura, náusea e vômito. Segundo relatório da Biogen, 40% dos participantes que receberam a dose alta da droga, nos dois estudos, tiveram hemorragias ou edemas cerebrais. Essas condições eram monitoradas por diagnósticos de imagem e tratadas pelos médicos. Nenhum participante dos testes morreu devido aos efeitos.
A decisão
Os dados conflitantes que fizeram o comitê de especialistas não recomendar a aprovação do medicamento. A FDA não costuma ir contra essas sugestões. Entre 2008 e 2015, 78% das decisões sobre a aprovação de medicamentos estiveram alinhadas com o comitê. Nos casos de discordância, em 75% das vezes a FDA foi mais rígida, reprovando ou impondo restrições a drogas que receberam o sinal verde do comitê.
Em nota, a FDA afirma também ter consultado comunidades de pessoas com Alzheimer antes de tomar a decisão. Familiares e pacientes têm esperado ansiosamente por um medicamento que ataque diretamente a doença, e não apenas minimize os sintomas. Em carta, o diretor do departamento de neurociência do FDA, Billy Dunn, também cita que há “uma necessidade médica tremenda que ainda não foi atendida”
O Aducanumab deve ser injetado numa veia do paciente, uma vez por mês. A fabricante Biogen anunciou que o custo anual do medicamento será de US$ 56 mil, o equivalente a R$282 mil pela cotação atual. Todo o procedimento ainda deve ser acompanhado por um médico e inclui diagnósticos e exames recorrentes, o que pode encarecer ainda mais o tratamento.
Até o momento, o medicamento só recebeu aprovação nos Estados Unidos, mas a farmacêutica já solicitou a revisão para as agências regulatórias de outros locais, como União Europeia, Japão e Brasil.
EUA aprovam novo remédio contra Alzheimer – mas não há consenso sobre sua eficácia Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
Nenhum comentário:
Postar um comentário