sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Covid-19: vacina de dose única e novo remédio podem chegar ao Brasil

A Biomm, empresa brasileira de biotecnologia, anunciou uma parceria com a chinesa Cansino para trazer ao país a vacina Convidecia, contra o coronavírus. O imunizante é parecido com o da Janssen: também é de dose única, feito com um vetor viral e pode ser armazenado em temperatura de geladeira. 

“Só que, diferente da fórmula da Janssen, que usa o adenovírus 26, essa se baseia no vetor o subtipo 5, o mesmo utilizado na Sputnik, que envolve alguns desafios, como uma manipulação mais difícil no laboratório”, aponta o infectologista Renato Kfouri, da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm)

Segundo dados divulgados pela Cansino, a Convidecia tem eficácia de 68,83% para infecções no geral e de 95% para casos graves de Covid-19. 

A ideia é primeiro importar e, depois, produzir o imunizante na fábrica da empresa em Nova Lima (MG). Ainda não há data para isso acontecer, pois antes é preciso obter a autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Biomm e Cansino trabalham agora no dossiê que será submetido aos reguladores.

Histórico conturbado

A Anvisa chegou a receber um pedido para importação da mesma vacina em maio, feito pela Belcher Farmacêutica, mas cancelou sua análise em junho, por conta de um “desacordo” entre a Cansino e sua representante nacional. Na ocasião, a chinesa informou à Anvisa que buscaria um novo parceiro. 

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Meses mais tarde, em agosto, revelou-se o possível cerne do desacordo. A Belcher foi alvo de investigações por suspeitas de corrupção na venda das vacinas ao Ministério da Saúde, que levaram à convocação do diretor para depor na CPI da Covid. 

A primeira representante, que fabricava genéricos de antibióticos e substâncias controladas, não tinha experiência com imunobiológicos. Agora parece ser diferente. A Biomm, nova proponente, é uma empresa de biotecnologia de capital aberto [listada na bolsa de valores], com experiência nesse tipo de produto e contas a prestar aos investidores. 

O que diz a Biomm

Conversamos com o CEO da empresa, Heraldo Marchezini, sobre o futuro da parceria:  

VEJA SAÚDE: Como a Cansino chegou até a Biomm? 

Marchezini: A Biomm é uma empresa pioneira na área de biofarmacêutica. Atualmente, produzimos cinco biomedicamentos [obtidos a partir da manipulação de material biológico, como células], todos frutos de parcerias e alianças com empresas internacionais, então já estávamos nessa rede. 

A Cansino nos procurou primeiro buscando capacidade produtiva para a vacina. Numa fase seguinte, avançamos a negociação para outras possibilidades, como a importação e venda aqui no Brasil. O contrato que assinamos engloba todo o controle de qualidade, a farmacovigilância e a logística. 

Hoje, toda nossa distribuição já é feita em cadeia de frio e preparada para a complexidade dos biomedicamentos. Nossa fábrica em Nova Lima (MG) é muito moderna, já recebeu investimentos de U$90 milhões de dólares, e tem capacidade de produzir 20 milhões de frascos de vacina ao ano, que podem ter até 20 doses cada um. 

Quais são os próximos passos para que a vacina chegue ao Brasil? Qual é a previsão para que isso aconteça? 

Primeiro, é necessário obter a aprovação da Anvisa para importar o produto já pronto da China. Com isso, nosso objetivo é ofertar a vacina ao Ministério da Saúde para que ela seja incluída no Programa Nacional de Imunizações (PNI). 

Em paralelo, vamos qualificar a fábrica para a produção, mas as adaptações necessárias provavelmente não serão significativas. Nossa expectativa é de fazer rapidamente esse trabalho inicial, que é constituir o dossiê com a Cansino. Como a vacina já está sendo usada em vários países, como Chile, Argentina e México, boa parte da documentação já está pronta. 

É complicado dar uma data exata, mas estamos com todos os nossos esforços concentrados nisso. 

Vocês já estão em contato com o Ministério da Saúde? 

Ainda não começamos as negociações com o órgão. 

A ideia é que a vacina seja usada em que contexto? 

A vacina foi testada e aprovada para pessoas acima dos 18 anos. Sua utilização será definida pelo PNI, porque isso varia de acordo com o desenrolar da campanha de imunização brasileira. Há estudos em andamento na China com crianças e adolescentes, dos 6 aos 18 anos, e outro avaliando se ela poderia atuar como uma terceira dose

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A pesquisa feita nesse sentido é de especial interesse para o Brasil, pois avalia a aplicação da Convidecia depois de duas doses de vacinas de vírus vivo inativado [como a Coronavac]. E temos indícios positivos de que ela se sai bem nesse cenário, ampliando tanto a efetividade quanto o tempo de proteção. 

Além disso, está em estudo uma versão inalável do imunizante, e dados não publicados da Cansino mostram efetividade da versão já em uso contra a variante delta.

Mudando de assunto: primeiro antiviral para Covid-19 pode vir aí

<span class="hidden">–</span>Merck/Divulgação

Na esteira das boas novas (a serem concretizadas) na luta contra o coronavírus, um novo medicamento pintou no horizonte. Trata-se do antiviral molnupravir, da Merck, o primeiro desenvolvido especificamente contra a Covid-19. Segundo a farmacêutica, ele demonstrou reduzir em 50% o risco de morte pela doença. 

No estudo de fase 3, o medicamento foi usado no início dos sintomas, em pessoas em alto risco de desenvolver quadros graves da infecção. A análise incluiu dados de 775 pacientes, metade recebendo placebo, metade o medicamento, que é um comprimido. 

Nos primeiros 29 dias da pesquisa, 53 dos voluntários que tomaram o placebo morreram ou foram hospitalizados. Entre o time que tomou o molnupravir, houveram 28 registros de hospitalização e nenhuma morte. 

A magnitude do resultado levou à interrupção precoce do estudo. Isso ocorre quando a diferença entre placebo e medicamento, para o bem ou para o mal, fica muito óbvia ao comitê independente, que sempre avalia pesquisas com medicamentos. Neste caso, o benefício ficou evidente logo. 

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A Food and Drug Administration Agency (FDA), entidade que regula medicamentos nos Estados Unidos, também foi consultada sobre o assunto. A expectativa é que o comprimido seja aprovado em breve por lá. Em nota, a fabricante avisa que submeterá o pedido à Anvisa também.

Como o estudo ainda não foi revisado por outros cientistas e publicado em periódicos científicos, o que deve acontecer no fim do ano, fica a dúvida. Afinal, o que tirar desses resultados? Eis a resposta do infectologista Leonardo Weissmann, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e do Instituto Emílio Ribas: 

“Embora sejam resultados preliminares, os dados apresentados pela Merck são bastante promissores. Parece que teremos, em breve, o primeiro medicamento que seja realmente eficaz no tratamento precoce da Covid-19, usado nos primeiros 5 dias de sintomas, prevenindo formas graves e críticas da doença, assim como hospitalizações e mortes”.

“Porém, ainda precisaremos esperar um pouco mais antes de comemorar. Mais dados, especialmente de segurança, ainda são necessários”, ressalta o médico.

Biotecnologia para o futuro

Por fim, são dignos de nota os avanços que as empresas de biotecnologia estão trazendo para a medicina durante a pandemia. As vacinas de RNA mensageiro, as de adenovírus e outras tecnologias inovadoras vieram delas. 

E o próprio molnupravir também nasceu em uma companhia relativamente pequena de biotecnologia, sem fins lucrativos, a DRIVE, ligada à Universidade Emory, nos Estados Unidos. Agora incorporado ao portfólio de uma gigante farmacêutica, em parceria com outra empresa de biotecnologia, a Ridgeback, quiçá vai sair do papel e alçar novos voos. 

É animador saber que temos representantes nacionais, como a Biomm, nesta seleta rede de indústrias high-tech. Estamos de olho nos próximos avanços, e na torcida para que mais vacinas e remédios cheguem de fato ao país. 


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