terça-feira, 24 de maio de 2022

Memes escancaram preconceito a idoso na pandemia da Covid-19

Independentemente de qualquer crise financeira, sanitária, política ou social, a chamada “indústria dos memes” funciona a todo vapor. Os memes, essas mensagens em tom jocoso ou irônico que são compartilhadas na internet, muitas vezes acompanhadas por imagens ou vídeos, já são uma marca registrada destes tempos.

E estiveram bem presentes durante a pandemia do coronavírus, um episódio de tanta angústia e incerteza para a humanidade.

No início de 2021, o isolamento social, uma das principais medidas adotadas para frear o contágio pelo vírus, era um dos assuntos mais abordados no dia a dia e, claro, foi intensamente explorado pelos memes.

É natural que, em momentos de tanto estresse, recorra-se ao humor em busca de algum alívio ou escapismo. Porém, alguns desses memes focavam em ilustrar estereótipos de uma minoria já abalada pelas consequências da pandemia: os idosos, um dos grupos de maior risco para a doença.

Esse fenômeno foi tema de um artigo publicado na revista científica Estudos da Linguagem sob o título “Memes de pessoas idosas no contexto da pandemia de Covid-19: estereótipos e simulacros”, de autoria da professora Anna Flora Brunelli, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Sua pesquisa se debruçou sobre memes com idosos bastante difundidos. Um deles, conhecido como “cata-velho”, buscou fazer humor com a necessidade de se tirar a população idosa de circulação e, para isso, propõe a utilização de um caminhão que recolheria os mais velhos nas ruas.

+ LEIA TAMBÉM: Outros artigos do espaço “Chegue Bem”, da geriatra Maísa Kairalla

Com mais de uma versão circulando pela internet, esse meme parece ignorar que, por mais que fosse necessário evitar aglomerações e ficar em casa, há motivos que poderiam justificar que um idoso saísse às ruas, como ir ao médico e comprar comida ou medicamentos. Traz à memória, ainda, a prática da carrocinha, veículo usado pelos serviços de controle de zoonoses para retirar animais das ruas.

Exemplo de meme que circulou no país em meio à pandemia.Imagem: Domínio público/Divulgação
Continua após a publicidade

Um segundo meme, também popular, era composto pela foto de uma idosa e pelos dizeres “vendo gaiola para idoso teimoso: parcelo em 10 vezes”, associando velhice a teimosia. Não tem graça: a pretensa solução viola inclusive o Estatuto do Idoso.

Mas quais são os problemas com esses memes, afinal? Além de claramente trabalharem em cima de estereótipos negativos acerca da população idosa, eles violentam a humanidade, a dignidade e a autonomia desse grupo ao retratá-lo como seres teimosos, que devem ser enjaulados e marginalizados.

+ LEIA TAMBÉM: A nova cara e os desafios da velhice

A criação e o compartilhamento dessas piadas de mau gosto só colaboram para o aumento do ageismo, o preconceito contra os mais velhos. Essa discriminação parte da ideia de que todos os idosos são frágeis, dependentes e limitados, fomentando práticas como segregação, tratamento infantilizado, preterimento no mercado de trabalho e negligência nos serviços de saúde.

É preciso compreender que a velhice é heterogênea e cada um irá experimentá-la de uma maneira distinta. Há aqueles que precisam de mais suporte, enquanto outros chegam aos 90 anos lúcidos e independentes. O fato é que muitos memes, no intuito de divertir, acabam insuflando preconceitos. No mínimo, devemos ponderar e refletir a respeito antes de passá-los para a frente.

Compartilhe essa matéria via:

Não estou aqui para ser uma inimiga do humor. Rir é fundamental para chegar bem à velhice: a alegria e a diversão fazem o corpo liberar hormônios que contribuem para o nosso bem-estar. Mas temos responsabilidade com aquilo que produzimos e compartilhamos pela internet, e ela também é reflexo de nossa sociedade.

Assim, fica a pergunta: que sociedade queremos ser e como queremos tratar os nossos idosos? Lembre-se de que você mesmo, se ainda não é, um dia será um deles!

Continua após a publicidade

Memes escancaram preconceito a idoso na pandemia da Covid-19 Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário