Um dos motivos para os cigarros eletrônicos ganharem adesão, principalmente entre os jovens, é a venda da ilusão de que são modernos e menos nocivos à saúde, emprestando certo glamour ao vício. Nenhuma novidade: os mais velhos devem se lembrar de como a indústria propagandeava uma falsa associação do ato de fumar com sucesso, riqueza e coisas boas da vida.
Mas a ideia de os vapes serem “cigarros evoluídos” só projeta uma cortina de fumaça sobre a verdade. Apesar de não expor o usuário ao monóxido de carbono, uma vez que não ocorre combustão (o aquecimento é feito por bateria), o cigarro eletrônico promove a dependência de nicotina. Alguns modelos (os pods), inclusive, funcionam com o “sal de nicotina”, que produz dependência mais rápida que o cigarro convencional.
Uma vez inalada, essa substância estimula a liberação de neurotransmissores como a dopamina, responsável pela sensação de prazer, bem-estar e relaxamento. O reverso desta medalha, porém, é que a mesma nicotina libera adrenalina, que acelera o coração, aumenta a pressão arterial e produz danos nas paredes das artérias – circunstâncias que podem levar ao infarto e à morte súbita.
Mas o filme de terror não termina aí: os eletrônicos emitem mais nanopartículas que os cigarros convencionais. Estas partículas ultrafinas (100 nanômetros) podem disparar crises de asma e lesionar a parede interna dos vasos sanguíneos, corroborando, uma vez mais, para o infarto e o AVC.
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E não é necessário ser um fumante assíduo para colecionar prejuízos. Um cigarro – convencional ou eletrônico – já é suficiente para causar constrição da artéria. A nicotina é tão nociva que uma única tragada provoca endurecimento de artérias, exigindo do músculo cardíaco mais esforço para trabalhar. Aliás, há registro de aumento de mortes por doenças cardiovasculares entre os jovens nos últimos anos, coincidindo com a popularização mundial do dispositivo.
O coração é apenas mais um na fila dos órgãos e sistemas do corpo prejudicados pela nicotina. O pulmão também está no topo da lista de órgãos afetados. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o tabagismo é a principal causa de morte evitável no planeta e os fumantes têm cerca de 20 vezes mais risco de desenvolver câncer de pulmão.
O sistema reprodutor é outro alvo: para os homens, o presente de grego é a infertilidade e a disfunção erétil, inclusive em adolescentes. Vários estudos comprovam a relação entre o vape e a impotência em jovens. Já para as mulheres, há risco de menopausa precoce e até de AVC para aquelas que fumam e usam pílula anticoncepcional.
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Publicidade enganosa no século 21
Assim como ocorreu com o cigarro convencional a partir de meados do século 20, quando as propagandas pró-tabagismo tinham como alvo os jovens, os fabricantes dos eletrônicos também miram neste público. Não por acaso: quando o vício começa cedo, há mais chance de este consumidor se tornar fiel e fumar por, em média, 30 anos. E a estratégia parece dar certo: pesquisas indicam que 90% dos fumantes começaram na adolescência.
Mas se antes a indústria cinematográfica, televisiva e a publicidade eram a vitrine, agora as redes sociais e os influenciadores digitais fazem esse papel, fisgando seguidores para torná-los adeptos do vape. No Brasil, o Projeto de Lei 5087/20 proíbe a produção, importação, publicidade e comercialização de cigarros eletrônicos. Recentemente, um relatório preliminar da Anvisa analisou o impacto regulatório que a liberação dos dispositivos eletrônicos para fumar traria a toda sociedade. O documento mostra claramente que a legalização da venda será um tiro no pé, com amplos riscos para a saúde pública.
Mesmo com as restrições impostas pela legislação, os dispositivos são facilmente comprados pela internet, o que pode explicar por que 70% dos usuários no país têm entre 15 e 24 anos. O cérebro dos adolescentes está em desenvolvimento e a exposição à nicotina é capaz de mudar a maneira como o órgão funciona, causando aumento da impulsividade e transtornos de humor, entre outros.
Cigarro e cigarro eletrônico não são brincadeiras
Não precisa de muito para que a dependência seja instalada. A quantidade de nicotina correspondente a dois cigarros por semana já é suficiente. E largar o cigarro é uma luta, que fica ainda mais feroz quando a dependência se instala precocemente.
Estimativas da SOCESP – Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo –, com base em estudos nacionais e internacionais, apontam que só entre 3 e 5% daqueles que tentam parar de fumar sem ajuda são bem-sucedidos.
Fica fácil entender porque é tão difícil deixar esse vício, apesar de todos os malefícios comprovados e até experimentados pelo fumante. A recompensa cognitiva que o ato de fumar traz estimula a reincidência, enquanto a abstinência acarreta sintomas desagradáveis, como irritação, ansiedade, depressão e aumento do apetite e insônia.
Por isso, mesmo entre aqueles que se dispõem a largar o cigarro, é difícil passar pelo processo sem ajuda. Existem tratamentos para parar de fumar que podem incluir reposição de nicotina e medicamentos que, a critério médico, serão escolhidos. O tratamento não é para a vida toda, dura três meses.
Parar de fumar não é substituir um produto por outro, como alguns usuários do eletrônico afirmam. A adoção do conceito de redução de danos, indevidamente apropriada pela indústria do tabaco, não passa de mais uma estratégia de marketing. Os dados de países que incorporaram esta estratégia substitutiva, como Estados Unidos e Inglaterra, mostram mortalidade cardiovascular crescente, inclusive entre populações mais jovens.
O cigarro não é brincadeira e largar o cigarro é mais sério ainda. Buscar auxílio profissional é o caminho mais curto e seguro para se livrar deste mal.
*Jaqueline Scholz, especialista em tratamento do tabagismo e assessora científica da SOCESP – Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo
Tabaco veste roupa nova, mas continua prejudicial à saúde Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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