Para muitas pessoas, transformações são aterrorizantes. Não é exatamente fácil sair da zona de conforto e aventurar-se em ambientes desconhecidos.
As mudanças podem vir acompanhadas de um sentimento de saudosismo e uma sensação de piora em relação ao passado. Geram ansiedade e resistência.
Mas ganham outro prisma quando aceitamos essa condição como parte da nossa evolução.
A humanidade vem presenciando um gigantesco desenvolvimento a partir da ciência e do próprio capitalismo. Com o passar das décadas, temos nos habituado à ideia de que o sistema econômico atual é infalível e eterno em seu processo de melhoria contínua.
Mas as causas que nos trouxeram até aqui deveriam ser analisadas com profundidade para a preservação das conquistas alcançadas, como o avanço da medicina, a queda na mortalidade infantil, o aumento da expectativa de vida e a redução de mortes por guerra, doença e fome. A despeito dos pessimistas, o fato é que a humanidade se encontra hoje melhor do que nos séculos passados.
O conflito entre Rússia e Ucrânia nos dá um exemplo da complexa interdependência das nações e o papel do comércio internacional como instrumento de defesa e regulação da força, tornando os países em geral menos predispostos a guerras.
O precursor do que chamamos hoje de economia, Adam Smith, era um professor de filosofia moral que teceu as primeiras reflexões sobre como as relações humanas afetam o desenvolvimento das nações. Elementos como ambição, amor-próprio, egoísmo, altruísmo e gratidão mantêm um elo direto com a maneira como as comunidades se relacionam e prosperam.
As trocas entre os homens estariam baseadas nos interesses de cada um, mas o saldo para a sociedade se torna positivo. Contudo, a história também nos ensinou que, após inúmeras crises no sistema capitalista, o modelo laissez faire absoluto pode ser danoso, necessitando por vezes de intervenções pontuais dos governos.
De qualquer forma, a magia da liberdade humana continua sendo a fonte de transformação, desenvolvimento e bem-estar da sociedade.
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No livro The Origin of Wealth (“a origem da riqueza”, em português), o economista Eric Beinhocker compara a complexidade do sistema econômico à do sistema biológico. Ambos são passíveis de evolução, promovendo trajetórias como a do homem que saiu da Idade da Pedra rumo a um mundo tecnológico e globalizado com PIB de 100 trilhões de dólares em 2022 — e com chances bem maiores de viver mais e menos doente.
Isso tem muito a ver com a ciência. É no Iluminismo que o modelo econômico se liga decisivamente ao desenvolvimento científico, na esteira de um movimento que estimula a liberdade de pensar e de agir.
A chamada Revolução Científica, gestada a partir do século 16, transformou a percepção do mundo natural e estabeleceu a superioridade da observação e da experimentação como regra para a busca do entendimento, derrubando a lógica dedutiva aristotélica. É assim que nascem a física, a química e a biologia modernas.
No entanto, o determinismo e a rigidez científica, alicerces da evolução dessa nova sociedade, também passaram a ser questionados no século 20. Em 1962, no livro A Estrutura das Revoluções Científicas, o físico e filósofo Thomas Kuhn estabelece o conceito de paradigma, afirmando que, mais do que um movimento contínuo e gradual, a ciência também pode ser entendida por meio de processos de ruptura e deslocamento da percepção da verdade por vias até então não desbravadas.
Questionando um paradigma iniciado por René Descartes, o autor pondera como a busca por dados, comprovações ou refutações de um fenômeno, dentro da perspectiva vigente, ignora saberes e detalhes potencialmente relevantes para a obtenção da verdade, sustentando apenas o status quo.
Foi desse modo que, durante décadas, mestres e manuais perpetuaram e nortearam a atividade e o conhecimento científico, afastando seus dissidentes e adiando potenciais descobertas. Para Kuhn, o progresso científico não ocorre somente por evoluções lineares, mas também por rupturas e renascimentos — isso caracteriza a revolução científica e a substituição de paradigmas e conceitos.
A história da ciência, e do entendimento sobre a vida, o corpo e o universo, está repleta de exemplos assim. E essas mudanças podem assustar, porque, em muitos momentos, o “novo” é antagônico ao “normal”.
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Assim como na ciência, a economia também teve um pensador de visão revolucionária, Joseph Schumpeter. Com um olhar diferente sobre a dinâmica social, ele colocou a inovação e a destruição criadora como pilares transformadores do sistema econômico.
Uma trama protagonizada por empresários, líderes e mentes empreendedoras que impacta a organização da sociedade, estimula a ciência e a tecnologia e promove os “êxitos da civilização moderna”, que “são, direta ou indiretamente, produto do processo capitalista”, apesar de todas as suas injustiças e ineficiências históricas.
Nesse meio surgem novos agentes, mais aptos a correr riscos que os atores tradicionais, ajudando a promover um ambiente de concorrência e descontinuidade por trás da ascensão e queda de grupos econômicos. No final, é a sociedade que tira proveito dos frutos desse ambiente e de suas inovações.
Aí estão as forças de conceitos como destruição criadora e mudança de paradigma, que tanto conversam com os progressos na medicina e no bem-estar. Entender essas ideias, e seu percurso, é essencial para preservar o que já foi conquistado e abrir, com a devida (auto)crítica, rotas que escapem dos saudosismos e das simplificações ideológicas, balizando a construção de um mundo mais saudável e sustentável.
Veremos grandes transformações e mudanças na forma de interação entre pessoas, lideranças, consumidores, universidades e empresas nas próximas décadas, mas isso não significa que os motores de propulsão que nos trouxeram até aqui estão sob risco. Significa que a energia do ser humano — esse ser egoísta e, ao mesmo tempo, capaz de atos de coragem e altruísmo — será direcionada a outros propósitos, mais universais e humanistas.
Essa complexidade faz parte da pulsão da vida. Enquanto tivermos a liberdade de nos alimentar dessa pulsão, que nos faz existir e pertencer, estaremos criando um mundo ainda melhor, sem medo da inexorabilidade da mudança.
* Mohamed Parrini é economista, mestre em filosofia e CEO do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre
A origem da inovação: rupturas por trás do progresso científico e social Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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