sexta-feira, 9 de abril de 2021

Pela 2ª vez no mês, físicos anunciam evidências de nova força da natureza

No finalzinho de março, você leu na Super que a equipe do LHCb – um dos quatro experimentos centrais do acelerador de partículas LHC, localizado na fronteira da Suíça com a França – divulgou uma observação que se desvia do Modelo Padrão, a teoria vigente na física de partículas desde 1973.

Agora, um novo experimento, desta vez no laboratório americano Fermilab, rendeu outra observação anômala que pode levar à mesma conclusão: a descoberta de uma nova força fundamental da natureza e sua partícula correspondente.

Essa força faria as partículas se relacionarem de maneiras diferentes das permitidas pelas forças familiares do público leigo, como o eletromagnetismo e a gravidade (ou não tão familiares, como a força forte – que mantêm o núcleo do átomo coeso).

Para entender a notícia, este repórter sugere fortemente que o leitor recém-chegado ao assunto dê uma olhada no texto de março, que é mais longo e explica o estado atual da investigação do mundo microscópico pelos físicos. Mas aqui vai um resumo. Até o século 19, os físicos pensavam que os menores componentes da matéria eram os átomos, que podem pertencer a vários elementos: carbono, hidrogênio, oxigênio etc. Com a descoberta do elétron por J.J. Thompson em 1897, ficou claro que os átomos em si eram feitos de partículas ainda menores.

Quase um século de avanços levaram, em 1973, ao chamado Modelo Padrão: um conjunto de equações e números que descreve as 17 partículas fundamentais da natureza. Elas são, até onde nós sabemos, as menores coisas que existem – os tijolinhos básicos por trás de toda a matéria e energia que nos cerca.

O problema é esse “toda” ali no parágrafo anterior: o Modelo Padrão deixa de fora algumas descobertas da física do século 20 que estão na fronteira da nossa compreensão do cosmos. Ele não diz nada sobre chamadas matéria escura (que apesar de indetectável têm uma influência gravitacional clara, perceptível na rotação das galáxias) e energia escura, responsável pela expansão acelerada do Universo. Outra lacuna é que ele não é capaz de incorporar a força da gravidade em seus cálculos.

Além disso, o Modelo Padrão está repleto de valores que sabemos que estão certos (são, ao todo, 29 dos chamados parâmetros livres), mas não sabemos por quê – eles são oriundos de observações, mas não parecem seguir um padrão ou ter muita hierarquia entre si.

Por causa disso, a comunidade de físicos de partículos passou as últimas décadas buscando anomalias em resultados experimentais – observações que não coincidem com os resultados previstos pelo Modelo Padrão. Eles querem encontrar uma falha, pois essa falha pode indicar um novo caminho para a física. Uma nova teoria, mais abrangente, que aperfeiçoe o Modelo Padrão e dê conta de suas limitações.

No mês passado, o LHC analisou dados coletados em diversas colisões entre partículas desde 2014 e concluiu que uma partícula chamada quark bottom, ao sofrer um certo tipo de decaimento, dá origem a quantidades desiguais de outras duas partículas, os elétrons e os múons (que são idênticos aos elétrons em tudo, menos a massa, que é 207 vezes maior). São 85 múons para cada 100 elétrons.

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A questão é que o Modelo Padrão previa uma divisão perfeita, de um múon para cada elétron. Essa discrepância entre a previsão teórica e o resultado prático pode ser culpa de uma força da natureza desconhecida, diferente da gravidade e do eletromagnetismo – e que pode ter algo a ver, por exemplo, com o problema da matéria escura.

A confiabilidade dessa observação é de 3,1 sigma – o que significa, no jargão dos físicos, que há apenas 1 chance em 1000 de que ela seja uma flutuação estatística aleatória ou um alarme falso. Parece bastante, mas uma descoberta só é confirmada com 5 sigma. A nova observação, realizada pela equipe Múon g-2 do laboratório Fermilab, em Chicago, nos EUA, é de 4,2 sigma.

Essa observação diz respeito a algo totalmente diferente do decaimento do quark bottom. Os físicos do Fermilab estavam testando uma características dos múons chamada “momento magnético”. Eles queriam descobrir se a observação dessa partícula na prática correspondia às previsões de um cálculo feito por uma colaboração internacional com 132 cientistas. Para fazer isso, eles verificam o quanto o múon oscila (como um quadril de sambista) conforme dá voltas em torno de um anel magnetizado.

Partículas muito pequenas estão sujeitas a fenômenos quânticos que não ocorrem na escala humana. Elas produzem pares de partículas e antipartículas menores que brotam do nada e se aniquilam rapidamente (porque são, por assim dizer, opostos complementares). Esses acontecimentos efêmeros mexem com o momento magnético. Como os múons são particularmente gordos, eles também geram partículas gordas com mais frequência, e nisso pode brotar algo que nunca observamos – e que explique, de alguma forma, fenômenos como a matéria escura.

Neste momento, há um debate nos bastidores sobre se de fato houve uma anomalia de 4,2 sigma – o que significaria a certeza quase absoluta de encontramos física além do Modelo Padrão – ou se novos métodos para calcular o momento magnético do múon que não existiam na década de 90 (quando esse experimento foi idealizado e iniciado) podem explicar essa observação sem abalar os pilares do arcabouço matemático atual.

Enquanto isso, ao longo dos próximos dias, uma enxurrada de papers com propostas para explicar a misteriosa observação deve inundar os servidores de pre print – que funcionam como fóruns de discussão altamente qualificados, onde cientistas podem ler e discutir trabalhos ainda não revisados nem publicados. A comunidade dos físicos está ouriçada, apesar da pandemia ter praticamente interrompido o trabalho prático: podemos estar diante de nada – ou de um evento histórico.

 

 

 

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