domingo, 5 de setembro de 2021

Solidariedade em tempos difíceis: todos podem ser um agente transformador

Fico pensando no que estamos fazendo ou ainda faremos para sair dos estragos trazidos pela pandemia do coronavírus. É claro que a vacina no braço é o primeiro passo para que consigamos sair da inércia e voltarmos a um normal. Afinal, o saldo de vidas perdidas é enorme e indescritível: são mais de 560 mil.

Mas, enquanto o imunizante não chega para todos, outros efeitos colaterais que vão além da saúde continuam acontecendo e podem perdurar por um bom tempo se não arregaçarmos as mangas para curar algumas dores, como a falta de comida na mesa de tantas famílias, a desigualdade social que foi escancarada e a educação que ficou em último plano desde o início desta crise.

Entramos todos juntos nessa pandemia e não há outro jeito de sairmos dela se não for por meio da união. Aliás, esse deve ser o aprendizado que devemos levar desse período de isolamento. Só conseguiremos seguir em frente se estivermos em sincronia e lutando pelos mesmos objetivos.

Vejo que empresas privadas, organizações não governamentais, governos federais, estaduais e municipais e líderes de todas as esferas precisam estar juntos para traçar ações e ajudar as pessoas mais vulneráveis. Se isso não for feito quanto antes, os estragos poderão durar bem mais do que o previsto. Nesse caso, sabemos que, ao juntar as expertises de cada um, podemos fazer a diferença e trilhar um Brasil bem melhor nos próximos anos.

Mas por onde começar? Primeiro, precisamos observar a situação com olhos de solidariedade e entendermos onde podemos atuar, quem podemos movimentar para tal ação e como faremos. No território nacional, não faltam problemáticas que precisam ser sanadas.

Tenho olhado muito para os refugiados venezuelanos, que têm sofrido com a questão da Covid-19 e seus efeitos perversos. De acordo com o Conare (Comitê Nacional para Refugiados), ao final de 2020 existiam cerca de 57 mil refugiados reconhecidos no Brasil. Destes, cerca de 46 mil são da Venezuela, o que faz com que o território nacional tenha o maior número de pessoas do país vizinho com status de refugiado reconhecido, segundo a agência da ONU para refugiados (ACNUR). Muitos deles dependem do trabalho informal, altamente impactado pela crise.

As crianças refugiadas também são atingidas pelo desemprego e a vulnerabilidade de seus pais. Vale lembrar que, nesse caso, a educação também passa por um processo difícil durante a crise sanitária, fazendo com que esses jovens abandonem também o ambiente escolar. Afinal, o mundo digital não chega para todos.

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O relatório “Unindo Forças pela Educação de Pessoas Refugiadas”, divulgado pela ACNUR, revela que crianças refugiadas têm sido particularmente desfavorecidas. Antes da pandemia, elas tinham duas vezes mais chances de estar fora da escola do que uma criança não refugiada. Dados do censo educacional de 2020 mostram que apenas 37 700 (ou 45%) das crianças venezuelanas estavam matriculadas em escolas — comparadas com mais de 85% de crianças e adolescentes brasileiros.

Isso acende um sinal de alerta para todos nós: se nada for feito com relação às crianças que ficaram fora da escola nesse período de pandemia — refugiadas ou não —, corremos o risco de produzir uma sociedade ainda mais desigual e, no caso dos venezuelanos, intolerante. A história nos mostra que situações-limite, pautadas pelo aumento da pobreza e da desigualdade, costumam ser terreno fértil para a xenofobia e o preconceito.

O caminho é ir atrás de cada criança, principalmente as mais vulneráveis, oferecendo educação, dando oportunidade e fazendo com que continuem projetando seu futuro. Este é o pontapé inicial para virarmos o jogo.

Uma iniciativa para lidar com o cenário atual é o projeto Mi Casa, Tu Casa • Minha Casa, Sua Casa, realizado pelo Jornal Joca, pela Hands On Human Rights e a ACNUR. Ele contempla doação de livros infantojuvenis em português e espanhol (que estarão em armários-bibliotecas nos abrigos para venezuelanos), um crowdfunding e a oportunidade de realizar uma troca de mensagens entre os jovens de todo o Brasil e crianças e adolescentes dos 13 abrigos existentes em Roraima — onde, segundo a ONU, vivem 8 mil venezuelanos e 47% têm entre 0 e 17 anos. Isso sem contar os mais de 30 mil que vivem em situação de vulnerabilidade na cidade de Boa Vista.

Se não tomarmos medidas ousadas e emergenciais para combater os efeitos da pandemia na educação de pessoas refugiadas, o potencial delas ficará ameaçado. Em todas as esferas da nossa sociedade, não podemos deixar que os esforços para driblarmos a fome, a desigualdade, o desemprego, a educação, entre tantas outras questões, sejam perdidos. Podemos fazer alguma coisa, cada um dentro do seu conhecimento ou da sua área de atuação e olhando para as diversas necessidades do nosso país.

A partir do momento que a crise e os riscos se intensificam, nossos esforços para frear e mudar o cenário devem ser também amplos. Só assim sairemos dessa!

* Stéphanie Habrich é fundadora do Joca, único jornal para jovens e crianças do Brasil


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