sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Tainara Sobroza desvenda as línguas e sotaques de macaquinhos amazônicos

Já se perguntou como os biólogos sabem quantos animais existem em uma região? Às vezes, eles precisam contar, mesmo. Na raça. Foi assim que Tainara Sobrosa começou sua relação com primatas, ainda na graduação. Alguns macacos-pregos estavam comendo o milho de propriedades do Rio Grande do Sul, e o trabalho da estudante era contar quantos delinquentes estavam envolvidos no roubo. Sobrosa tocou um chamado territorial da espécie em uma caixa de som para atrair os macacos e facilitar o trabalho. 

Na época, ela usava esse som apenas como uma ferramenta, mas logo a bioacústica passou a fazer parte da sua vida. Tainara cursou biologia na Universidade Federal de Santa Maria, mas fez mestrado e doutorado em Manaus, no Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas. Lá, ela passou a analisar os sons do sauim-de-coleira, uma espécie de primata ameaçada de extinção.

O sauim-de-coleira compete por território com outro primata: o sauim-de-mãos-douradas. Essas espécies raramente são vistas juntas. Eles preferem não partir para o conflito direto, então um precisa avisar ao outro que está ali. Analisando os sons dos dois animais durante o mestrado, Tainara descobriu como eles se comunicam: o sauim-de-mãos-douradas aprendeu a falar a “língua” do sauim-de-coleira. 

Cada espécie possui um chamado territorial próprio, que os primatinhas usam quando estão entre seus iguais. Porém, quando sauins de espécies diferentes começam a se aproximar, o sauim-de-mãos-douradas muda seu chamado para torná-lo mais alto e semelhante ao do sauim-de-coleira. Assim a outra espécie pode compreendê-lo. Você pode ler mais sobre o estudo neste texto.

Depois de entender a relação do sauim-de-coleira com seu principal competidor animal, a pesquisadora foi estudar um outro rival da espécie: a cidade de Manaus. A metrópole se desenvolveu no principal território do sauim-de-coleira, mas a espécie não abandonou a região. Segundo Tainara, há mais de 900 fragmentos florestais em Manaus por onde os primatas circulam.

 

A pesquisadora recebeu uma bolsa de pesquisa da National Geographic para fazer seu trabalho de doutorado. Para monitorar o sauim-de-coleira em Manaus, a bióloga colocou microfones e localizadores em animais que circulam entre cinco fragmentos florestais.

De fato, os sauins tiveram que se adaptar à cidade: eles tornaram os chamados mais lentos e altos, além de evitarem regiões barulhentas de Manaus. “O som deles geralmente é ‘qui qui qui’, mas quando estão na cidade eles fazem ‘quiiii quiiii’”, exemplifica a pesquisadora. Eles prolongam a sílaba para que pelo menos uma parte dela seja ouvida pelos companheiros em meio ao barulho da metrópole.

Se não der para ouvir, os sauins usam uma segunda estratégia de comunicação: o cheiro. Eles deixam mais marcas olfativas nas árvores da cidade do que na floresta. Os sauins possuem glândulas na região genital que liberam compostos com odor caracerístico. Então, eles dão uma “sarradinha” nos troncos para mostrar que passaram por ali. “É como se estivéssemos em uma festa e eu tentasse gritar o seu nome. Você não ia ouvir, então eu começaria a acenar. O cheiro é o aceno dos macacos”, diz a pesquisadora.

Após o doutorado, Tainara pretende continuar trabalhando com bioacústica. Ela pensa em pesquisar maneiras de mitigar o impacto do urbanismo e aumentar a propagação dos sons dos animais pela cidade – por exemplo, plantando árvores mais altas. Atualmente, ela participa de um projeto chamado Amazônia Urbana, que visa a conscientização dos impactos do urbanismo aos animais. Junto com outras duas pesquisadoras, Tainara produziu um livro infantil interativo, que deve estar disponível digitalmente em breve.


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