sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Cygnus X-1, o primeiro buraco negro encontrado, é maior que se pensava

Era uma vez uma estrela na constelação de Cisne (Cygnus) que na verdade não era uma estrela: eram duas.

Até aí, tudo bem. Parece exótico, mas não é tanto assim. Sistemas estelares duplos (como o fictício Tatooine, de Star Wars) ou triplos são familiares aos astrônomos. Como ficam muito distantes, parecem uma estrela só vistos da Terra, a olho nu. Mesmo Alpha Centauri – que é o sistema solar mais próximo de nós, a “apenas” 4,3 anos-luz de distância, e parece uma estrela simples – consiste em três estrelas unidas gravitacionalmente.

Acontece que essa estrela do Cisne, localizda a 6.100 anos-luz da Terra, é um pouco estranha por outras razões. Ela emite raios X – e por isso foi denominada Cygnus X-1. Raios X são ondas eletromagnéticas essencialmente iguais à luz que podemos ver com os olhos, mas de comprimento bem menor e energia mais alta. Eles só são produzidos por fenômenos cósmicos bastante intensos – nada que faça parte do currículo de uma estrela comum.

Cygnus X-1, inclusive, só pôde ser observada pela primeira vez em 1964, graças a um par de contadores Geiger (detectores de radiação) instalados em um foguete. Nossa atmosfera filtra o grosso dos raios X, então observatórios instalados na superfície da Terra não conseguem captá-los.

Ao longo das décadas de 1960 e 1970, as descobertas se acumularam. Os astrônomos puderam determinar que esse estranho sistema duplo consistia em uma estrela gigante azul, com massa algo entre 20 e 40 vezes maior que o Sol, fazendo dupla com um objeto compacto com 14,8 massas solares – o responsável por emitir os raios X. Também perceberam que o objeto compacto era realmente compacto: bem menor que a Terra.

Muitas hipóteses para explicar essa anomalia foram descartadas, e por volta de 1973 a maior parte da comunidade astronômica concordava que esse troço não era uma estrela, nem mesmo uma estrela de nêutrons (que já é algo um bocado denso): era uma ex-estrela, que tinha 60 massas solares e desabou sob a própria gravidade quando ficou sem combustível. Um buraco negro.

Cygnus X-1 virou item da cultura pop. Era o primeiro buraco negro encontrado, décadas depois desses objetos serem previstos na teoria. Em 1977, a banda de prog rock nerd Rush cantou sua morte: “Seis estrelas do Cruzeiro do Norte. / De luto pela morte de sua irmã. / Em um brilho final de glória. / Jamais adornará a noite de novo”. Stephen Hawking apostou com Kip Thorneem 1974 que o dito-cujo não era um buraco negro, e precisou pagar em 1990, diante de evidências muito sólidas.

Como a gigante azul e o buraco negro estão fisicamente muito próximos – um completa uma volta em torno do outro cada 5,5 dias –, Cygnus X-1 puxa para si uma boa quantidade de material que exala da superfície externa de sua companheira estelar (o chamado vento estelar). Esse material entra na órbita do objeto e gira a uma velocidade altíssima, o que gera uma dose cavalar de calor e radiação e explica os raios X.

A nova observação

Agora, um grupo de astrônomos de vários países usou o enorme Very Long Baseline Array – um conjunto de dez telescópios espalhados pelos EUA que operam em sincronia – para realizar um novo cálculo da massa de Cygnus X-1. A nova cifra são 21 massas solares – 6 massas solares a mais que a estimativa canônica.

“Isso mostra que o buraco negro desse binário é o mais gordinho dos conhecidos em sistemas binários”, resume o físico Juliano Neves, da Universidade Federal do ABC. Pode não soar muito relevante falando assim, mas trata-se de um reajuste no valor da massa equivalente a meia dúzia de sóis iguais ao nosso. E o nosso Sol, sozinho, é tão grande que corresponde a mais de 99% da massa de todo o Sistema Solar. Ou seja: é muito coisa. 

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Uma novidade no método empregado é que a rede de telescópios utilizada detecta ondas no comprimento equivalente ao utilizado pelas estações de rádio aqui na Terra. Esse é um outro tipo de radiação eletromagnética, com menos energia (e não mais) que a luz que podemos ver com os olhos. Bem diferente dos raios X, que estão na outra ponta do espectro, a mais energética.

A distância também mudou

Também houve um não tão ligeiro ajuste na distância: aparentemente, Cygnus X-1 está a 7.200 anos-luz da Terra, contra os 6.100 da estimativa original. Vale dizer que o novo cálculo da massa só foi possível porque antes veio o cálculo da distância.

Para entender o método utilizado determinar a distância de um objeto cósmico a partir da luz que ele emite, comece erguendo um dedo na frente dos seus olhos. Agora feche um olho e depois o outro olho, sem mover o dedo. Você vai perceber que o dedo aparenta mudar de posição. Na verdade, não mudou: é que os olhos estão em lugares diferentes da sua cabeça. Se você esticar o braço para afastar o dedo e repetir o processo, essa distorção será menor, porque o dedo está mais distante.

A Terra gira em torno do Sol. Quando nosso planeta está em lados opostos da estrela, ele sofre do mesmo fenômeno: é como se a imagem feita pelo telescópio do lado “de cá” do Sol equivalesse a um olho, e a imagem feita do lado “de lá”, ao outro olho (não que exista lado de cá ou lado de lá, é claro. É só uma figura de linguagem. O Sol é redondo, não tem lados). Quanto mais o objeto se deslocar na mudança de perspectiva, mais próximo ele está de nós. Do mesmo jeito que o dedo mais próximo parece mudar mais de posição.

O que vem agora?

Esses novos dados sobre Cygnus X-1, caso se confirmem, tem potencial para mudar a maneira como teorizamos o processo de formação de buracos negros – e a vida das estrelas que dão origem a eles.

Um buraco negro de origem estelar com massa tão elevada (e formado em uma data relativamente recente) ainda não teve tanto tempo de acretar toda a matéria de que precisaria para engordar de forma considerável. Isso significa que boa parte de sua massa veio da estrela que lhe deu origem.

O problema disso é o seguinte: os modelos de evolução estelar utilizados atualmente indicam que as estrelas perdem uma quantidade razoável de massa ao longo da vida graças aos ventos solares – aqueles fluxos de material que suas camadas mais superficiais expelem em direção ao espaço aberto. Essa perda significa, em princípio, que o buraco negro não deveria ter matéria-prima suficiente para se formar já com um tamanho peso-pesado.

“A ideia, então, é modelar melhor, matematicamente, a evolução das estrelas que conduzem a buracos negros”, diz Juliano Neves. E, desta forma, explicar como Cygnus X-1 se tornou tão grande.

 

 

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