sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Doenças raras: questões e desafios que todo mundo deveria conhecer

Elas englobam uma ampla gama de problemas, na maior parte das vezes desencadeados por desordens genéticas. Pelo mundo afora, são catalogadas entre 6 mil e 8 mil doenças raras, cada uma abrangendo não mais do que 65 casos em grupos de 100 mil habitantes.¹ No conjunto, porém, vale ressaltar, estamos falando de cerca de 13 milhões de brasileiros² vivendo com alguma dessas condições marcadas por sintomas variados e cuja progressão pode levar à incapacitação e à morte ainda na infância. O diagnóstico precoce é a chave para amenizar essa evolução e proporcionar mais qualidade de vida aos pacientes – mas os relatos das famílias em geral descrevem uma jornada de dificuldades, tanto na identificação da doença quanto no acesso aos tratamentos.   

Como informação e conhecimento são primordiais para mudar esse cenário, em 2008 a Organização Europeia de Doenças Raras (Eurordis) instituiu o último dia do mês de fevereiro como Dia Mundial das Doenças Raras. Participando dessa rede de atividades em prol da conscientização sobre a realidade dessa população, um webinar patrocinado pela Takeda reuniu especialistas no dia 25 de fevereiro para debater o tema, falar sobre a jornada dos pacientes e refletir sobre os caminhos capazes de facilitar o acesso ao cuidado integral.

O desafio do diagnóstico

 “É muito difícil classificar essas condições, que são muitas e diversas entre si”, afirmou Ida Schwartz, chefe do serviço de genética médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, referência em doenças raras. Para complicar, continuou a médica, há pouca ênfase na formação dos profissionais de saúde em relação a esse grupo de doenças, daí a demora em levantar suspeita e encaminhar o paciente ao especialista. 

Na maior parte das vezes, as doenças raras têm origem em alguma desordem genética, e a vasta gama de sintomas, muitos deles inespecíficos, é um dos fatores por trás da demora na identificação do problema. “Há síndromes em que a criança apresenta sinais desde o nascimento. Nasce menor do que o esperado, com algum problema no coração ou intestino”, explicou Ida. Em outros grupos, o bebê se desenvolve bem até uma determinada idade e de repente começa a ter uma regressão neurológica, deixa de ter uma capacidade que já tinha adquirido. “Existe ainda a criança que entra em crise ao comer determinado alimento, caso de quem sofre de frutosemia, a intolerância à frutose, ou seja, o problema aparece só quando as frutas são inseridas na alimentação”, exemplificou a médica.

A diversidade dos sinais também faz com que algumas doenças raras sejam confundidas com outras enfermidades. É o caso da doença de Fabry, distúrbio no qual uma mutação nos genes resulta na falta ou deficiência de uma enzima que impede o processamento de uma substância, uma espécie de gordura, que acaba se acumulando em diferentes órgãos. “As primeiras manifestações acontecem por volta dos 5 anos de idade, com o aparecimento de dores nas mãos e nos pés”, descreveu Ida Schwartz. Se o pediatra não está familiarizado com as características dessa condição, acaba tratando como se fosse um problema reumatológico, por exemplo.

Para algumas doenças raras, a peregrinação em busca do diagnóstico é  tão longa, que chega a ultrapassar uma década. “O último levantamento sobre angioedema hereditário mostrou que essa espera leva em média de 17 anos”, contou Solange Valle, chefe do serviço de imunologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Com um quadro marcado por inchaços e dores pelo corpo, o problema acontece pela falta de uma proteína que regula algumas reações inflamatórias no organismo. Na saga para saber a razão do sofrimento, a pessoa passa por alergistas, infectologistas, gastroenterologistas. “Já tivemos paciente que levou 60 anos nessa via-crúcis até chegar a um serviço especializado”, lamentou a médica. “É preciso haver mais divulgação para encurtar essa jornada”, defendeu Solange Valle. Até porque, quando o problema envolve as vias aéreas e se forma um edema de laringe, aumenta e muito o risco de mortalidade.

Tratamento multidisciplinar 

Vencida a etapa do diagnóstico, pacientes e familiares se veem então, diante do dilema de encontrar o melhor tratamento. Para começo de conversa, destacou Antoine Daher, presidente da Casa Hunter, são poucos os centros especializados pelo Brasil afora. “Essas doenças são multissistêmicas, acometem diferentes órgãos, ossos, o sistema nervoso. Muitas são degenerativas”, descreveu. Por isso, o tratamento vai muito além do uso de medicamentos. “Elas exigem diferentes profissionais para lidar com suas consequências, como nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas, dentistas”, elencou.  

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Para a gastroenterologista Maria de Lourdes Teixeira da Silva, especialista em nutrição parenteral e enteral, contar com uma equipe multidisciplinar e experiente é essencial para o manejo de doenças como a síndrome do intestino curto. “A pessoa com essa condição é incapaz de absorver de maneira plena o alimento ingerido”, explicou. Dessa forma, perda de peso, desnutrição, diarreia e desidratação são sequelas comuns nesses casos. Cirurgias com retirada de boa parte do intestino ou mesmo problemas vasculares nesse órgão são algumas da causa do problema. “Por vezes, são defeitos congênitos que levam ao fechamento da parede intestinal, e a criança acaba tendo que passar por cirurgia logo ao nascer, podendo evoluir para a síndrome do intestino curto”, pontuou.  

O dia a dia de quem vive com essa doença exige o uso de medicamentos para controlar diarreias e a velocidade com que os alimentos passam pelo intestino. Se  não funcionar, a estratégia é partir para a nutrição parenteral, formulações com proteínas, gorduras, carboidratos e demais nutrientes administradas pela veia. “Num intervalo de dois a cinco anos, se houver uma reabilitação do intestino, o indivíduo se livra do cateter”, informou Maria de Lourdes. Em alguns casos, a solução pode exigir até um transplante de intestino. “Seja como for, o paciente vai precisar do apoio e da orientação de enfermeiros, nutrólogos, psicólogos que o ajudem na adaptação e o preparem para o que vai enfrentar”, concluiu. 

1 Rare disease day. Disponível em: https://www.rarediseaseday.org/events/world. Acesso em fev 2021.

2 https://muitossomosraros.com.br/visao-geral/raras-porque/

 

C-ANPROM/BR/INI/0130 Fev21 – Material destinado ao público geral

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