O caranguejo chama-maré recebe esse nome em referência ao gesto simpático que executa com sua enorme pinça na beira das praias – como se estivesse acenando para o mar com o bracinho.
O nome técnico de uma pinça de caranguejo é “quela”, e essa espécie tem uma quela hipertrofiada, desproporcional em relação ao corpo do animal. Pode ser a quela da direita ou a da esquerda – tanto faz. A outra terá um tamanho mais discreto.
Em um artigo recente, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) demonstraram que as quelas desses caranguejos são capazes de refletir luz solar no comprimento de onda ultravioleta, invisível aos olhos humanos. Isso contribui para que as fêmeas se interessem por eles. Ao mesmo tempo, essa reflexão torna os animais mais visíveis para pássaros predadores. Esse é o equivalente biológico de comprar um Rolex para esbanjar status, e aí acabar sendo roubado porque você chamou a atenção além da conta.
O estudo, que ainda não passou pela tradicional revisão por outros cientistas da mesma área (a revisão por pares), está disponível no bioRxiv – um servidor que permite a visualização de artigos científicos inéditos.
Antes de comentar os resultados, vamos entender como o estudo funcionou. Os pesquisadores montaram duas arenas de testes, uma na praia Barra do Rio, ao norte de Natal, e outra no Centro Tecnológico de Aquicultura (CTA) da UFRN – que possui uma fazenda com mangue.
Na primeira fase de testes, um caranguejo fêmea era apresentado a quatro caranguejos machos – dois deles tinham a quela tingida, um estava com protetor solar e o último não tinha nada de diferente. Tanto a tinta quanto o protetor tinham o intuito de bloquear a reflexão de raios UV. E aí as fêmeas mostraram preferência pelo animal que não sofreu nenhum tipo de intervenção. Traz o caranguejo que pisca!
Na Austrália, já foram conduzidos estudos semelhantes mostrando que os caranguejos são atraídos pela luz UV – mas que o truque também funcionou com as cores amarelo e laranja.
Pensando nisso, os pesquisadores brasileiros realizaram uma segunda rodada de testes para descobrir se os chama-marés teriam preferência por cores. Outro grupo de fêmeas foi apresentado aos caranguejos machos, mas agora todos com as quelas pintadas. O teste não provou nenhuma preferência por parte delas, mostrando um comportamento diferente daquele visto nos estudos australianos.
O próximo passo foi entender como a reflexão de luz UV poderia interferir na hora de atrair predadores. Os cientistas mediram a coloração desses animais em relação às cores e texturas de fundo do ambiente que vivem – no caso, a areia. E, com base em informações já existentes na literatura, inferiram como os caçadores os enxergariam essa presa praiana conforme as limitações biológicas de seus olhos.
Mamíferos, que são ruins de luz UV, não teriam facilidade em enxergar o bicho em seu habitat natural. Já as aves conseguiriam identificar os chama-marés com facilidade – o que os torna um prato cheio para o lanche. Ou seja: a exibição luminosa para as fêmeas tem o efeito colateral de acabar com a camuflagem do pequeno crustáceo.
Daniel Pessoa, um dos autores do estudo, explica que “esse é o provável custo que o macho paga para provar para a fêmea que ele tem qualidade”. Trata-se de um bom exemplo do chamado princípio da desvantagem, proposto pelo biólogo Amotz Zahavi. O animal mostra para a fêmea que, apesar de possuir uma condição desfavorável, ele consegue sobreviver como qualquer outro. Algo parecido se aplica a um pavão, por exemplo. Quanto mais chamativo, melhor o partido.
Mas há outra hipótese. Sabe-se que, na natureza, os pássaros preferem capturar caranguejos fêmeas, que não possuem quelas – e com frequência pegam machos que tiveram as quelas amputadas, justamente porque eles ficam parecidos com fêmeas quando são privados da enorme pinça. Isso pode ser sinal de que as aves não querem confusão desnecessária, e que o brilho refletido por uma bela quela tenha a função oposta: informar o predador de que estamos diante de um Bruce Willis, e que tentar mordê-lo é uma má ideia.
Daniel Pessoa exemplifica citando a relação entre os cachorros africanos e as gazelas: “Quando os cachorros chegam para caçar as gazelas, elas começam a pular, sem correr. Isso é entendido como uma sinalização honesta para o predador. Ela significa algo como “estou forte e disposto – se você vier, vai perder seu tempo’.”
Sendo assim, a quela poderia transmitir duas mensagens vantajosas simultaneamente: uma é mostrar para a fêmea que o macho tem qualidade; a outra, indicar ao predador que a presa vai dar trabalho.
Essas relações de predação foram propostas apenas na teoria, mas os pesquisadores pretendem em breve realizar experimentos práticos envolvendo os animais. A pesquisa mostra que as aves podem enxergar os caranguejos com facilidade, mas ainda é preciso confirmar se elas terão preferência pelos mais chamativos ou se há outros atributos importantes na conta – como a locomoção do caranguejo. Esses são tópicos para uma próxima conversa.
Para os chama-marés, atrair fêmeas é mais importante do que ser predado Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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