sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Genes neandertais influenciam vulnerabilidade à covid-19

Na semana passada, saiu um artigo no periódico especializado PNAS indicando que pessoas que herdaram uma determinada região do genoma neandertal têm 22% menos chances de desenvolver a forma grave da covid-19. Esse relatório vai na contramão de um outro divulgado em 2020 na Nature, que associava um conjunto de genes desses hominídeos extintos a casos graves da doença.

Parece contradição, mas não é: os estudos se referem a conjuntos de genes diferentes. É natural que cada um deles tenha um efeito diferente. Os dois resultados vieram do mesmo grupo de pesquisa, formado por pesquisadores Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva (Alemanha) e do Instituto de Ciência e Tecnologia de Okinawa (Japão). 

Os neandertais foram uma espécie do gênero Homo que evoluiu na Eurásia mais ou menos na mesma época em que nós, os Homo sapiens, surgimos na África. Eles eram tão parecidos conosco que pudemos cruzar e fazer bebês híbridos – um processo de miscigenação entre espécies que deixou marcas duradouras. Todo ser humano que não é de origem 100% africana tem uma pequena porcentagem de DNA neandertal (pois os humanos que ficaram na África em vez de migrar para a Eurásia não participaram dos cruzamentos). 

Hoje, esses genes estão plenamente incorporados à nossa espécie e determinam uma porção de coisas – como o metabolismo da gordura ou a quantidade e espessura dos nossos pelos. Sabe-se que eles afetam a suscetibilidade do indivíduo portador a doenças como o lúpus, a diabetes e, agora, a covid-19. A questão é: para melhor ou para pior? 

Vamos aos artigos. O primeiro, publicado em setembro de 2020 na Nature, usou como base uma série de estudos anteriores que apontvam genes relacionados a casos graves de covid-19. Esses estudos não diziam se esses genes tinham ou não raizes neandertais. 

A ideia dos pesquisadores da Alemanha e do Japão – que já trabalhavam com DNA neandertal desde muito antes do início da pandemia –, foi justamente dar uma espiada nesses genes suspeitos para ver se algum deles vinha desse hominídeos. De fato, eles descobriram um conjunto de alelos no cromossomo 3 das vítimas graves de covid-19 que era bem semelhante ao conjunto correspondente em neandertais. Um conjunto de genes que costumam ser herdados juntos e ficam próximos fisicamente é chamado de haplótipo.

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Não se sabe ao certo como este haplótipo interfere na atividade do vírus, mas há algumas hipóteses. Os cientistas sugerem que ele esteja relacionado à produção de citocinas, proteínas que auxiliam na regulação do sistema imunológico. Quando as citocinas são produzidas em grande quantidade, elas mais atrapalham do que ajudam, porque estimulam as células de defesa a reagirem com violência demais – causando quadros inflamatórios graves que lesionam órgãos e levam à morte. 

Esse haplótipo é mais comumente encontrado em moradores do sul da Ásia (50% da população) e europeus (16% da população). Se você descende dessas populações, há alguma chance de que o possua. 

O outro pedacinho de DNA neandertal identificado pelos pesquisadores parece ser bem mais interessante. Isso porque, de acordo com o novo estudo publicado este mês na Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), ele reduz em 22% as chances do paciente de desenvolver a doença de forma grave. 

Este outro haplótipo está localizado no cromossomo 12. E sabemos exatamente o que ele faz de bom. Os genes dessa região impedem a propagação dos vírus de RNA porque contêm a receita para enzimas que ativam uma reação bioquímica em cadeia capaz de destruir os genomas virais nas células infectadas.

O mais legal é que é bem mais provável que você tenha esse haplótipo. Ele está presente em algo entre 25% e 35% da população da Eurásia, e aparece também em populações nativas americanas, mesmo que em proporções bem menores. Ou seja: tanto imigrantes europeus quanto indígenas podem tê-la legado aos brasileiros. 

Os genes podem influenciar a suscetibilidade das pessoas à doença, mas é claro que não constituem fatores determinantes. Idade, peso, sexo biológico e a existência de comorbidades também guiam a forma como o coronavírus vai se manifestar no organismo. Enretanto, saber mais sobre o tema será imprescindível para os médicos do futuro. Com o desenvolvimento de técnicas acessíveis de sequenciamento de genes, os profissionais de saúde poderão reconhecer com facilidade quais pacientes são mais propensos a adoecer de forma grave ou não – e encaminhá-los para tratamentos sob medida.

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