sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Conheça a célula gigante que armazena memórias em seus desenhos

Todo mundo tem um criado-mudo com uma gaveta bagunçada em casa. É lá que vão parar aquele celular Nokia tijolão de 2003, um ingresso gasto de Procurando Nemo, canetas de brinde, relógios de pulso quebrados e outros cacarecos.

Pois os biólogos têm uma gaveta exatamente assim: o reino Protista. Essa é a Mansão Foster taxonômica por excelência: uma classificação para tudo que é vivo, mas não é planta, nem animal, nem fungo, nem bactéria.

Os protistas são eucariontes. Isso significa que suas células são mais sofisticadas que as de bactérias, que são  procariontes. Entre outros avanços tecnológicos, as células eucariontes vêm equipadas com um núcleo para guardar o DNA, e possuem pequenas usinas de energia chamadas mitocôndrias.

Nós, animais, também somos eucariontes. Bem como as plantas e os fungos. Mas há vários eucariontes que não são nenhuma desses três coisas. Os protozoários, por exemplo – inclua aí as amebas. E as algas, sejam elas unicelulares ou multicelulares. Algas, protozoários e amebas são todos exemplos de protistas.

Mas o assunto de hoje são protistas chamados mofos do lodo. Que não são mofos. Nem vivem necessariamente no lodo.

Mais especificamente, um mofo do lodo de nome científico Physarum polycephalumEsse é o ser vivo mais legal de que ninguém nunca ouviu falar. Se você realmente leu o nome da espécie em vez de passar batido pelo latim, vai ter percebido o prefixo poly (“vários”) seguido de cephalum, termo que evidentemente tem a mesma raiz etimológica de “encéfalo”. Cérebro.

Calma, o nome está mais para uma metáfora. Os mofos do lodo não têm muitos cérebros. Na verdade, não têm nenhum. Até porque eles são unicelulares: possuem uma célula só. E para ter um cérebro você precisa ter um montão de células, tipo neurônios e células da glia.

Na verdade, o lance é que o polycephalum é uma célula gigante, que se ramifica em uma rede de tubos macroscópica com centímetros ou até metros de comprimento. Dê uma olhada de novo na foto que abre este texto. Aquilo ali é um mofo do lodo em uma placa de Petri.

Por ser tão grande, essa célula possui mais de um núcleo. O núcleo é o centro de comando da célula. É daí que vem a ideia de muitos cérebros embutida no nome. Se você pensar no núcleo como o cérebro da célula, faz sentido.

Isso é muito incomum. A maior parte dos seres vivos, quando aumenta de tamanho, aumenta o número de células – isto é, se torna multicelular. Aumentar o número de núcleos sem arranjar uma célula para cada um é tipo colocar todas as pessoas que você conhece para morar em um hangar gigante em vez de dar um pequeno apartamento para cada uma. Não faz sentido.

O assunto deste texto, porém, é que os mofos do lodo fazem juz ao nome e se mostram tremendamente inteligentes.

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Recentemente, pesquisadores do Instituto Max Planck e da Universidade Técnica de Munique publicaram no períodico Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) um artigo em que investigam como os mofos do lodo armazenam suas memórias mesmo sem possuírem um sistema nervoso.

Estudos anteriores sobre essas criaturinhas já haviam demonstrado que, conforme um mofo do lodo se acostuma a uma substância que considera desagradável, a concentração dessa substância em seu citoplasma aumenta. Acredita-se que essa seja uma forma de memória simplificada. Uma versão mais prática do que o nosso cérebro faz quando põe a representação do jiló na pasta mental “opa, isso aqui é ruim mas se eu estiver em uma ilha deserta passando fome, dá para encarar”. 

Agora, os pesquisadores queriam saber se os mofos do lodo conseguem memorizar a localização de fontes de alimento – e, em caso positivo, por qual mecanismo eles realizam essa façanha. A resposta é sim, e o método de armazenamento é ao mesmo tempo bobo e genial.

Você deve ter percebido, pela foto, que o mofo do lodo parece o mapa de uma bacia hidrográfica, com tubos que se ramificam em outros tubos como rios desaguando uns nos outros. Essa configuração é tão única quanto uma impressão digital. Coisa fina. E o pulo da gato é que o mofo do lodo armazena informações usando a espessura desses tubos.

Os tubos localizados perto de fontes de comida aumentam de diâmetro com o tempo, para melhorar o fluxo de citoplasma proveniente do local (e com isso, claro, aumentar a nutrição). E aí o mofo do lodo sabe que precisa se ramificar na direção dos tubos mais grossos, para garantir o almoço no futuro.

“É notável que o organismo utilize um mecanismo tão simples e mesmo assim tenha um controle tão preciso”, disse em comunicado Karem Alim, co-autora do estudo. “Esses resultados são uma peça importante para entender o comportamento desse organismo ancestral, e também para apontar princípios universais subjacentes ao comportamento de todos os seres vivos.”

 

 

 

 

 

 

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