segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Câncer de pulmão nem sempre está associado ao tabagismo

Agosto é o Mês do Combate ao Câncer de Pulmão e, não coincidentemente, no dia 29 do mesmo mês é celebrado o Dia Nacional de Combate ao Fumo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o tabagismo é a principal causa de morte evitável no planeta e os fumantes têm cerca de 20 vezes mais risco de desenvolver câncer de pulmão1. Mas você sabia que quase 30% dos casos da doença não possuem relação alguma com o cigarro?2

No final de 2019, Margarete, então com 57 anos, procurou um pronto-atendimento com queixa de tosse seca incessante. O sintoma havia começado cerca de quatro meses antes, mas a paciente pensou se tratar de alergias, tempo seco ou refluxo. “Eu também emagreci muito, coisa de 15 quilos em apenas dois meses, mas, como estava fazendo dieta por indicação de uma endocrinologista, não associei uma coisa com a outra”, conta. Em março de 2020, já na pandemia, veio a notícia inesperada: o diagnóstico foi câncer de pulmão, mesmo sem nunca ter colocado um cigarro na boca.

O câncer de pulmão é o mais comum de todos os tumores malignos. No Brasil, de acordo com dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca), são mais de 30 000 novos casos todos os anos3. Apesar de o tabagismo ser o principal fator de risco, outras questões, como o fumo passivo, exposição a certos componentes químicos, poluição atmosférica e histórico familiar, devem ser levados em consideração4.

Mutações genéticas

No caso de Margarete, a causa foi a mutação genética ALK. O médico oncologista Rodrigo Rovere explica que a presença de mutações genéticas específicas é responsável por uma boa parcela do aparecimento do câncer em quem nunca fumou. Além do ALK, se destacam também as alterações dos genes EGFR e ROS15. “Essas mutações são responsáveis por fazer com que as células cancerígenas se multipliquem, fazendo o tumor se proliferar”, explica.

Assim, é preciso testar o paciente não tabagista diagnosticado com a doença para entender se ele tem alguma alteração e de qual se trata. “É fundamental que sejam pedidos esses tipos de exame, geralmente feitos via sequenciamento genético utilizando uma amostra do tumor, para que o melhor tratamento seja escolhido”, informa o especialista.

Esse tipo de teste e as próprias mutações são desconhecidos por mais de 69% dos pacientes brasileiros com câncer de pulmão, como revelou a pesquisa mais recente sobre o tema, de 2016, do Oncoguia6. “Até há pouco tempo, as amostras tinham que ser enviadas aos Estados Unidos para serem testadas. Hoje, embora essa prática ainda seja comum, já contamos com laboratórios que fazem esse tipo de exame por aqui”, afirma Rovere.

Os testes moleculares, como ressalta o especialista, muitas vezes não são disponibilizados no sistema público de saúde ou cobertos pela rede privada. No entanto, cinco grandes farmacêuticas mundiais, incluindo a Pfizer, se juntaram em torno de uma iniciativa que visa oferecer os exames de forma gratuita. O programa, chamado Lung Mapping – mapeamento pulmonar, em inglês –, foi anunciado durante a II Semana Brasileira da Oncologia, em 2019, e segue em vigor.

<span class="hidden">–</span>IStock/Divulgação

Tratamento sem efeitos colaterais

Para Margarete, o resultado positivo da mutação ALK, apesar de ter pegado a família toda de surpresa, levou a um tipo de tratamento nunca antes imaginado. “Há seis anos, eu perdi uma irmã para o câncer de fígado e acompanhei o sofrimento e a luta dela durante o processo de quimioterapia. Assim que recebi o diagnóstico, decidi que não ia me tratar. Eu não queria sofrer. Mas mudei de ideia e logo depois descobri que meu tratamento seria diferente”, conta.

O oncologista explica que para cada tipo de mutação existe um tratamento único, as chamadas terapias-alvo, geralmente compostas por um inibidor que deve bloquear a proliferação da via anômala pela qual o tumor se reproduziu. “Hoje, são muitos os medicamentos, o tratamento está cada vez mais individualizado e temos respostas extremamente positivas, com eficiência acima de 80% ou 90%”, ressalta.

Margarete faz parte dessa estatística. Passou um ano e três meses tomando alguns comprimidos por dia, que agem diretamente na proteína ALK anormal, e viu o encolhimento de mais de 50% do tumor nos exames mais recentes. E o melhor: sem nenhum sintoma. “Às vezes, eu me pergunto ‘será que tenho câncer mesmo?’, porque eu não sinto nada. A tosse foi embora, não tenho enjoo, não tive queda de cabelo. Agora, vamos avaliar os próximos passos. Provavelmente farei algumas sessões de radioterapia associada e acompanhamento”, relata.

Casos parecidos com o de Margarete, como conta o dr. Rovere, são comuns. “Eu tenho um paciente que estava muito sintomático, com dor, e depois de quatro ou cinco dias de medicação já estava tendo uma vida normal. Com o tratamento correto, é possível dar não apenas tempo, mas também qualidade de vida aos pacientes. E cada organismo vai reagir de uma forma diferente. Já observamos casos em que o medicamento passou a ser contínuo, como se tratasse uma doença crônica, por exemplo.”

Prevenção e diagnóstico precoce

A prevenção, em todos os casos de câncer – e de tantas outras doenças –, ressalta o médico, passa por adotar uma alimentação saudável, fazer exercícios físicos com regularidade, se abster de bebidas alcoólicas e não fumar.

É de extrema importância, também, ficar de olho no aparecimento de sintomas. De acordo com o médico, os mais comuns, que podem indicar o câncer pulmonar, são tosse seca e incessante, muitas vezes com a presença de sangue, além de falta de apetite, perda de peso e fraqueza. “Nesses casos, é crucial que seja procurado um médico especialista o quanto antes, seja um pneumologista, oncologista ou até mesmo um clínico geral, que vai saber dar o encaminhamento necessário. O importante é ter em mente que, quanto menor a doença, maiores as chances de sucesso com o tratamento”, conclui.

Referências:

  1. MORE than 100 reasons to quit tobacco.World Health Organization. Disponível em: <https://www.who.int/news-room/spotlight/more-than-100-reasons-to-quit-tobacco&gt;. Acesso em: 15 ago 2021.
  2. TESTES genéticos para câncer de pulmão: uma realidade ainda pouco praticada. Instituto Oncoguia, 2018. Disponível em: <http://www.oncoguia.org.br/conteudo/testes-geneticos-para-cancer-de-pulmao-uma-realidade-ainda-pouco-praticada/12409/8/&gt;. Acesso em: 15 ago 2021.
  3.  ESTIMATIVA 2020. INCA, Ministério da Saúde, 2019. Disponível em: <https://docs.bvsalud.org/biblioref/2020/05/1050061/estimativa-2020-incidencia-de-cancer-no-brasil.pdf&gt;. Acesso em: 15 ago 2021.
  4.  FATORES de risco do câncer de pulmão. Instituto Oncoguia, 2020. Disponível em: <http://www.oncoguia.org.br/conteudo/fatores-de-risco-do-cancer-de-pulmao/10177/1070/&gt;. Acesso em: 15 ago 2021.
  5.  TARGETED Drug Therapy for Non-Small Cell Lung Cancer. American Cancer Society, 2021. Disponível em: <https://www.cancer.org/cancer/lung-cancer/treating-non-small-cell/targeted-therapies.html&gt;. Acesso em: 15 ago 2021.
  6.  PROJETO sobre Câncer de Pulmão. Instituto Oncoguia, 2016. Disponível em: <http://www.oncoguia.org.br/conteudo/projeto-sobre-cancer-de-pulmao/10192/1093/&gt;. Acesso em: 15 ago 2021.

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