sexta-feira, 27 de agosto de 2021

“Nova cloroquina”: entenda a polêmica por trás da proxalutamida

Após a cloroquina, azitromicina e ivermectina, surge o quarto cavaleiro do apocalipse: a proxalutamida. Assim como seus antecessores, trata-se de um medicamento normalmente usado para outra doença que está sendo promovido pelo presidente Jair Bolsonaro para combater a covid-19 – mesmo sem eficácia comprovada. 

A droga, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Suzhou Kintor, é um bloqueador hormonal desenvolvido com o intuito de tratar o câncer de próstata. O medicamento ainda se encontra em fase de testes, e não é liberado pra comercialização em nenhum lugar do mundo. Ou seja: nem as pessoas com câncer de próstata, que são de fato o público-alvo do produto, têm acesso a ele.

Porém, o endocrinologista Flavio Cadegiani, que atua na clínica de emagrecimento Corpometria Institute, em Brasília, considerou que seria uma boa ideia testar a proxalutamida no Brasil para casos graves de covid-19. 

Vale dizer que países como China, Reino Unido e França, que exploraram mais profundamente o reposicionamento de drogas (ou seja, o uso do remédio para fins que não o original), já haviam descartado a proxalutamida contra a covid-19. Mas este ainda não é o ponto. O grande problema é que os experimentos no Brasil – já no estágio dos testes clínicos, quando o remédio é usado em humanos –, estavam sendo conduzidos sem autorização da Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), o que é proibido. 

Vamos detalhar a situação. Existe uma base de dados internacional chamada Clinical Trials, em que todos os testes clínicos que ocorrem ao redor do mundo são registrados. A premissa é que, com as informações disponíveis desde o início, outros pesquisadores podem acompanhar o andamento dos testes e garantir que nenhuma mudança que impacte nos resultados seja feita no meio do caminho. 

No site, constam duas pesquisas já finalizadas e duas em andamento envolvendo o uso da proxalutamida contra a covid-19. Os ensaios foram concluídos em janeiro na Corpometria Institute e em abril em diversos hospitais da rede Samel, no Amazonas. Houve ainda um ensaio clínico que não entrou na plataforma, conduzido no hospital da brigada militar de Porto Alegre (HBMPA). 

Até existe uma aprovação da Conep para a realização de testes com o medicamento – mas ela foi concedida apenas em maio, depois que alguns dos testes já haviam sido finalizados. Ou seja: eles começaram muito antes de serem autorizados. Além disso, a comissão liberou o uso do medicamento apenas em Brasília, o que significa que ele não poderia ter sido oferecido em outros estados. 

Além de Cadegiani, o infectologista Ricardo Zimerman, que depôs na CPI da Covid por defender tratamento precoce, também está envolvido no estudo. Além da ausência de aprovação da Conep, outros problemas foram identificados durante os ensaios clínicos. Os pacientes recebiam um termo de consentimento para assinar, mas não ficaram com uma cópia do papel. Após a alta, os voluntários também não foram acompanhados em longo prazo – algo crucial em qualquer teste sério.

Numa entrevista coletiva em março, os responsáveis alegaram uma eficácia de 92% para o medicamento, mas o número se baseia em uma metodologia repleta de erros.

Em primeiro lugar, Cadegiani e sua equipe não informaram espontaneamente ao Conep o número de voluntários que morreram durante o estudo. Eles precisaram ser cobrados. Nesta ocasião, disseram que houve mais de 200 mortes, a maioria delas no grupo placebo. Porém, em ensaios do tipo duplo-cego – em que nem o médico, nem os pacientes sabem quem está recebendo medicamento ou placebo –, os testes devem ser interrompidos quando há muitos óbitos para aferir se a droga está causando efeitos adversos graves.

Em entrevista em abril, Cadegiani admitiu que a equipe sabia quem estava no grupo de placebo e quem recebeu proxalutamida – ou seja, que o ensaio não foi realmente um duplo-cego –, e por isso as informações foram alteradas no Clinical Trials. Ou seja: pode ser que os pesquisadores tenham interferido na escolha de quem receberia o medicamento ou não, optando por oferecê-lo aos pacientes com maiores chances de recuperação para inflar artificialmente a eficácia.

Talvez você esteja se perguntando: por que usar um remédio inibidor de hormônios contra a covid-19? Os pesquisadores envolvidos justificam a escolha dizendo que homens calvos são mais vulneráveis à covid-19. Como a calvície está relacionada a hormônios androgênicos, remédios como a proxalutamida poderiam auxiliar na doença.

Porém, conforme apontado por apuração da Folha de S. Paulo, a explicação é controversa, já que a calvície também está ligada ao envelhecimento, que é fator de risco para a covid-19. Ou seja: pessoas sem cabelo provavelmente sofrem mais com o vírus porque são, em média, mais velhas – não há necessidade de buscar uma explicação mirabolante.  


“Nova cloroquina”: entenda a polêmica por trás da proxalutamida Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed

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