Perda de força, dificuldade para falar, enxergar, caminhar ou se equilibrar. Esses são alguns sinais que indicam a ocorrência de um acidente vascular cerebral (AVC) — também conhecido popularmente como derrame — doença causada pelo entupimento ou rompimento dos vasos responsáveis por levar sangue ao cérebro, provocando uma lesão cerebral na área que fica sem circulação sanguínea[1].
“Como cada região do cérebro é responsável por executar tarefas específicas, o corpo apresentará disfunções na atividade relacionada àquele local afetado. Se o AVC ocorrer na área da fala, por exemplo, a pessoa terá dificuldade para falar ou compreender o que outros estão dizendo”, explica o neurologista Marcos Lange, presidente da Sociedade Brasileira de Doenças Cerebrovasculares. O médico ainda destaca a importância do atendimento urgente no caso de suspeita. “A cada minuto um maior número de células cerebrais morrem pela falta de sangue. Quanto antes conseguirmos interromper este processo, maiores as chances de recuperação da função daquela área”, alerta o médico.
O AVC é a segunda causa de morte e a primeira causa de incapacidade no Brasil[1] e cerca de 30% dos sobreviventes irão conviver com alguma dificuldade física, de linguagem ou visual[2]. “A doença modifica de forma importante não só a vida do paciente como também de seus familiares e cuidadores. Porém existe vida após o AVC. É essencial compreender que há muitas medidas para que a retomada das atividades rotineiras aconteça da melhor maneira possível. Vale lembrar, no entanto, que o quanto cada pessoa conseguirá recuperar vai depender de muitos fatores, como a gravidade da doença e quais os tratamentos realizados”, diz a neurologista Júlia Carrion, da ePHealth Primary Care Solutions.
Com o AVC, a corrida contra o tempo é fundamental e o alerta é consensual entre os especialistas. “Quanto antes iniciarmos o tratamento de reabilitação, mais chances o cérebro terá de recuperar a capacidade de realizar novas conexões para superar dificuldades motoras ou cognitivas. O ideal é que o paciente, cuidadores e familiares recebam as orientações sobre o tratamento já na alta hospitalar”, explica o fisiatra e presidente da Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação, Eduardo de Melo Carvalho Rocha.
A reabilitação no pós-AVC
O programa começa com a avaliação neurológica para identificar os danos sofridos e as incapacidades apresentadas. A partir daí, uma equipe médica composta por fisiatras e neurologistas indicará quais tratamentos de reabilitação atenderão melhor às necessidades específicas daquele paciente. O fisiatra, por exemplo, pode prescrever uma órtese adequada, identificar a necessidade de cadeira de rodas e orientar as adaptações na casa para facilitar as atividades de vida diária. “A realização de fisioterapia é parte do processo, que envolve o trabalho de vários profissionais e a realização de outras terapias voltadas à restauração do potencial funcional dessa pessoa”, explica Rocha.
Assim, o enfermeiro auxilia nos cuidados com a rotina de saúde e na organização da medicação, principalmente na fase aguda; o assistente social orienta sobre decisões financeiras e retorno para casa ou para um novo local de moradia; o fisioterapeuta avalia e atua nas dificuldades relacionadas ao movimento, equilíbrio e coordenação; o terapeuta ocupacional trabalha na adaptação da rotina do paciente, ajudando-o a reaprender as habilidades motoras e sensoriais necessárias para a realização das atividades do dia a dia, como os cuidados com a higiene pessoal e o preparo de refeições. O fonoaudiólogo atua na questão da fala e do entendimento e, também, na melhora da capacidade de engolir, e o psicólogo trabalha a saúde mental e emocional do paciente, avaliando as habilidades cognitivas e sociais. “O ideal é que todos esses profissionais trabalhem na reabilitação, de forma integrada e com foco no paciente, para trazer melhoras funcionais a médio e longo prazos”, diz Rocha.
O desafio da espasticidade[3]
Outra questão muito frequente em pacientes que tiveram AVC é a espasticidade, que impacta o dia a dia do paciente, pois implica diretamente na mobilidade, gerando incapacidade e diminuindo sua qualidade de vida[4]. A espasticidade pós-AVC é relatada em aproximadamente 30% dos casos de AVC[3], e os primeiros sinais clínicos do sintoma costumam aparecer em até três meses após a doença[5]. “Trata-se da dificuldade para realizar um movimento voluntário, ao mesmo tempo em que o corpo adota uma postura de rigidez e contração muscular involuntárias. Também chamado de espasmo ou atrofia, pode causar dor localizada, aumentar a possibilidade de queda e fratura, levar o paciente a ficar acamado e dificultar a higiene. Entre outras consequências, eleva o risco de infecção urinária e pulmonar”, destaca Eduardo Rocha, alertando que o problema não deve ser encarado como algo normal ou uma sequela natural. “Há bons tratamentos como medicamentos orais e injetáveis que, se disponibilizados rapidamente, ajudam a ter uma recuperação mais rápida. Porém, se houver demora no processo de reabilitação, o paciente poderá sofrer com dores e complicações como a deformidade de um membro, surgimento de novas lesões e infecções e incapacidade de recuperação neurológica.”
Acessibilidade à reabilitação
Vale lembrar que o tratamento é oferecido pelo SUS (Serviço Único de Saúde) e coberto por planos de saúde. “Todos os pacientes têm direito a uma reabilitação pós-AVC. Infelizmente, por falta de informação ou de profissionais adequados, com a especialização necessária, muitos não chegam a realizar o tratamento. Neste sentido, a Caminhos Pós-AVC é uma iniciativa fantástica porque visa alertar as pessoas de que existem vários caminhos após o derrame. Há várias possibilidades, as sequelas não devem ser aceitas como algo normal, dá para trabalhar e minimizar as incapacidades. A recuperação pode não ser completa, mas sempre vai trazer um pouco mais de qualidade de vida ao paciente”, conclui o fisiatra Eduardo Rocha.
AVC: sinais e prevenção
De acordo com Marcos Lange, existe uma forma simples para identificar se alguém próximo está sofrendo um AVC. “É através da sigla SAMU, sendo o S de Sorria, isto é, se um dos lados do rosto não se movimenta; A de Abrace, um dos braços não consegue se mover; M de Música, se a pessoa não entende o que está sendo falado ou não consegue falar; e U de Urgência. Na presença de um destes sintomas, é preciso acionar o sistema de ambulância, SAMU, 192”, orienta o médico.
Ele alerta, ainda, que o AVC é uma doença passível de prevenção. “Siga uma alimentação saudável, realize atividades físicas, controle as situações que causam estresse. Por outro lado, evite o tabagismo, o excesso de peso e o consumo exagerado de bebida alcoólica. E procure controlar e tratar a pressão alta, o colesterol elevado, diabetes e doenças cardíacas. Por meio disso, 90% dos AVCs podem ser evitados. Sabemos também que pessoas que tiveram um primeiro AVC têm risco maior de ter um segundo, por isso, a avaliação em caráter de urgência e a identificação correta da causa do AVC são fundamentais”, conclui Rocha.
AVC em números
– No Brasil, a doença afeta principalmente adultos acima de 60 anos[6].
– Aqui, assim como em grande parte do mundo, o AVC está entre as principais causas de morte. “É a segunda principal causa de morte por doenças cardiovasculares, atrás apenas do infarto”, conta a neurologista Júlia Carrion.
– Estima-se que ocorram 320 mil casos de AVC por ano no Brasil[7].
– De acordo com o estudo “Global Burden of Disease”, o risco estimado de uma pessoa sofrer um AVC durante a vida é de aproximadamente 25% e esse risco parece ser similar entre homens e mulheres[8].
– Segundo o portal da transparência da Arpen Brasil (Associação de Registradores de Pessoas Naturais), 105.755 pessoas morreram vítimas da doença, em 2021, número maior que o registrado em 2020[9].
– No mundo, a cada 6 segundos, 1 pessoa morre em decorrência do AVC[10].
– Dados anuais mostram que 5 a 14% dos pacientes que tiveram AVC terão um segundo episódio dentro de um ano. As chances aumentam com o passar do tempo: cinco anos após o primeiro episódio, as mulheres têm 24% de possibilidade de terem um novo ataque e os homens têm 42% de chance de ter AVC novamente[11].
Referências:
[1]Ministério da Saúde. Diretrizes de Atenção à Reabilitação do Acidente Vascular Cerebral. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_reabilitacao_acidente_vascular_cerebral.pdf
[2]Global health estimates 2016: Deaths by cause, age, sex, by country and by region, 2000-2016. Geneva, World Health Organization; 2018.
[3]Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas de Espasticidade. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Protocolos/Protocolo_Uso/PCDT_Espasticidade_29_05_2017.pdf
[4]American Association of Neurological Surgeons. Neurosurgical Conditions and Treatments, Spasticity. Disponível em: https://www.aans.org/Patients/Neurosurgical-Conditions-and-Treatments/Spasticity Acessado em: novembro de 2021.
[5]MDPI – The Effectiveness of Botulinum Toxin Type A (BoNT-A) Treatment in Brazilian Patients with Chronic Post-Stroke Spasticity: Results from the Observational, Multicenter, Prospective BCause Study. Disponível em: https://www.mdpi.com/2072-6651/12/12/770/htm
[6]Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas do Acidente Vascular Cerebral (AVC), na rede de atenção às urgências e emergências. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/LC_AVC_no_adulto.pdf
[7]Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas do Acidente Vascular Cerebral (AVC), na rede de atenção às urgências e emergências. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/LC_AVC_no_adulto.pdf
[8]The Lancet. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/laneur/article/PIIS1474-4422(19)30030-4/fulltext#back-bib1
[9]Rede Brasil AVC. Disponível em: https://www.redebrasilavc.org.br/avc-matou-mais-de-100-mil-pessoas-em-2021/#:~:text=Segundo%20dados%20do%20portal%20da,registrado%20em%202020%20
[10]World Stroke Organization Campaign. Disponível em: https://www.world-stroke.org/world-stroke-day-campaign
[11]Caminho pós AVC. Dossiê do AVC. Disponível em: https://caminhosposavc.com.br/o-dossie-do-avc/
A importância da reabilitação no pós-AVC Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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