Este é o décimo sétimo texto do blog Deriva Continental, escrito por Marly Babinski e Thomas R. Fairchild
Olhe para o céu. Em uma noite limpa, essa cena estrelada é a mesma visão que os os seus ancestrais sempre tiveram, independente da época. Foi o que levou o humano a procurar explicações sobre as origens e idade do mundo em que vive. Diferentes povos chegaram a conclusões com base no conhecimento, tecnologia e preceitos intelectuais e religiosos. Aos poucos, observações se transformaram em lendas e, eventualmente, hipóteses, teorias e fatos científicos.
Vamos percorrer esse caminho histórico do conhecimento. Nos séculos 14 a 17, as Grandes Navegações demonstraram a magnitude geográfica do planeta. O desenvolvimento do telescópio e do microscópio, a partir do século 17, ampliou os limites da natureza para além do olho nu.
Entretanto, até o século 20, não havia como datar eventos anteriores ao registro histórico da época – quanto mais calcular a idade da Terra.
Até o século 17, acreditava-se que a Terra e os humanos haviam surgido ao mesmo tempo. Na década de 1640, o Arcebispo Ussher da Irlanda analisou a genealogia bíblica e outras escrituras antigas para propor a data da criação do primeiro ser humano: 23 de outubro de 4004 a.C. Consequentemente, essa seria a idade da Terra também.
A ideia de Ussher foi a última de várias tentativas religiosas de estimar a idade da Terra. Naquela época, estudiosos já começavam a olhar e interpretar a natureza a partir do raciocínio indutivo.
Logo na década de 1660, apareceram os princípios geológicos simples de Nicolau Steno, que permitiram ordenar as camadas geológicas da Terra, da mais antiga para a mais nova. Ainda não havia como datá-las.
Ao fim do século 18, James Hutton (conhecido como “o Pai da Geologia”) desceu pelos estratos em busca do registro mais antigo de atividade geológica, e só encontrava sucessões cada vez mais antigas. Isto o levou a declarar que não havia nenhum vestígio do começo da Terra e nenhuma perspectiva de seu fim.
Percebeu-se pouco depois que estratos muito distantes entre si podiam ser correlacionados temporalmente se apresentassem o mesmo conteúdo fóssil. Sabendo disso, os primeiros geólogos elaboraram em apenas 25 anos (entre 1815 e 1840), a escala de tempo geológico que se usa até hoje. Mesmo assim, apesar da importância científica da descoberta, seus elaboradores não sabiam a duração ou a idade de cada camada.
Até existiram outras propostas científicas para calcular a idade da Terra. Ainda no século 18, o astrônomo Edmund Halley (sim, o do cometa) sugeriu medir o fluxo de sais dos continentes para os oceanos ao longo de 10 anos. Depois, ele calcularia quanto tempo teria levado para os oceanos (inicialmente doces) chegarem à salinidade atual. A ideia era interessante, mas não saiu do papel: além de ser difícil de executar, se sabia pouco sobre os oceanos, rios e ciclos geoquímicos em processos naturais.
A hipótese de Kelvin
Rápidos avanços na ciência e tecnologia propiciados pela revolução industrial lançaram luz sobre a idade da Terra. Em 1862, o físico Lorde Kelvin calculou que a Terra levaria 98 milhões de anos para esfriar-se do seu estado inicial incandescente até uma temperatura habitável. Ele foi aprimorando seus cálculos ao longo do século 19, sempre com resultados de 100 milhões de anos ou menos.
Por outro lado, crescia entre os profissionais da Geologia a opinião de que a complexa história da Terra não caberia em 100 milhões de anos. Kelvin só permitiria questionamento de seus cálculos se existisse alguma fonte de calor ainda não conhecida pela ciência da época.
E existia. Em 1896, Henri Becquerel descobriu os raios X, colocando em dúvida os argumentos de Kelvin. Ele revelou, finalmente, a chave para calibrar a idade das rochas, minerais e da Terra – por meio do decaimento de formas instáveis de elementos químicos (isótopos radioativos ou “elementos-pai”) em elementos estáveis (isótopos radiogênicos ou “elementos-filhos”).
Pouco depois, Ernest Rutherford e Bertram Boltwood (utilizando a razão entre elementos-pai e elementos-filho) calcularam a idade de uma rocha do período Ordoviciano em 400 milhões de anos – quatro vezes a idade da Terra postulada por Kelvin. Hoje sabemos que elas têm entre 485 e 445 milhões de anos. Foi assim que nasceu a geocronologia: a ciência que determina a idade das rochas
Aperfeiçoamento
Na década de 1940, houve um aperfeiçoamento de espectrômetros de massa. Esses aparelhos permitem identificar a massa atômica e concentração dos elementos e seus isótopos a partir da ionização de qualquer substância.
O avanço permitiu determinar com rapidez a razão entre isótopos radioativos e radiogênicos em minerais e rochas. Sabendo as razões isotópicas e a meia-vida do pai radioativo (tempo necessário para a metade da massa do elemento-pai decair para o elemento-filho), é possível determinar a idade da rocha.
Mas ainda temos uma pergunta a responder: como determinar a idade da Terra se não resta nenhuma rocha da época de sua formação?
Olhe para cima
Em 1956, Clair Patterson, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), nos Estados Unidos, pensou em obter a idade da Terra por meio da datação de meteoritos, partindo do princípio de que eles e a Terra surgiram ao mesmo tempo.
O material escolhido foi o meteorito de Canyon Diablo que caiu no deserto do Arizona há 50 mil anos. Ele deixou uma cratera de cerca de 1200 metros de diâmetro, extremamente bem preservada até hoje, conhecida como Meteor Crater.
O meteorito de Canyon Diablo foi estudado em 1891 por Albert Foote e depois por outros cientistas. Eugene Shoemaker identificou na cratera minerais de sílica raros (coesita e stishovita), indicativos da ultra pressão gerada no impacto do meteorito. Hoje um exemplar do meteorito está em exposição no museu criado junto à cratera. Classificado como um siderito, o meteorito de Canyon Diablo é constituído essencialmente pelos elementos ferro e níquel, representados pelo mineral troilita.
Patterson analisou os isótopos de chumbo 207Pb e 206Pb, filhos radiogênicos dos isótopos de urânio 235U e 238U, respectivamente, em amostras do siderito de Canyon Diablo e de outros meteoritos rochosos. Ele encontrou uma baixa concentração de U em relação ao Pb no meteorito do Canyon Diablo – tão baixa que não havia crescimento isotópico significativo dos filhos radiogênicos de Pb.
Ele concluiu, portanto, que a composição isotópica de Pb permanecia praticamente a mesma de quando a Terra e o Sistema Solar se formaram. Por conta disso, sua composição isotópica é hoje considerada a razão inicial de Pb do Sistema Solar.
Os outros meteoritos analisados (de Nuevo Laredo, Forrest City e Modoc), com razões U/Pb maiores, mostraram razões isotópicas de Pb mais radiogênicas. Organizando os dados em um diagrama, Patterson percebeu que os pontos se alinhavam numa linha que indicava a mesma idade: de 4,55 bilhões de anos. Essa é a idade do início do Sistema Solar. Essa linha foi denominada “Geócrona Zero”.
Em seguida, Patterson analisou sedimentos depositados no fundo de oceanos. Ele argumentou que, uma vez que são derivados de todos os continentes, sua composição isotópica representaria a média para a crosta terrestre. E não deu outra: os dados obtidos condiziam com os meteoritos, comprovando que sua idade, origem e evolução são iguais. Foi assim que Clair Patterson determinou a idade da Terra pela primeira vez em 1956.
Ajustes nas constantes de desintegração radioativa dos isótopos de urânio e o aprimoramento tecnológico forneceram maior precisão à idade da Terra – que hoje é aceita como 4,567 bilhões de anos. Essa idade foi confirmada por outros métodos radiométricos.
Hoje conhecemos a idade das rochas mais antigas da América do Sul. Na década de 1990 foram identificadas rochas de 3,4 bilhões de anos no Cráton do São Francisco (Cordani e Nutman, 1993), e rochas com idades entre 3,4 e 3,5 bilhões de anos no Rio Grande do Norte (Dantas et al., 2004).
Contudo, estas ocorrências são raras. Recentemente, foram descobertas no município baiano de Piritiba (também no Cráton do São Francisco), rochas com idade de 3,65 bilhões de anos (Moreira et al., 2022). Elas pertencem ao Eoarqueano, a primeira era da escala geológica a abrigar uma crosta sólida no ambiente terrestre, entre 4 bilhões e 3,6 bilhões de anos atrás.
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