Texto Bruno Garattoni e Nathan Fernandes
Está faltando energia na Europa, e vai piorar. A inflação anual quadruplicou e bateu em 9,8%, um recorde histórico, puxada pela alta explosiva no preço da energia e nas contas de luz – que, dependendo do país, chegaram a dobrar ou triplicar de valor. É uma consequência direta da Guerra da Ucrânia, com a invasão desse país pela Rússia. A União Europeia impõs sanções econômicas a Moscou, está deixando de importar petróleo e gás russos – e os preços dessas commodities, que a Europa usa para gerar eletricidade e calefação, simplesmente dispararam.
No inverno, em que a necessidade de aquecer as residências aumenta o consumo energético, a situação pode se tornar crítica. O ministro da energia da Bélgica, Tinne Van der Straeten, afirmou que os próximos “cinco a dez invernos” europeus serão “terríveis” se o preço da energia continuar nos patamares atuais.
Mas a Guerra da Ucrânia não parece perto do fim – e, mesmo quando ela acabar, as sanções econômicas não serão desfeitas de um dia para o outro. Além disso, a Rússia tem ameaçado abandonar para sempre a operação do gasoduto Nord Stream 1, através do qual fornece gás para a Europa. Nesse cenário crítico, a Agência Espacial Europeia (ESA) criou o programa Solaris, que tem um objetivo mirabolante: trazer energia do espaço.
A ideia é lançar cerca de 20 satélites, que seriam capazes de coletar energia solar e enviar para a Terra. Eles ficariam em órbita geoestacionária, a aproximadamente 36 mil km de altitude – e, por isso, sempre “parados” sobre a Europa.
A energia solar seria refletida por espelhos, capturada por grandes placas solares e enviada à Terra por meio de feixes de microondas, que seriam recebidos no solo e então convertidos novamente em eletricidade para uso residencial ou industrial.
A vantagem disso é que no espaço, a radiação solar é muito mais forte do que na Terra (aproximadamente metade da energia solar é absorvida pela camada de ozônio e pela atmosfera terrestre antes de chegar ao solo). Segundo a ESA, cada satélite poderia fornecer até 2 gigawatts — o equivalente à energia gerada por uma usina nuclear.
A agência encomendou dois estudos para analisar a viabilidade dessa rede de satélites, que começaria a operar entre 2040 e 2050. Eles estimaram que seria preciso investir 15 bilhões em pesquisa, desenvolvimento e lançamento do primeiro satélite. Isso é só para o primeiro. A construção da rede de 20 satélites poderia custar centenas de bilhões de euros.
Cada satélite precisaria de uma grande quantidade de espelhos e placas solares, e por isso seria bem pesado: teria 10 vezes mais massa do que a Estação Espacial Internacional, que pesa 450 toneladas. Sua montagem, no espaço, exigiria dezenas de lançamentos de foguetes.
Mesmo se a Europa estiver disposta a pagar por todos esses voos, a ESA talvez não seja capaz de fazê-los com os foguetes que possui hoje. Uma saída seria recorrer a empresas privadas, como a americana SpaceX. Mas Elon Musk, o dono dela, não parece muito aberto a isso. Em 2018, perguntado sobre a possibilidade de coletar energia solar no espaço, ele disse: “é a coisa mais idiota que existe”.
“Se existe alguém que deveria gostar de energia solar espacial, deveria ser eu. Tenho uma empresa de foguetes e uma empresa de energia solar. Mas é mais do que óbvio que não vai funcionar”, afirmou Musk, para então explicar sua opinião.
A conversão da eletricidade em microondas, e depois a reconversão das microondas em eletricidade, quando elas chegassem à Terra, acarreta perdas de energia – e isso torna a coleta espacial uma alternativa menos atraente do que pode parecer. “Melhor colocar os painéis solares na Terra”, disse Musk.
A Europa até tem uma justificativa para considerar a energia espacial. Ela é densamente povoada, e a maior parte do seu território já está ocupada. Não tem espaço sobrando para dedicar a uma rede de enormes usinas de energia solar.
Além disso, nem todos os pontos do Velho Continente são igualmente propícios a esse tipo de energia. Em Madri, por exemplo, chove apenas 63 dias por ano, em média. Já em Londres, são 150 – e em Glasgow, na Escócia, nada menos do que 170. A energia espacial, que não está sujeita a esse problema, até tem sua razão de ser.
Mas o grande problema é que várias das tecnologias necessárias para o Solaris ainda nem existem. Dos nove elementos-chave para colocar o sistema no ar, apenas um está pronto e disponível hoje: o sistema de comunicação com a Terra.
Todos os outros precisariam ser desenvolvidos. Segundo os estudos da ESA, os sistemas responsáveis pela montagem em órbita e manutenção dos satélites, e o sistema de conversão de energia, levariam entre dez e vinte anos para ficar prontos.
Em 2021, a China anunciou seu próprio projeto para tentar captar energia solar no espaço. A primeira instalação de teste está sendo construída em Chongqing, no Sul do país, a um custo estimado em US$ 15 bilhões.
A ideia é lançar satélites experimentais, capazes de gerar 1 megawatt cada um, até o final desta década. Se tudo der certo, o projeto seguirá para a fase de implantação, com satélites de 1 gigawatt cada, que começariam a operar até 2049. Ou seja: a China está um pouco mais avançada do que a ESA, mas também está longe de conseguir explorar essa fonte de energia.
Capturar eletricidade no espaço é uma ideia sedutora e futurista, mas também antiga. O conto “Razão”, escrito em 1941 por Isaac Asimov – e parte da coletânea de histórias “Eu, Robô” – se passa em uma estação espacial construída para coletar energia solar.
Ela manda eletricidade para a Terra usando microondas, exatamente como a ESA pensa em fazer (no conto, a estação é controlada por robôs que adquirem consciência, criam uma religião e decidem que a Terra não existe, mas continuam enviando energia para ela).
Na vida real, ainda não estamos nem perto de ter robôs conscientes – e a energia solar espacial, mesmo com o desejo da Europa e as tentativas da China, ainda pertence só aos livros de ficção científica.
Europa estuda plano para colher energia solar no espaço Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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