A pandemia de Covid-19 afetou vários lares e trouxe, de forma repentina e para o dia a dia, um assunto sobre o qual as pessoas não gostam muito de falar: a morte. De acordo com um estudo realizado entre março de 2020 e abril de 2021, publicado no periódico científico Lancet Child & Adolescent Health, cerca de duas em cada três crianças ou adolescentes entre 10 e 17 anos foram impactadas pela perda de alguém. A pesquisa aconteceu em 20 países durante o período de 20 meses.
Entretanto, as crianças estão expostas a perdas de pessoas queridas a todo momento, pelos mais diversos fatores. Perder alguém que gostamos dói, cria uma mistura de sentimentos como raiva, medo, culpa e tristeza. Se nós, adultos, muitas vezes não conseguimos lidar com esse momento, o que esperar das crianças?
Os pequenos precisam de auxílio no desenvolvimento de condições emocionais para enfrentar essa experiência. Para explicar um pouco mais sobre o luto infantil, convidamos a coordenadora do Departamento de Psicologia do Sabará Hospital Infantil, Cristina Borsari.
Uma criança pode ficar de luto ou ela não entende esse significado?
A criança, assim como o adulto, sabe que algo diferente aconteceu e que uma pessoa de sua convivência não está mais ali – e isso é importante, porque ela começa a compreender a questão da finitude como algo real.
A compreensão do que é a morte e a percepção do que está acontecendo tendem a ser diferentes de acordo com o seu desenvolvimento.
Por exemplo: até os 3 anos, a criança percebe a morte apenas como ausência e tende a acreditar que a situação poderá ser revertida; entre 3 e 5 anos, ainda existe a fantasia sobre o tema, por isso, ela evita pronunciar a palavra “morte” por medo de atrair a situação, podendo se sentir culpada caso venha acontecer com alguém novamente.
Já as crianças de 5 e 9 anos conseguem compreender melhor, entendendo que é uma condição definitiva e inevitável, o que não significa que ela saiba lidar com os sentimentos. A partir dos 10 anos ela percebe de forma mais concreta o impacto da ausência.
O luto envolve múltiplos fatores e a externalização do sofrimento e a demonstração dos sentimentos está diretamente ligada à convivência com essa pessoa: é possível vermos alterações comportamentais como choro, tristeza e isolamento. O mais importante é oferecer e manter uma escuta ativa.
Como explicar para uma criança que um ente querido morreu?
Esse é um assunto delicado, que deve ser conduzido sempre com honestidade, clareza e muita sensibilidade.
Escolha um ambiente tranquilo e conte uma história para a criança relembrando os bons momentos no convívio familiar, trace uma linha temporária até o momento da partida, enfatizando que o corpo não está mais aqui, mas a memória de tudo que viveram juntos estará no coração e nos sentimentos.
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O importante é sempre ter um diálogo sincero, aberto, acolhedor e mostrar o quanto a pessoa foi importante na história da família.
É válido usar aspectos lúdicos na hora de falar sobre a morte?
Essa é uma notícia sempre difícil de ser dada. Dizer que a pessoa virou uma estrela, por exemplo, ajuda muito e é, sim, positivo, porque faz parte da fantasia da criança, de seu repertório.
Esse simbolismo mostra que aquela pessoa continuará vivendo dentro do coração, brilhando e existindo na memória da criança. Dessa maneira, estamos validando simbolicamente a existência desse indivíduo com quem ela teve um vínculo afetivo.
Como lidar com a tristeza causada pelo luto infantil?
A tristeza da criança precisa ser sentida. A dor deve ser externalizada pelo choro, por desenhos, por atividades com massinhas… Enfim, é fundamental trazer à tona o que ela está sentindo – até para que ocorra compreensão do momento.
Nós, enquanto adultos, precisamos acolher, conversar e dar atenção a esse sentimento. Devemos mostrar que também estamos tristes com a perda.
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Quando é o momento de procurar ajuda especializada?
Tanto para o adulto quanto para as crianças, não existe um período fixo para o luto. Se a criança é mais sensível, ela vai sofrer mais – o que é natural, e toda ajuda profissional é bem-vinda.
Levar ou não uma criança ao funeral?
Para o adulto, é importante ter um processo de despedida com aquela pessoa. A recomendação é que, na primeira infância, o ritual de despedida seja feito de forma intimista, em casa e à base de conversa. Não há necessidade de expor a criança a um processo social.
Muitas vezes, no entanto, é possível perguntar se a criança quer ir – mas é necessário explicar o que ela vai encontrar. Caso ela demonstre vontade de acompanhar o funeral, não há problema algum, desde que esteja amparada por adultos. Caso não queira, o ideal é não forçar.
O olhar da família é imprescindível nesse momento. Se perceberem que levar a criança trouxe mais sofrimento, o ideal é levá-la de volta para casa.
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A morte pode ser entendida como um momento de reconexão familiar, no qual a família se une pela dor, mesmo que seja um sentimento negativo. O grupo se conecta, mostra compaixão, amor e empatia – nos tempos atuais, isso é muito positivo.
A morte faz parte da vida, e superar o luto é difícil para adultos e crianças. Não existe uma receita pronta, já que estamos falando de sentimentos.
O mais importante é que a família e os amigos acolham, deem apoio, mostrem amor e afeto, deixando claro o quanto aquela vida foi especial.
Como ajudar as crianças na compreensão da morte e aceitação do luto Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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