No final do século 19, a nação Osage, povo nativo norte-americano, estava encolhendo. Com a corrida do ouro, que fez surgir várias cidades pelo oeste dos EUA, o governo do país forçava os indígenas a se realocar constantemente.
Tirados de suas terras originais, os Osage conseguiram um terreno de 6 mil quilômetros quadrados (quatro cidades de Sao Paulo) em uma reserva indígena no estado de Oklahoma. E, na década de 1890, uma descoberta mudaria suas vidas: seu novo território era rico em petróleo.
Para os 2.229 membros da tribo, foi um sopro de esperança e prosperidade. Cada um deles tinha direito a parte do dinheiro do petróleo. Essa parcela não podia ser vendida, mas podia ser herdada.
Pessoas de fora da comunidade também podiam receber parte do dinheiro do petróleo se casassem com um Osage – ou se entrassem na lista de herdeiros de um deles.
O petróleo garantiu aos Osage uma vida estável. Nos anos 1920, estima-se que cada membro ganhava US$ 10 mil por ano. Em valores de hoje, isso dá US$153 mil (em 2022, a renda familiar média anual nos EUA foi de US$ 74,5 mil) – uma boa grana. Não demorou, porém para que essa bonança atraísse olhares indesejados e invejosos.
Manchetes de jornal da época descreviam os Osage como “preguiçosos” e “primitivos”. E o governo foi linha-dura: uma medida exigia que os membros do povo indígena (que nem mesmo era considerados cidadãos americanos) passassem por um teste de competência para administrar suas próprias propriedades.
Isso acabou podando a autonomia financeira de muitos deles. Aqueles considerados incapazes de cuidar de suas posses recebiam um guardião que supervisionava todos os seus gastos. Esses guardiões eram homens brancos e poderosos, e o abuso de poder era comum – há relatos explícitos de roubos dos nativos.
E então começaram as mortes.
Os assassinatos
A perseguição aos Osage, antes limitada à esfera econômica, se transformou numa série de crimes. Vários membros começaram a morrer misteriosamente, com tiros na nuca ou envenenados.
As tentativas de investigação caíam em trilhas falsas e não avançavam. Algo parecia estar minando o trabalho da polícia: testemunhas paravam de falar, evidências e pessoas sumiam misteriosamente. Investigadores perto de desvendar o caso apareciam mortos.
Até mesmo brancos que tentavam advogar e defender as vítimas da tribo acabaram se tornando vítimas também.
A situação atingiu níveis críticos em março de 1923, quando uma bomba destruiu uma residência Osage e matou seus três moradores: o casal Rita e Bill Smith e a empregada Nettie Brookshire.
Se antes havia dúvidas sobre a perseguição, agora não mais: os Osage estavam sob ataque. A tragédia escancarou a sequência de assassinatos, que causaram indignação pública e ganharam atenção da mídia nacional.
As autoridades federais abriram uma investigação sobre o que foi conhecido como “Reinado do Terror Osage”. Liderados pelo detetive Tom White, os agentes do Bureau of Investigation, que mais tarde se tornaria o FBI, trabalharam de forma discreta e metódica para não terem o msmo destino que os seus antecessores.
Este é o contexto histórico de Assassinos da Lua das Flores, novo filme do diretor Martin Scorsese. A trama acompanha Mollie Burkhart (Lily Gladstone), mulher Osage e irmã de Rita Smith, que se casa com um homem branco, Ernest Burkhart (Leonardo DiCaprio). Ernest é sobrinho de William Hale (Robert De Niro), um rico e influente pecuarista transformado em chefe político. Jesse Plemons (de Ataque dos Cães) interpreta o investigador Tom White.
O filme é baseado no livro Assassinos da Lua das Flores: Petróleo, morte e a origem do FBI, do jornalista americano David Grann, que é dividido em três seções. A primeira foca em Mollie e sua família; a segunda é dedicada à investigação liderada por White. Já a terceira analise as conclusões do embrião do FBI, o que eles deixaram passar – e como a conspiração contra os Osages era muito maior do que imaginavam.
Inicialmente, o filme iria focar na investigação, com DiCaprio no papel de White. Contudo, depois que Scorsese visitou a Nação Osage, o povo o encorajou a repensar essa abordagem. Por causa disso, o roteiro foi reescrito e traz o relacionamento de Mollie e Ernest no centro da narrativa – sem deixar, claro, de abordar a perseguição aos indígenas.
A conspiração
Os próximos parágrafos podem conter spoilers do novo filme de Scorsese (bom, se é que existem spoilers de um fato histórico). Caso você prefira saber o desfecho do caso Osage assistindo ao longa, pare por aqui.
Os federais três meses para conseguir respostas. No fim das contas, a investigação apontou Hale como o responsável por orquestrar a morte da família de Mollie. Hale era extremamente influente na região e, por meio de subornos e ameaças, passou a controlar os brancos da região. Juízes, policiais, detetives particulares e até médicos estavam no seu bolso. Mesmo já tendo muito dinheiro, ele teria planejado o assassinato de vários Osage (incluindo a família de seu sobrinho) na esperança de conseguir direitos sobre o petróleo.
Quanto a Ernest Buckhart, não ficou claro quando ele ficou sabendo dos planos de seu tio (se seu casamento com Mollie era fachada desde o início ou se foi introduzido no esquema depois). O ponto é: ele foi cúmplice. O plano de Hale era deixar toda a fortuna da família para Mollie, a última sobrevivente – que estava sendo envenenada aos poucos pelo seu médico. Depois que ela estivesse fora da jogada também, estaria tudo nas mãos de Ernest.
Hale e Ernest foram presos em 1926. Ernest confessou seu papel nos assassinatos e seu julgamento não demorou muito. Já o de seu tio, crente de que seus laços políticos o salvariam, foi bem enrolado. Só em 1929 ele foi julgado – e considerado culpado. “Parecia impossível encontrar 12 homens brancos que condenassem um deles pelo assassinato de índios americanos”, escreve Grann em seu livro. Ambos receberam prisão perpétua como sentença, mas nenhum cumpriu a pena totalmente – Hale obteve liberdade condicional em 1947, aos 72 anos; a de Burkhart saiu antes, em 1937.
Mollie ainda se recuperava do envenenamento quando ficou sabendo do que Ernest havia feito. Ela defendeu a índole de seu marido – que apresentava forte remorso pelo assassinato de seus cunhados. Contudo, as ações dele falaram mais alto e ela assinou um divórcio. Em 1931, por meio de um processo judicial, ela conseguiu controle total sobre a fortuna de sua família.
Apesar do aparente desfecho, a investigação de Grann, baseada em documentos e relatos de Osages, sugere que o buraco é mais embaixo. O autor aponta que os óbitos suspeitos superam as 24 mortes oficiais – centenas de indígenas podem ter sido mortos no esquema. Além disso, não dá para saber quantos assassinatos de investigadores, testemunhas e cúmplices Hale encomendou. Fato é: houve uma grande conspiração para acabar com os Osage e usurpar sua fortuna.
Assassinos da Lua das Flores: conheça a história que inspirou o novo filme de Martin Scorsese Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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