A academia sueca anunciou, na manhã desta terça (3), os vencedores do Prêmio Nobel de Física de 2023. Três pesquisadores vão dividir as láureas: os franceses Anne L’Huillier e Pierre Agostini e o húngaro-austríaco Ferenc Krausz.
Eles foram nomes fundamentais no desenvolvimento de uma área de pesquisa um bocado desconhecida do público geral, a física de attossegundos. Em inglês, é comum chamá-la de attophysics, então você também pode tomar a liberdade de traduzir o termo como attofísica. Fofo.
O objetivo dos attofísicos é produzir pulsos de luz com attosegundos de duração. Um attossegundo equivale a um quintilhonésimo (sim, essa palavra existe) de segundo. Isso é quantidade de tempo tão ínfima que um attossegundo está para uma batida do seu coração como a batida do seu coração está para a idade do Universo.
Quer outro exemplo brutalmente ilustrativo da duração de um attossegundo? O pessoal do Nobel deu: um raio de luz demora 10 bilhões de attossegundos para percorrer o caminho da lâmpada até o chão da sua casa. Um processo que percebemos como instantâneo.
Esse pulsos são tão breves que permitem estudar os fenômenos mais efêmeros da natureza – fenômenos que acontecem em escala atômica e estiveram além da resolução temporal dos nossos melhores métodos pela maior parte do século 20.
Vamos entender essa história, começando por um conceito essencial:
O que é resolução temporal?
Um vídeo nada mais é do que uma sequência de fotos passada rápido. Tão rápido que seus olhos são incapazes de entender quando terminou uma foto e começou a outra. Cada foto é chamada de frame, e é a fusão dos frames que dá a ilusão de movimento.
TVs de tubo exibem no máximo 60 frames por segundo (FPS), e isso é suficiente para enganar um ser humano, porque nossos olhos não têm resolução temporal para captar o mundo nesse ritmo.
Se você fosse capaz de piscar uma lanterna a mais de 60 vezes por segundo, o intervalo entre cada flash seria tão curto que o cérebro se tornaria incapaz de captá-lo: você enxergaria uma luz contínua.
O mundo está repleto de movimentos que superam a resolução temporal da nossa visão. As hélices de um helicóptero, por exemplo, giram tão rápido que não é possível vê-las girando. O conjunto de lâminas vira um borrão redondo.
O mesmo vale para as asas de um beija-flor ou para a vibração das cordas de um violão (não é possível vê-las oscilando para frente e para trás).
Uma câmera fotográfica profissional, porém, consegue registrar as hélices, o beija-flor e as cordas como objetos estáticos. Tudo depende da regulagem do obturador. Esse é o nome da portinhola que abre e fecha rapidamente para deixar a luz passar para dentro da máquina (no processo, ela faz o “clique” característico de uma foto).
Se o obturador abrir e fechar muito rápido – meio segundo, um quarto, um oitavo e por aí vai, conforme a necessidade –, não dá tempo da hélice, do pássaro ou das cordas se moverem grande coisa durante o instante que a foto leva para ser registrada. E essas coisas ficarão congeladas no tempo.
Uma foto borrada, por outro lado, acontece quando o obturador demora muito para fechar, e os objetos que você está registrando têm tempo de se mover enquanto a luz está entrando na câmera (também existe, é claro, a possibilidade de que você esteja com a mão tremendo. Neste caso, o mundo está parado. É a máquina que se move).
O obturador mais rápido do mundo
O objetivo da física de attossegundos é desenvolver métodos que permitam analisar o comportamento dos elétrons, as partículas insubstanciais que orbitam em torno do núcleo dos átomos.
Esses nenês se agitam tão rápido que, caso fosse possível fotografá-los, precisarimos de um obturador capaz de se abrir e fechar em um attossegundo.
Não é possível, claro. Elétrons são pequenos demais para darem as caras em qualquer processo que entendemos por fotografia. Mas eles interagem com a luz de outras maneiras, o que nos permite desenvolver métodos para investigá-los. E esses métodos precisam alcançar uma resolução temporal altíssima para dar conta do recado.
Vamos entender como a física francesa Anne L’Huillier deus os primeiros passos para possibilitar esse feito (e levar o Nobel).
Primeiro, pense em um raio laser atravessando uma nuvem de gás. Pode ser hélio, ou algum outro gás nobre, da última coluna da tabela periódica. Isso é algo importante para o experimento que vamos narrar.
A nuvem consiste em bilhões e mais bilhões de átomos de hélio, e cada um desses átomos têm dois elétrons. Quando o laser passa, ele injeta um bocado de energia na nuvem. Alguns elétrons absorvem essa energia, dão a louca e pulam fora de seus átomos. Saem da órbita comportada de sempre e vão passear.
Para o elétron voltar para o átomo, ele precisa liberar essa energia extra e sossegar. Voltar ao seu nível de energia normal.
Para fazer uma criança ou cachorro dormirem, o jeito é brincar e brincar até eles se cansarem. O elétron não corre atrás de bolinhas nem queima calorias, mas libera sua energia emitindo luz. É luz ultravioleta, um comprimento de onda eletromagnética que nossos olhos não conseguem enxergar. Mas é luz, do mesmo jeito.
Agora vem o pulo do gato. O comprimento das ondas dessa luz emitida pelos elétrons não é aleatório. Na verdade, ele é sempre uma subdivisão do comprimento das ondas do laser original. Metade, um terço, um quarto e por aí vai. Essas ondas, no jargão dos físicos, são os harmônicos da onda original.
Pense em Lego. Uma peça com 16 bolinhas ocupa o mesmo espaço que duas de oito bolinhas (2 x 8 = 16) ou quatro de quatro bolinhas (4 x 4 = 16). Essas combinações de pecinhas menores que têm o mesmo tamanho da pecinha comprida são uma boa metáfora para os harmônicos.
Legal: o laser passou pela nuvem e deixou um festival de elétron energizados. Agora, os elétrons vão voltar para seus átomos e liberar um montão de harmônicos no processo. Essa selva de harmônicos — ondas que são metades, terços, quartos, sétimos da onda original — vão começar a se misturar.
Ou seja: para descobrir o que acontece, agora é hora de somar as ondas. Vamos sobrepôr os harmônicos todos e ver onde eles vão se reforçar e onde eles vão se cancelar. Assim:
Nos lugares em que os picos dos harmônicos coincidem, temos uma concentração de energia. Esse flash brevíssimo de luz dura algo na casa dos attossegundos. E é assim que os físicos geram pulsos tão curtos. Quem diria: para obter uma luz rápida o suficiente para estudar elétrons, você precisa justamente dos harmônicos gerados por elétrons.
O trabalho de Anne L’Huillier com os harmônicos na década de 1980, que descrevemos acima, abriu caminho para que os outros dois ganhadores do prêmio, Pierre Agostini e Ferenc Krausz, desenvolvessem experimentos engenhosos para estudar elétrons usando esses pulsos.
Explicar esses experimentos está além do que alguém sem graduação em física conseguiria entender com um texto tão curto. Mas agora você pode ir para o bar tranquilo no final de semana. Se alguém perguntar o que são “métodos experimentais que geram pulsos de attossegundos para o estudo da dinâmica dos elétrons na matéria” (as palavras são da Academia Sueca), você já saberá o que dizer (rs).
Entenda a física de attosegundos, área premiada pelo Nobel de 2023 Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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