Roteiro sofisticado, sequências em live action e gráficos de próxima geração impulsionam terror psicológico finlandês – que aponta um novo caminho para a indústria
O primeiro Alan Wake, de 2010, chamou a atenção pelo enredo maduro: Alan, o protagonista, era assombrado por fenômenos paranormais que na verdade resultavam, em boa parte, do seu alcoolismo. Bebia para escrever, a história acontecia conforme ele a redigia – e, ao mesmo tempo, ia se lembrando de coisas que havia tentado esquecer.
O game foi exclusivo do Xbox 360, e por isso não explodiu como poderia: virou cult, não blockbuster. Um êxito técnico e artístico – mas, em vendas, uma decepção para o estúdio finlandês Remedy (que vinha de Max Payne I e II, dois grandes hits). E a Microsoft, a quem os finlandeses estavam contratualmente amarrados, não quis mais saber de Alan Wake.
O tempo passou, o estúdio fez mais um jogo (o ótimo Quantum Break, que também foi prejudicado por ser exclusivo do Xbox, numa geração em que ele tinha um público bem menor que o PlayStation), e o contrato acabou.
Livres, em 2019 os finlandeses lançaram Control: graficamente avançado, visualmente original, e com uma narrativa densa, que combina deep state, ciência e paranormalidade. Ganhou vários prêmios internacionais de “jogo do ano”, e colocou a Remedy entre os grandes estúdios. Deu a ela o dinheiro e a confiança necessárias para voltar ao começo – e produzir Alan Wake II, que está sendo lançado hoje para PlayStation 5, Xbox Series X/S e PC.
É um jogo de ação em terceira pessoa, no qual você comanda dois personagens: Saga, uma agente do FBI, e Alan, que reaparece em circunstâncias estranhas. O objetivo é descobrir o que aconteceu com ele nos últimos 13 anos, investigar uma série de crimes estranhos e (sem spoilers) entender a relação entre as duas coisas.
O enredo, como antes, se desenrola pelas páginas de Alan. Mas a metanarrativa é só o ponto de partida para o enredo, que explora universos paralelos, viagens no tempo e relações de causalidade de forma brilhante. Alan Wake II está para os games como Inception (A Origem), de Christopher Nolan, está para o cinema. É rico, complexo, um pouco difícil até.
Parte da história é contada em live action, com atores e sequências filmadas (como a Remedy havia feito em Quantum Break). Isso aumenta muito a sensação de imersão, poderia ser adotado em mais games. As cenas têm bom nível de produção, não destoariam em Hollywood. E ótimas atuações: o finlandês Ilkka Villi retrata perfeitamente a neurose de Alan.
Os gráficos do jogo estão um passo à frente da indústria: são inquestionavelmente next-gen. Sabe aquelas demonstrações incríveis da Unreal Engine 5, que sempre encantam mas nunca chegam aos jogos? Em alguns momentos, Alan Wake II (que foi desenvolvido com a engine finlandesa Northlight) se aproxima disso. Veja um exemplo:
Essa riqueza visual tem um preço: o jogo é muito pesado, mesmo. Nós testamos no PC, com uma placa de vídeo RTX 3080Ti. Ela é bem forte, executa 34 teraflops (34 trilhões de operações por segundo, o triplo do PlayStation 5).
Mas, ao contrário do que aconteceu em Starfield e em Cyberpunk 2077: Phantom Liberty, não tirou de letra: pela primeira vez, não deu para jogar em 4K, a 60 fps, com todos os recursos gráficos no máximo.
Foi preciso ceder: jogamos a 4K (via DLSS Desempenho, com renderização interna 1920×1080) e com o nível de detalhes no Alto – mas o Ray Tracing no Baixo. E a 30 fps. Para conseguir 60, seria preciso sacrificar efeitos gráficos, o que não vale a pena (Alan Wake II tem ritmo cadenciado, bem de 30 fps).
A placa de vídeo mínima para jogar é uma RTX 2060 ou Radeon RX 6600 – mas a recomendada já é uma RTX 3070 ou Radeon 6700XT (e isso para 1080p, com renderização interna abaixo disso e upscaling via DLSS ou FSR). Em suma: Alan Wake II faz os PCs sofrerem. É o Crysis do nosso tempo.
Mas se ele é pesado até para o PC, como ficam os consoles? Surpreendentemente bem. Não tivemos acesso pré-lançamento às versões para console, mas o primeiro teste do canal Digital Foundry mostra que, no PS5, a Remedy soube equilibrar bem as coisas, com ótimo resultado. O jogo fica menos bonito do que no PC, sim – mas continua muito bonito.
Entre uma e outra sequência de ação, você vai coletando provas, que aí precisa montar num quadro de investigação – aqueles com barbante, como dos filmes. Nem sempre está claro qual peça se encaixa em qual lugar, o que resulta em puzzles interessantes.
Alan Wake II é difícil. Em certos momentos, passa da conta nisso (mesmo no nível de dificuldade “História”, o mais baixo, que deveria ser bobinho). Também é um pouco hermético em certas fases – às vezes você fica perdido, sem saber o que deve fazer.
E poderia, sim, ter mais combate e ser mais ágil, especialmente no começo. A parte de exploração é legal, mas requer um grau de atenção sustentada que, hoje em dia, nem todo mundo consegue ter.
Em suma: Alan Wake II demanda um certo esforço. Mas o recompensa com uma experiência original e marcante, que fica na cabeça por bastante tempo e aponta um novo caminho, mais sofisticado e complexo, para os games. Vale a pena – inclusive porque está sendo lançado a um preço bem abaixo da média dos títulos “AAA”.
Alan Wake II está disponível para PC, PlayStation 5 e Xbox Series X/S. Custa R$ 225 no PC e R$ 270 nos consoles.
Complexo e original, “Alan Wake II” é um exemplo para o futuro dos games Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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