Botânica de formação, a americana Robin Wall Kimmerer passou a vida e fez carreira em universidades. Mas ficava incomodada com o fato de esse espaço formal ignorar ou marginalizar uma sabedoria que ela já trazia de berço.
Membro da nação indígena Potawatomi, ela escreveu uma obra sobre a necessidade de resgatar os conhecimentos de quem convive há milhares de anos em paz com a natureza.
Em A Maravilhosa Trama das Coisas (Intrínseca), Robin relata sua jornada em busca das próprias raízes e traz exemplos práticos de como as óticas da ciência e da sabedoria indígena podem se sobrepor para proporcionar uma visão de mundo mais sustentável.
Na era das mudanças climáticas provocadas pelo homem — que ameaçam a saúde de todos nós —, esse é um tópico urgente.
Confira uma entrevista exclusiva com Robin.
VEJA SAÚDE: Quais são as principais vantagens em integrar a ciência ao conhecimento de povos tradicionais?
Robin Wall Kimmerer: A ciência indígena, por sua natureza, leva em conta não apenas o conhecimento que nossa mente gera e as coisas que podemos observar.
Ela também incorpora inteligência emocional e certa perspectiva espiritual.
Isso pode nos guiar em decisões que são baseadas em valores, mais do que em questões de “verdadeiro ou falso”, às quais a ciência ocidental responde muito bem por meio do teste de hipóteses.
A visão indígena holística do conhecimento nos ajuda a entender não apenas o que é falso ou verdadeiro, mas o que é certo e errado. Creio que essa perspectiva ética é o que mais precisamos neste momento, em que enfrentamos uma crise de valores do nosso relacionamento com a natureza.
E o que pensa sobre a validação desse conhecimento? A sabedoria indígena precisa ser submetida ao crivo científico “clássico” ou demanda novas metodologias e formatos de pesquisa?
Eu não acho que o conhecimento ecológico tradicional precisa ser validado pela ciência ocidental. Ele tem sua própria soberania, tradição intelectual e modo de gerar conhecimento.
Dito isso, creio que é muito útil quando vemos interconexões entre esses dois campos.
No que estou mais interessada, contudo, é na maneira como as metodologias de pesquisa indígena podem reformular nossos modelos de investigação sobre a natureza, nossa relação com o meio ambiente e nosso bem-estar. Isso abrirá novas questões para a ciência.
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Você também fala sobre o uso de recursos naturais com mais sabedoria e discute o consumismo. Se consumir é inevitável, o que fazer?
Somos seres heterotróficos, dependemos de outros animais e plantas. O que me preocupa é a noção de que humanos são apenas consumidores.
Pensamos: “Bom, se o mundo é cheio de coisas, podemos pegar à vontade”. As mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e muitas outras crises vividas hoje são resultado do consumo desenfreado. Na visão indígena, tudo que recebemos é um presente.
Então é preciso consumir com ética, respeito e moderação. E reconhecendo que, para manter o sistema equilibrado, não podemos só tirar, temos também que dar.
Há um capítulo do livro sobre como aplicar na sociedade contemporânea as regras da Honorável Colheita, conceito que resume noções éticas que estão presentes em várias tradições indígenas.
E você acredita que realmente é possível mudar o jeito como nos relacionamos com a natureza?
Acredito no poder de transformação. Não podemos mudar a indústria dos combustíveis fósseis do dia para a noite ou acabar com a produção de pesticidas.
Mas podemos nos comprometer individualmente e dizer: “Vou viver como se o mundo estivesse vivo e fosse sagrado. Não vou aceitar essa ideia de que a Terra é um grande armazém cheio de recursos infinitos para nós”.
E vejo que as pessoas anseiam por parar de participar de um sistema que está destruindo a vida no planeta.
Mas, é claro, mudar nossa postura individual não é o bastante. Precisamos de atitudes sistêmicas e não podemos manter o modo de vida atual frente à emergência climática.
Robin Wall Kimmerer é botânica e professora da Universidade do Estado de Nova York
A maravilhosa trama das coisas
Entrevista: “A visão indígena nos ajuda a entender o que é certo e errado” Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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