quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Pegadas de 21 mil anos questionam teoria de chegada dos humanos à América

Rússia e Estados Unidos já estiveram conectados no passado. Você provavelmente conhece a pontinha que aproxima o oeste do Alasca ao leste da Sibéria como Estreito de Bering – famoso por ser o caminho que os humanos usaram para atravessar da Ásia à América. 

Na verdade, o que existia ali era uma massa de terra de 1,6 milhão de km², conhecida pelos geólogos como Beríngia. Ela aparece nos períodos glaciais, quando o nível do mar diminui (porque boa parte da água está congelada), revelando o continente submerso. A região foi habitada durante 10 mil anos, com gerações de pessoas nascendo e morrendo lá. A última era do gelo terminou há 11,5 mil anos – e a Beríngia voltou para debaixo d’água.

Essa contextualização é importante para entender uma pesquisa recente publicada no periódico Science, que pode mudar a forma como entendemos o povoamento das Américas. Trata-se da datação de pegadas humanas fossilizadas encontradas no parque nacional White Sands, no Novo México (EUA). Segundo o artigo, as pegadas têm entre 21 mil e 23 mil anos.

As pegadas foram encontradas e datadas pelo Serviço Geológico dos Estados Unidos em 2021, já causando um rebuliço na comunidade científica. É que a teoria migratória mais aceita diz que os humanos se estabeleceram na América do Norte há 13 mil anos – mas a nova descoberta mostra que já havia pessoas por lá pelo menos 8 mil anos antes.

Pegadas humanas fossilizadas.
<span class="hidden">–</span>National Park Service/USGS/Bournemouth University/Divulgação

Seria difícil entrar na América muito antes disso porque existia uma geleira enorme cobrindo o Canadá e norte dos Estados Unidos, impossibilitando a passagem dos humanos. Essa geleira só começou a derreter 18 mil anos atrás – e foi quando nossos ancestrais deram no pé e entraram na América.

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Por esse motivo, a descoberta de 2021 foi recebida com ceticismo. Para confirmar as datas, o Serviço Geológico dos Estados Unidos fez outras duas datações independentes, publicadas na Science na última semana. Elas corroboram com os anos apontados em 2021: entre 21 mil e 23 mil anos atrás.

As datações

É importante esclarecer que essas datações foram feitas de forma indireta. Como não temos ossos desses ancestrais, não há como datá-los diretamente com radiocarbono. A solução, então, é usar sedimentos próximos às pegadas, que teoricamente seriam da mesma época.

O estudo de 2021 datou sementes, enquanto o de 2023 usou pólen e quartzo. Embora esses dois últimos sejam mais confiáveis, eles ainda trazem menos segurança do que ossadas, por exemplo.

“Vários eventos podem ter deslocado sedimento de rochas e depositado nas pegadas”, diz a pesquisadora Tábita Hünemeier, especialista em genética de populações e que não participou do estudo. “Não há como garantir que o está sendo datado é cronologicamente compatível com a pegada. Poderia ser um sedimento mais antigo que foi depositado ali por algum intemperismo”.

Local da escavação com pegadas humanas fossilizadas.
<span class="hidden">–</span>National Park Service/USGS/Bournemouth University/Reprodução
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Por isso, ainda não é possível cravar a data exata das pegadas – e talvez nunca seja, já que são evidências indiretas da presença de humanos. De toda forma, é preciso considerar essa possibilidade e levantar hipóteses sobre como eles chegaram no continente.

“Estou bastante cética em relação a estas datas, principalmente pela datação indireta e pela falta de certeza se o material datado teria a mesma idade das pegadas”, diz Hünemeier. “No entanto, temos que pensar na viabilidade dessa chegada antiga na América, do ponto de vista de rotas, clima, ecossistema para subsistência. E começar a testar modelos admitindo essa possibilidade”.

Vale lembrar que chegar nas Américas é diferente de povoar. Analisando o genoma da população atual, é seguro dizer que os ancestrais dos nativos americanos se estabeleceram na América por volta de 15 mil anos atrás. Essas pessoas deixaram descendentes que povoaram o continente.

É possível que outros grupos tenham chegado antes disso, mas por algum motivo não se proliferaram – e a linhagem morreu ali mesmo. Essas pessoas não são nossas ancestrais, e por isso só sabemos da existência delas por meio de evidências arqueológicas.

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