A enfermeira Ethel Maciel, secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, foi escolhida para presidir o grupo Grupo de Assessoramento Técnico para a Tuberculose da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Ela será a primeira mulher a ocupar o cargo. A seleção é feita por análise de currículo e a decisão final tomada pelo diretor geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. O grupo técnico é uma entidade composta por especialistas, que dão suporte à elaboração de políticas públicas sobre temas específicos.
Antes de assumir o posto no Ministério da Saúde, Ethel construiu uma carreira voltada ao controle de doenças infecciosas, em especial a tuberculose.
A doença infecciosa é um problema de saúde pública. A OMS pretende erradicá-la até 2030, e novas vacinas e tratamentos estão no horizonte para ajudar a cumprir essa meta, mas o que tem acontecido é o oposto.
Em 2022, o Brasil teve 78 mil casos e 5 mil óbitos por tuberculose. Trata-se do maior número em décadas. O cenário global é parecido. Em 2020, cerca de 1,5 milhão de pessoas morreram no mundo com a infecção.
Confira a seguir uma entrevista exclusiva com Ethel para entender os desafios atuais e a relevância da nova posição.
VEJA SAÚDE: Quais são as atribuições do Grupo de Assessoramento Técnico para a Tuberculose (STAG-TB)?
Ethel Maciel: Ele é um grupo técnico-científico que assessora o diretor gera na definição de políticas sobre a tuberculose. Então analisamos pesquisas recentes sobre novos medicamentos, vacinas e testes diagnósticos, vendo o que é mais promissor e custo-efetivo.
O STAG-TB é o grupo estratégico mais antigo da OMS, e a partir dele foram criados vários outros, focados em outras doenças. Serei a primeira mulher a presidir esse comitê, que é muito renomado, com uma seleção bastante concorrida.
É uma grande deferência para a América Latina, e estou bem feliz pela nomeação.
Quais são as prioridades para o enfrentamento da tuberculose hoje no mundo?
O objetivo principal da OMS é eliminar a tuberculose até 2030. Para isso, a prioridade número 1 é ter uma vacina nova com eficácia maior, que vai ser dada para adultos e que pode diminuir a probabilidade de contrair a doença.
Esse seria o melhor dos mundos, pois hoje só temos a BCG, para crianças. Algumas vacinas estão bem avançadas em seu desenvolvimento, e deverão entrar na etapa final, a fase 3, a partir do final do ano.
O Brasil não faz parte desses estudos, mas estamos tentando incluir o país nas pesquisas. Isso seria uma grande oportunidade para nós.
Temos também avanços no tratamento, com novos medicamentos. Isso tudo será analisado para fazermos uma recomendação aos países na próxima reunião anual, que acontece em junho na sede da OMS.
O Brasil registrou uma alta de casos de tuberculose em 2022. A que se deve esse aumento? Qual é a situação da doença hoje no Brasil?
A situação nacional é bem preocupante. Nós retrocedemos pelo menos 10 anos no controle da tuberculose. A gravidade, a mortalidade e o número de casos aumentaram.
A pandemia de Covid-19 afetou várias doenças, a tuberculose entre elas. As pessoas atrasaram seu diagnóstico, então chegam ao serviço de saúde já com quadros mais graves.
Além disso, houve aumento da pobreza, que é intimamente ligada à infecção.
+ Leia também: Miséria hereditária: a exclusão social contra a ordem e o progresso
A queda na cobertura da vacina BCG preocupou nos últimos anos. Havia uma questão de que as maternidades estavam deixando de aplicar a vacina. Como está a situação hoje?
Na verdade, o Brasil parou de fabricar a BCG por um problema no Instituto Ataulpho de Paiva em 2016. Desde então, precisamos importar a vacina indiana, que tem 20 doses em cada frasco.
Isso fez com que as maternidades concentrassem a vacinação em um dia da semana para aproveitar todas as doses, o que atrapalhou muito a vacinação.
Mas houve toda uma negociação para recuperar a produção nacional da BCG, que será retomada a partir do ano que vem. Primeiro, numa fábrica parceira na Espanha, depois, no próprio Ataulpho de Paiva.
Quais são as principais ações do Ministério de Saúde voltadas à prevenção, diagnóstico e/ou tratamento da tuberculose no Brasil?
Em 17 de abril, o presidente Lula assinou um decreto criando o Ciedis, um comitê interministerial para eliminação da tuberculose e outras doenças fortemente ligadas à desigualdade socioeconômica.
Essa é a nossa grande aposta, porque não basta investir em saúde para resolver a situação atual: é preciso pensar em moradia, no sistema prisional, na população em situação de rua. Por isso, são nove ministérios envolvidos, como o de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Justiça.
E o que destacaria como principais desafios para controlar a doença no país?
O maior desafio é ter políticas públicas integradas e medidas efetivas de combate à pobreza, já que a doença está bastante ligada a isso, em especial ao agravamento dos casos.
Temos medicamentos que curam a infecção, mas a falta de acesso atrapalha, e não só o acesso a medicamentos. A alimentação inadequada, por exemplo, é um problema. Quando a pessoa recebe os medicamentos, mas não come bem, ela tem mais efeitos adversos, e iso faz com que ela abandone o tratamento.
Precisamos de mais ações intersetoriais focadas na redução de desigualdade social, que está ligada não só a tuberculose, mas a várias outras questões de saúde pública.
“Brasil retrocedeu pelo menos dez anos no combate à tuberculose” Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário