Se você já se pegou preocupado em comer glúten, lactose, ovo ou açúcar sem que houvesse uma razão médica para isso, então você foi atingido pelo terrorismo nutricional.
O termo é utilizado para descrever a propagação de mitos relacionados aos alimentos e à definição arbitrária do que deveria ser uma dieta adequada.
Este medo é embutido nas pessoas desde a infância, tornando o ato de comer um processo cheio de culpa e estresse, além de incentivar dietas restritivas que podem levar a transtornos alimentares como anorexia nervosa, bulimia nervosa e compulsão alimentar…
A idéia do terrorismo nutricional partiu de outro conceito, chamado “nutricionismo”, contração de “reducionismo nutricional”. O termo foi cunhado nos anos 2000 por Gyorgy Scrinis, pesquisador australiano.
Scrinis é autor do livro Nutricionismo (Editora Elefante – clique para comprar), traduzido para o português apenas em 2021, mas referência referência para estudiosos em nutrição do mundo todo desde antes disso.
Segundo Scrinis, o nutricionismo é um movimento que reduz o alimento à sua função nutricional, categorizando-o de maneira dicotômica como bom ou ruim, permitido ou proibido, mocinho ou vilão.
Desta maneira binária, o foco fica restrito a determinado componente, sem considerar sua interação com os nutrientes que ali estão e com o padrão alimentar do indivíduo.
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Por exemplo, você já deve ter se deparado com anúncios de produtos com chamadas do tipo “baixo em calorias”, “rico em ômega 3” entre outras afirmações.
Bom, os rótulos categorizam o alimento sem levar em conta os outros itens presentes na refeição e os hábitos alimentares do indivíduo. Ou seja, o que ele come, quando come, por que come e com quem come. Não consideram também os fatores culturais que cercam a comida, bem como a representação social contida no consumo.
Até na linguagem popular o nutricionismo ganhou espaço.
Você já deve ter sido seduzido por um alimento “fit” que promete melhor performance na atividade física, oferta de nutrientes para ganho de massa muscular ou até perda de peso.
São produtos enriquecidos com nutrientes específicos, mas que pecam nos adoçantes, corantes, aromatizantes, sabores artificiais e conservantes. Porém, no imaginário popular, se você não consumí-los, estará cometendo um atentado a própria saúde.
A tendência é tão grande que hoje, mesmo em congressos de nutrição sérios, temos palestras discutindo nutrientes específicos e sua função no corpo humano. É um tema importante, mas deve-se sempre contextualizar os nutrientes e entender que todo alimento tem sua importância e nenhum deve ser deixado de lado.
Para que o nutricionismo diminua e as pessoas se sintam menos pressionadas a se alimentar de forma reducionista, devemos agir em quatro sentidos:
- Mudar o foco da análise nutricional para o alimento e para a refeição. Ou seja, não é o nutriente que atua sobre um biomarcador, mas sim a dieta, a rotina alimentar, que terão efeito na saúde;
- Valorizar o conhecimento cultural, confiando em conceitos alimentares que deram certo ao longo da história, como comer pão no café da manhã;
- Confiar nos nossos sentidos para avaliar se o alimento tem qualidade, e para isso devemos resgatar experiências sensoriais e gastronômicas. Incentivar a culinária caseira e compras em feiras locais é fundamental;
- Priorizar alimentos in natura ou minimamente processados, conforme orientação do Guia Alimentar para a População Brasileira, de 2014.
O conceito de funcionalidade de certos alimentos surge junto ao aumento do interesse da população em saúde e longevidade. Há uma avidez por consumir suplementos e alimentos que previnam ou curem determinadas doenças do envelhecimento.
Estas pessoas se esquecem (ou não são informadas) de que a busca por uma alimentação saudável inclui considerar o alimento dentro do contexto da rotina e do organismo.
Independente do nutriente X ou Y, o importante é comer comida de verdade, aquela que se faz em casa. É por isso que saúde é comer de tudo. Sem regras, mas usando o bom senso!
* Adriana Kachani é nutricionista, mestre e doutora pela Faculdade de Medicina da USP e integrante do corpo clínico do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo
Terrorismo nutricional: não seja a próxima vítima! Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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