Os fiapos na foto aí em cima, que parecem fios de barba grisalhos, são exemplares da maior bactéria já encontrada – ela é visível a olho nu, sem auxílio de qualquer tecnologia de amplificação. O objeto ao lado, que serve de comparação, é uma moeda.
Essa espécie – nativa dos mangues da ilha caribenha de Guadalupe –, alcança 1 cm de comprimento. Não soa muito impressionante, mas trata-se de um desbunde para os padrões microscópicos dos procariontes: uma bactéria comum é 5 mil vezes menor, com 2 micrômetros.
“Equivale a nós, humanos, encontrarmos um outro humano tão alto quanto o Monte Everest”, explicou em coletiva de imprensa o pesquisador Jean-Marie Volland, do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, na Califórnia (EUA). O diâmetro dela também é anormal: 50 vezes maior que o 2ª lugar no ranking de micróbios imensos.
A dita-cuja foi batizada cientificamente com o binômio lineano Thiomargarita magnifica. A parte do “magnifica” é autoexplicativa. Por sua vez, o gênero “Thiomargarita” quer dizer “pérola sulfurosa” em latim – uma referência ao metabolismo da bactéria, que envolve enxofre, e à maneira como ela refrata a luz, que lhe dá uma aparência perolada e translúcida.
O artigo sobre a Tia Margarita, como achei por bem apelidá-la de agora em diante, está no ar desde fevereiro na forma de um pré-print (quando os pesquisadores soltam um PDF gratuito antes do trabalho passar por revisão ou edição, para adiantar a novidade informalmente à comunidade científica). Agora, o trabalho – assinado por vinte pesquisadores de várias universidades americanas e francesas – acaba de sair no famoso periódico especializado Science.
A Tia armazena seu DNA (e suas fábricas de proteínas, os ribossomos) no interior de organelas. Ou seja, ela tem algo parecido com um núcleo, sendo que uma das características definidoras das bactérias é justamente não possuir núcleo – esses microorganismos armazenam seu material genético em único cromossomo, que tem forma de anel e flutua livremente no citoplasma. Pedacinhos de DNA menores e desassociados do cromossomo principal, chamados plasmídeos, boiam em volta.
Células com núcleo são exclusividade dos eucariontes – organismos mais complexos como animais, plantas, fungos e protozoários, que podem ou não ser multicelulares. As bactérias, sempre unicelulares, pertencem ao grupo dos procariontes, anucleados. O que significa que a Tia Margarita borra, de maneira inédita, uma fronteira fundamental na árvore da vida (ainda que, geneticamente, ela exiba tudo que se espera de uma bactéria comum – sem trechos de DNA que indiquem qualquer similaridade com eucariontes).
Outra característica fascinante da Thiomargarita magnifica é que a maior parte de seu interior é oco, ocupado por uma vasta estrutura vazia chamada vacúolo, onde não rola muita atividade.
A razão é a seguinte: o problema de ser uma bactéria muito grande é que você não têm algo equivalente a um sistema circulatório para distribuir nutrientes e excrementos por todo seu imenso corpinho. E as moléculas úteis para seu metabolismo, deixadas à revelia, demorariam um bocado para se distribuir sozinhas pelo citoplasma (“citoplasma” é o recheio aquoso da bactéria, onde flutuam as organelas e rola o metabolismo).
O vacúolo reduz em aproximadamente 80% o espaço ocupado pelo citoplasma, concentrando a atividade bioquímica num volume menor e mais viável.
Ser imenso traz muitas dificuldades como essas, o que leva à questão final: por que a seleção natural propiciou a existência de um micróbio tão grande? Os pesquisadores ainda não sabem, e talvez jamais descubram: é muito difícil fazer engenharia reversa das pressões seletivas que levaram um ser vivo a ser como é. Uma possibilidade (sempre aventada quando o assunto é tamanho) é que seu porte seja uma maneira de protegê-la de micróbios menores. De fato, quem compraria uma briga com o Everest?
A maior bactéria do mundo é visível a olho nu e tem o tamanho de um cílio Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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