3, 2, 1. Ao final da contagem regressiva, as janelas foram tomadas por um clarão laranja. Depois, vem um barulho ensurdecedor. O foguete, a princípio, parece devagar. Mas não demora a tomar velocidade, fazendo com que você sinta um aperto no peito, que te impede de se mexer. E então, lá no alto, os motores desligam – e, quando você percebe, já está de volta à Terra.
10 minutos. Foi quanto durou um dos momentos mais marcantes da vida do engenheiro Victor Correa Hespanha, de 28 anos, que se tornou, no último sábado (4), o segundo brasileiro a voar para o espaço – e o primeiro a participar do turismo espacial.
“Indescritível” é como Victor define a sensação de participar da quinta missão tripulada da empresa americana Blue Origin, do bilionário Jeff Bezos. À Super, ele deu detalhes sobre a experiência: o sorteio que o colocou na missão, os treinamentos e, claro, o voo em si. Confira:
Como ele foi escolhido
Tudo começou em 25 de abril, quando Victor comprou um NFT (sigla em inglês para “token não-fungível”) com a empresa Crypto Space Agency (CSA) por R$ 4 mil. A empresa patrocinaria um dos seis assentos da cápsula da New Shepard, espaçonave da Blue Origin, e faria um sorteio entre seus compradores.
“Foi a primeira grande ação da CSA, e teve pouca participação. Eu concorri com aproximadamente 200 pessoas”, explica o morador de Belo Horizonte (MG), que, até aquele momento, estava mais focado na aquisição do NFT do que numa provável vitória no sorteio.
O sorteio rolou cinco dias depois e foi divulgado no Twitter da CSA. Por questão de sigilo institucional, a empresa publicou apenas o código correspondente ao vencedor – que Victor leu (muitas vezes) checando cada letra e cada número. Difícil acreditar, mas ele iria mesmo para o espaço.
“Depois disso, minha vida virou de cabeça para baixo”. Ele começou a participar de entrevistas, produzir conteúdo para o Instagram e a se preparar para a missão. “Na segunda-feira anterior, eu estava no escritório trabalhando. Na quinta-feira, eu já estava no Encontro com Fátima Bernardes, da Globo.”
A missão NS-21 estava programada para o dia 20 de maio, mas a Blue Origin teve problemas nos sistemas de backup do foguete. Então, na primeira viagem de Victor aos EUA só rolaram tarefas de divulgação da missão – encontros com a tripulação, funcionários da empresa e sessões de fotos.
Os dias de treinamento
A missão ficou para junho, e Victor voltou ao país para realizar os treinamentos necessários nos dois dias que antecederam o voo. Junto a ele, os outros cinco escolhidos para ocupar a nave (confira nesta matéria da Super quem são eles).
“Primeiro, nós aprendemos e repetimos exaustivamente os procedimentos a serem realizados durante a missão – até ficarem automáticos pra gente.” Os tais procedimentos eram, por exemplo, referentes à comunicação entre a tripulação na cápsula e com a torre de controle da Blue Origin.
Os voos realizados pela empresa americana são de condução autônoma – ou seja, os passageiros da espaçonave não precisam se preocupar em pilotá-la. O que Victor e seus companheiros deviam fazer era confirmar à torre de controle que estava tudo OK com alto-falantes e microfones, além de conferir painéis dentro da cápsula – eles indicavam, por exemplo, quando colocar ou tirar cintos de segurança.
No treinamento, a tripulação também descobriu possíveis cenários de emergência durante o voo, e o que fazer em cada um deles. “A gente aprende sobre o modo de ejeção [dos assentos] e sobre válvulas de escape”, explica Victor. “Passam o treinamento como se tudo fosse uma coisa muito corriqueira, o que dá bastante segurança.”
O voo
Foram três etapas – decolagem, alcance da altura máxima e retorno à Terra. Cada uma durou cerca de três minutos.
Depois de entrar na cápsula da New Shepard, a tripulação esperou cerca de 30 minutos até o lançamento – observando a contagem regressiva em uma tela. Três, dois, um: os passageiros veem um clarão laranja pelas janelas e passam a escutar um barulho altíssimo.
“O foguete parece um pouco lento no primeiro momento, depois vai ganhando velocidade. E aí você começa a sentir uma pressão no peito e fica difícil se movimentar”, explica o engenheiro. Dali a pouco, quase alcançando o ponto mais alto da parábola que é a trajetória da nave, os motores desligam.
A cápsula é separada do foguete; a tripulação é autorizada a soltar os cintos. “Aí vem a sensação mais incrível [de microgravidade]. Parece que você está fora de seu próprio corpo. Suas únicas referências são seu assento e a Terra lá longe – fora isso, você não sabe onde é ‘para cima’ e onde é ‘para baixo’.”
Durante a visita de médico ao espaço, a tripulação fez fotos, vídeos e… deu cambalhotas, flutuando na cabine. Hora de se posicionar nos assentos e voltar. “A descida também é muito rápida, a nave alcança cerca de 2 mil quilômetros por hora. Você se sente em um daqueles elevadores de parque de diversão [brinquedos que despencam a dezenas de metros, em queda livre].”
Próximo à superfície terrestre, a cápsula abre um conjunto de paraquedas (imagem abaixo) e depois solta uma espécie de jato de ar para estabilizar antes do pouso – que acontece em uma área desértica, a alguns quilômetros da plataforma de lançamento da Blue Origin, no Texas.
E agora?
Um vídeo da missão está disponível online, mas a Blue Origin pretende divulgar mais materiais que mostrem a experiência dos turistas. Enquanto isso, Victor pretende compartilhar mais sobre a viagem em sua conta no Instagram.
Ele diz que não tinha experiência prévia com produção de conteúdo para a internet – e que essa tarefa tem sido desafiadora. “Eu não quero virar influencer. Mas quero compartilhar minha história e participar de projetos que ajudem a desenvolver o turismo espacial no Brasil.”
Para ele, ser o segundo brasileiro a ir para o espaço foi um “privilégio enorme” e muito simbólico. “Acho que minha experiência traz a esperança de que outras pessoas também viajem ao espaço em um futuro próximo.”
“Minha vida virou de cabeça para baixo”: veja o relato do segundo brasileiro a ir ao espaço Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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