Em 2019, do alto de seus 53 anos, a atriz americana Viola Davis foi surpreendida na TV com uma pergunta inusitada durante uma participação no programa de entrevistas de Jimmy Kimmel. “O que é a menopausa?”, questiona o apresentador. Depois de alguns segundos de pausa e com um sorriso nervoso nos lábios, Viola diz: “Quer saber? Menopausa é o inferno. É um buraco negro, e é nele que estou agora”.
“E quanto tempo dura?”, o entrevistador devolve. “Eu quero saber também! Porque já estou nessa há seis, sete anos.” Entre os tormentos listados pela artista, estão alterações de humor, lapsos de memória e raciocínio e ganho de peso. Lidando com esse turbilhão, ela seguiu sua prolífica carreira — é a mulher negra mais indicada ao Oscar. Ganhou sua estatueta, inclusive, em 2017, época em que, pelas nossas contas, os sintomas estavam em um momento de pico.
Viola e muitas outras mulheres representam a importância de colocar a menopausa no centro do debate da saúde física e mental.
Afinal, vivemos mais tempo do que os homens, somos a maioria da população e, quando o fim da menstruação começa a dar as caras, costumamos estar no auge da produtividade. “Se, no início do século 20, esse período era o marco do fim da vida, porque a expectativa de vida era ao redor dos 50, 60 anos, hoje a mulher vai viver cerca de 30 anos depois da menopausa, provavelmente ainda ativa”, afirma o ginecologista César Eduardo Fernandes, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB).
Esse é um assunto de interesse público: de acordo com a Sociedade Norte-Americana de Menopausa, em 2025 mais de
1 bilhão de mulheres estarão vivenciando o climatério (o nome correto de toda essa fase) no planeta. Isso equivale a 12% da população mundial.
Esse contingente enorme sabe pouco ou quase nada sobre as mudanças que o corpo enfrenta com o encerramento da linha de montagem dos hormônios femininos. Até se fala sobre os clichês relacionados à chegada da velhice e aos calorões noturnos, mas para por aí.
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No entanto, a bagunça bioquímica desencadeada pela queda hormonal tem um leque de consequências — muito além de desconfortos no dia a dia. Ela aumenta o risco de infarto, osteoporose, derrame, diabetes, e por aí vai.
A maioria desses perigos pode ser evitada ou minimizada com ajustes no estilo de vida e intervenções médicas. E aqui estamos falando inclusive da polêmica reposição hormonal, que, apesar de estar cada vez mais segura, ainda causa pavor em muitas mulheres. Também há outros tipos de remédios, produtos e medidas não farmacológicas capazes de ajudar. Em ascensão, o que era um nicho de mercado já nem é mais tão “nicho”.
Mas o que anda em falta mesmo é orientação, acesso a informação adequada e reconhecimento social. A maré, felizmente, está mudando, só que estigmas e a invisibilidade permanecem.
“As pessoas não querem assumir que estão envelhecendo e a menopausa faz parte disso. É como se fosse uma data de validade expirando, sua vagina está seca, você não procria mais, só falta mandarem você ir para um quartinho e não sair mais de lá”, brinca a jornalista Silvia Ruiz, de 52 anos, criadora do blog Ageless, do UOL.
O termo faz referência a uma turma que encara a idade de um jeito novo. “É uma geração que se importa menos com o rótulo etário. A gente gosta das mesmas coisas dos filhos, frequenta os mesmos lugares. É muito diferente da geração da minha mãe, que com 50 anos já era considerada uma ‘velha’”, conta.
Passou da hora de repensar a menopausa, e como lidamos (ou deixamos de lidar) com ela.
Climatério não é o fim da vida. Nem doença. Mas não dá para negar que o corpo muda (e para pior) quando ele chega. O principal responsável por isso é o desaparecimento gradual do estradiol. Conhecido popularmente como estrogênio — o nome genérico dessa classe hormonal, que também usaremos na reportagem —, o hormônio é produzido nos ovários durante a vida fértil da mulher.
É ele quem dá as curvas ao quadril e faz crescerem os seios na adolescência. As transformações externas refletem as internas: os folículos dos ovários passam a liberar, todos os meses, óvulos que, se não fecundados, são eliminados via menstruação. Só que nascemos com uma quantidade predeterminada de folículos.
Além de armazenarem os óvulos, essas estruturas produzem o tal estradiol. “Portanto, quando eles acabam, o órgão deixa de secretar o hormônio e vem a menopausa”, conta o ginecologista Luciano de Melo Pompei, presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp).
A menopausa em si é a última menstruação, que só é determinada com certeza depois de 12 meses sem sangramentos. Mas a segunda grande transformação na vida da mulher começa a ser sentida cerca de cinco anos antes de acontecer de fato.
A velocidade e a intensidade do processo são variáveis. Em média, o climatério vai dos 45 aos 55 anos. Nesse ínterim, o fluxo menstrual pode ir e voltar, surgirem dores, desânimo generalizado, ganho de peso inesperado, mesmo que alimentação e nível de atividade física sigam os mesmos, entre outras perturbações.
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Isso porque o estrogênio dos ovários é pau para toda obra. “Praticamente todas as células do organismo feminino têm receptores para ele, então suas funções passam a ser prejudicadas”, explica Fernandes. Prova disso é a gênese do famoso fogacho, aquela onda de calor abrupto que tira o sono à noite.
“O sistema nervoso central tem receptores de estrogênio, e a carência dele afeta o funcionamento de neurônios e neurotransmissores do hipotálamo, onde fica nosso centro de controle de temperatura”, descreve a ginecologista Lucia Costa-Paiva, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). As dificuldades de raciocínio, concentração e flutuações de humor também têm a ver com o sumiço do hormônio na cabeça, embora também sejam influenciadas por outros motivos, como o abalo emocional de uma fase como essa.
Coração, músculos, vasos sanguíneos e outros tecidos e sistemas se ressentem da carestia. Daí o aumento no risco de tantos transtornos físicos e mentais a partir dessa etapa da vida. Tomemos como exemplo a osteoporose, que fragiliza o esqueleto e leva a fraturas.
Os estudos mostram que a incidência da doença é quatro vezes maior nas mulheres do que nos homens, sendo as acima dos 50 anos as mais ameaçadas. “Com a ausência do estrogênio, o osso passa a se desmineralizar, isto é, perder densidade”, conta a endocrinologista Marise Lazaretti Castro, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia — Regional São Paulo (Sbem-SP).
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Quem foi ativa na adolescência e teve um estilo de vida saudável está mais protegida. De todo modo, é preciso ficar atenta aos níveis de vitamina D, proteína e cálcio, mineral cujas fontes não devem sumir do cardápio. “Há uma mania de retirar produtos com lactose sem necessidade da dieta, e é nos laticínios que se obtém mais desse nutriente”, lamenta Marise.
Comer de duas a três porções de leite, queijo e derivados por dia — que contêm entre 800 e 1 000 miligramas de cálcio — já ajuda a adiar a osteoporose. Se houver intolerância à lactose diagnosticada ou a alimentação não atingir esses níveis, o ideal é conversar com o médico e considerar a suplementação.
Com a vitamina D, outro nutriente importante para os ossos, a história é parecida. Se você toma sol o suficiente, não precisa suplementar.
Mas uma revisão da literatura sobre o assunto, conduzida em 2019 por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), concluiu que ao menos 30% das mulheres no pós-menopausa chegam a ter deficiência da substância. “Penso que nesse período, quando o risco de fraturas é maior, elas deveriam ser orientadas a fazer a suplementação na dosagem adequada, sem exageros”, diz Marise.
Ideal mesmo seria começar a se preparar décadas antes, pois é na juventude que construímos a reserva óssea que vai segurar as pontas mais adiante.
A redenção da reposição hormonal
A sacada de repor os hormônios perdidos nasceu muito celebrada. Como parecia “tirar com a mão” o calorão, passou a ser prescrita a rodo a partir dos anos 1970.
Para ter ideia, a revista americana Time chegou a fazer uma capa chamando a reposição hormonal de “pílula da juventude”, relembra o cardiologista especialista no tema Otavio Gebara, diretor do Hospital Santa Paula, na capital paulista.
Depois de algumas décadas de uso indiscriminado, a terapia foi associada a um aumento no risco de câncer de mama e doenças cardiovasculares em um grande estudo publicado em 2002, o Women’s Health Initiative.
Mas essa má fama foi superada com análises críticas desses mesmos dados e novas evidências. “No caso do câncer de mama, por exemplo, o estudo mostrou um incremento muito pequeno, de oito casos a mais a cada 10 mil mulheres. Isso significa que outras 9 992 teriam se beneficiado da terapia sem problemas”, analisa Fernandes.
A relação da reposição com o câncer de mama parece se estreitar mesmo com o tempo de uso dos hormônios, a partir de uma década na vigência da terapia. Mas as próprias medicações estão se modernizando e ficando mais seguras.
Além da dosagem hormonal significativamente mais baixa do que a do passado e de meios de aplicação de menor impacto sistêmico, como o transdérmico, hoje se entende melhor como e quando a reposição deve ser feita. “O consenso na área é que a escolha individualizada traz mais benefícios do que riscos”, esclarece Gebara.
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Fora a melhora da qualidade de vida, quando bem indicada, a reposição hormonal pode atenuar o perigo de doenças cardiovasculares e preservar por mais tempo a saúde dos ossos. Mas ela deve sempre obedecer a alguns requisitos para isso.
Em primeiro lugar, respeitar uma janela de oportunidade. “A recomendação é começar nos primeiros dez anos após a menopausa e em pacientes com menos de 60 anos de idade. Porém, quanto mais cedo, melhor, de preferência logo quando se iniciarem sintomas como os fogachos”, contextualiza Pompei.
Outra questão é que ela não é para todo mundo, mas o medo não entra na lista de contraindicações. “Ainda existe resistência por parte de profissionais e pacientes. Mas não estamos falando de opiniões pessoais. A segurança da terapia é um conceito bem estabelecido entre as sociedades médicas do mundo todo e está apoiada por estudos”, argumenta o ginecologista Maurício Abrão, professor da Faculdade de Medicina da USP.
Para quem não pode ou não quer fazer a reposição, as opções de tratamento incluem remédios para queixas específicas e fitoterápicos que simulam a ação do estrogênio.
E cientistas apuram meios ainda mais seguros e arrojados para lidar com as queixas desse período no futuro. “Uma possibilidade sendo cogitada é congelar o ovário para usá-lo no tratamento do climatério, mais ou menos como fazemos com os óvulos hoje”, adianta Abrão.
Só tenha em mente uma coisa: comprimido, gel ou quiçá um órgão ressuscitado não vão resolver nada sozinhos nem promover juventude eterna. Sim, a ideia é que eles tragam mais bem-estar, mas a mulher também precisa fazer sua parte e se cuidar para envelhecer bem e aproveitar a nova etapa da vida.
Tudo sobre a terapia hormonal
O que é: Envolve a administração de versões sintéticas de um ou mais hormônios sexuais perdidos no climatério. A técnica é antiga e já viveu momentos de glória e difamação. Hoje suas vantagens são consenso científico.
Benefícios: Os mais reconhecidos envolvem o alívio de sintomas, em especial calorão e mudanças de humor. Além disso, a reposição nos protege de doenças cardiovasculares e adia a chegada da osteoporose, segundo as pesquisas.
Desvantagens: Como parece elevar o risco de câncer de mama e ter o efeito oposto ao pretendido para o coração entre algumas mulheres, a reposição só deve ser aplicada com a indicação e o acompanhamento adequados.
Para quem é: Mulheres que sentem incômodos relacionados ao déficit de estrogênio e progesterona, na janela de tempo apropriada. Sinais precoces de doenças notados em exames também podem levar à prescrição da terapia.
Quem não pode: Mulheres com histórico de câncer ginecológico ou de mama com receptor hormonal, infarto ou trombose. Contraindicações relativas incluem outros tumores e certos problemas cardíacos. É preciso aval médico.
Quando fazer: A janela de oportunidade é entendida como os dez anos após a menopausa. Na média das brasileiras, até por volta dos 60 anos. Mas, quanto mais cedo começar, maiores os benefícios. Depois, deixa de fazer sentido.
Os hormônios: Pode ser só o estrogênio, mas, quando a mulher ainda tem útero, é de praxe combinar a progesterona para reduzir o risco de câncer de endométrio. A testosterona pode ser utilizada para recuperar a libido.
As vias: Além dos comprimidos, existe a aplicação vaginal com um anel (não disponível no Brasil) e a via transdérmica, que minimizam a absorção pelo organismo. Chips (ou melhor, implantes) não são recomendados por falta de dados robustos sobre segurança e eficácia.
Alternativas aos hormônios
Para quem não pode ou não quer a reposição hormonal, a saída é adotar estratégias voltadas aos sintomas em si, como os antidepressivos. Algumas plantas contêm substâncias com ação similar à do estrogênio.
É o caso das isoflavonas da soja e da cimicífuga, que já demonstraram em estudos combater os incêndios dos fogachos e reduzir a secura vaginal. Lembrando que qualquer composto, natural ou não, só deve ser usado com indicação médica e bom senso.
Mais opções vêm aí: uma nova classe de medicamentos não hormonais, desenhada para combater ondas de calor, está avançando nos estudos. O fezolinetante, que atua no sistema nervoso, demostrou eficácia em uma ensaio de fase 3 (o último antes da aprovação de um medicamento) com mais de 500 mulheres.
Até o início do climatério, o coração feminino tem uma proteção natural conferida pelo estrogênio. Quando ele sai de cena, o risco de infarto das mulheres se equipara ao dos homens.
“As artérias perdem elasticidade, o endotélio, a parede que as reveste internamente, fica menos funcional e, nesse contexto, ainda pode surgir a hipertensão”, elenca a cardiologista Sofia Lagudis, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. “Além disso, ocorrem alterações sistêmicas, entre elas o aumento do colesterol ruim”, continua a médica.
Para piorar, ainda há um desconhecimento generalizado em relação às doenças cardíacas entre a ala feminina.
O maior ponto de atenção é que, nelas, os sintomas e as características do quadro são distintas das manifestações clássicas — leia-se, dos homens. “Elas costumam ser acometidas por um infarto que não está relacionado a entupimentos. É algo que ainda está sendo estudado pela ciência”, conta Sofia.
A falta de informação a respeito leva a mulher a procurar menos atendimento em caso de urgência e, quando chega lá, ser mal diagnosticada e até dispensada.
Tudo resulta num desfecho pior quando o coração começa a pifar. As doenças cardiovasculares são a maior causa de morte de mulheres no mundo, com a incidência começando a subir pra valer a partir dos 55 anos. A sobrevida média depois de uma pane cardíaca é de 5,5 anos em média para elas, ante 8,2 anos para eles.
Haja esforço para melhorar esses números. “A mulher tem que prestar mais atenção nos seus hábitos e em marcadores como glicose e pressão, que tendem a piorar. Se houver algum descontrole, há um arsenal de remédios que pode ser usado, mas a adaptação do estilo de vida é sempre a primeira estratégia utilizada”, ensina Gebara.
Também é importante conhecer as pistas de que algo não vai bem. Se subir alguns lances de escada ou fazer uma caminhada básica passam a ser cansativos — e seguidos de taquicardia, tontura, inchaço nas pernas ou sensação de desmaio —, tem que procurar o médico.
Algumas mulheres precisam de acompanhamento mais próximo, como aquelas com histórico familiar de doenças cardiovasculares, tabagistas e já diagnosticadas com hipertensão ou colesterol alto. Para elas (e não só elas, convenhamos!), manter um cardápio equilibrado, realizar atividade física regularmente e tomar os remédios prescritos são cruciais.
E por falar em dieta e exercício…
Perde-se hormônio, ganha-se peso
Em geral, o ganho médio de peso relacionado à menopausa é de 3 quilos, mesmo que a mulher não faça nada de diferente na rotina.
A conta aumenta com fatores como piora do sono, estresse crônico, sedentarismo e má alimentação, mas a queda do metabolismo é determinante. “Com a baixa de estrogênio, elas ainda estão mais propensas a ter uma composição corporal ruim, com perda de massa magra e acúmulo de gordura abdominal”, explica a nutricionista Maria Fernanda Naufel, que estudou essa faixa etária em seu doutorado na Unifesp.
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O crescimento da dita “pochete” é o ponto mais preocupante. “É o que chamamos de gordura visceral, que é mais inflamatória, se deposita nos órgãos e vasos sanguíneos e leva à resistência à insulina”, expõe a endocrinologista Lorena Lima Amato, doutora pela USP.
O cenário descrito pela médica é o que abre caminho ao diabetes e às outras disfunções que compõem a síndrome metabólica, uma coleção de encrencas para o coração.
Tem mais um efeito da menopausa que pode ser intensificado pelo aumento da cintura. “Em nossos estudos, notamos que a obesidade abdominal foi a que mais influenciou no surgimento de sintomas de ansiedade e depressão”, revela Maria Fernanda. Seus achados, publicados recentemente em dois periódicos científicos, Scientific Reports e Menopause, associam o desequilíbrio de dois hormônios que regulam o apetite, a grelina e a leptina, a abalos na saúde mental após a menopausa.
Trata-se de uma via de mão dupla: as alterações fisiológicas promovidas pela gordura parecem relacionadas a ansiedade e depressão, e o humor abalado influencia a ingestão alimentar, que leva ao ganho de peso. E aqui realmente não adianta esperar que os hormônios façam tudo. “A reposição tem seus benefícios, mas não deve ser usada para fins estéticos ou de emagrecimento”, pondera Lorena.
Uma nova cabeça para um novo corpo
Do formato de uma pera ao de uma maçã. Em geral, os médicos descrevem assim a transformação promovida pelo climatério. Além das alterações metabólicas trazidas pelo ganho de cintura, o humor da mulher fica abalado, seja pela autoestima, seja pelo desequilíbrio neuroquímico.
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Em seu doutorado pela Unifesp, a nutricionista Maria Fernanda Naufel verificou que, quanto maiores as taxas de leptina, hormônio que modula o apetite secretado pelo tecido adiposo, piores os sintomas de ansiedade. Por outro lado, quanto maior a produção de grelina, substância que dá fome, mais exacerbados os sinais de depressão.
Falta entender melhor o que aparece primeiro: a bagunça nesses hormônios ou as queixas psicológicas. Mas os achados só confirmam a íntima relação entre corpo e mente. Ou seja, é preciso pensar em estratégias de perda de peso mais completas, contemplando, para começar, atividade física e adequação calórica.
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No caso da mulher no climatério, porém, os exercícios ganham relevância, uma vez que o gasto energético tende a cair.
Estilo de vida pode influenciar risco de doenças
Realizar mudanças no estilo de vida é a parte mais difícil de qualquer tratamento de saúde. Nessa fase, não é diferente. Mas quem aposta nelas multiplica seus ganhos.
A atividade física repercute em todos os domínios afetados pelo sumiço do estrogênio: melhora peso e perfil de gorduras em circulação, faz bem à cabeça, regula o sono, ajuda a segurar a musculatura, reforça a densidade dos ossos e reduz o risco de tumores.
Já que tocamos no assunto, cabe esclarecer que a relação entre câncer de mama e menopausa é conhecida faz tempo: o estrogênio defende o corpo, mas, em algumas mulheres com predisposição genética, pode estimular o surgimento do câncer de mama.
“Hoje a mulher fica exposta por longos períodos à ação do hormônio, porque começa a menstruar mais cedo e engravida mais tarde”, nota o oncologista Marcelo Bello, diretor da Unidade de Tratamento de Câncer de Mama do Instituto Nacional de Câncer (Inca).
Depois de décadas e décadas em contato com os hormônios, células mamárias podem se multiplicar anormalmente e gerar um tumor — o pico de diagnóstico da doença ocorre aos 55 anos. “A tendência ao ganho de peso nessa faixa etária também cria um ambiente favorável ao câncer”, pontua Bello.
É que o tecido adiposo secreta hormônios, entre eles um similar ao estradiol. A exposição prolongada à substância também já foi relacionada a tumores de ovário e endométrio. “Sangramentos depois do fim da menstruação devem ser sempre avaliados pelo médico”, orienta o oncologista Daniel Fernandes, diretor da Unidade de Tratamento de Câncer Ginecológico do Inca.
Sobra para a cabeça (e para o trabalho)
As turbulências do climatério lembram a bagunça provocada por uma tensão pré-menstrual ou pela gravidez, mas turbinada. Frequentemente, o estado é descrito como “nevoeiro mental”. “Você se sente confusa, esquece das coisas e ainda por cima fica mais irritada”, conta Silvia Ruiz.
Esse curioso fenômeno está sendo desvendado pela ciência. Um estudo publicado na prestigiosa revista Nature analisou em detalhes o cérebro de 180 mulheres e descreveu alterações significativas no funcionamento e no próprio tamanho de estruturas cerebrais durante o climatério — elas não foram vistas em homens dessa idade. “Houve redução da massa cinzenta [região responsável pela capacidade de pensamento, linguagem e movimento] e piora do metabolismo cerebral”, exemplifica o neurologista Gabriel de Freitas, do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor), no Rio de Janeiro.
A boa notícia é que, findo o período de transição hormonal, o cérebro tende a se recuperar. Mas a pesquisa levanta outra questão digna de mais investigações. “Em mulheres com mutações no gene APOE4, ligado ao Alzheimer, o acúmulo de proteína beta-amiloide, principal marcador da doença, se intensificou nessa fase”, destaca Freitas.
Ou seja, talvez, no futuro, seja possível agir precocemente nesse subgrupo para impedir o acúmulo proteico que promove uma devastação entre os neurônios — algo que está na mira de medicamentos mais modernos para a doença.
Há muitas hipóteses e teorias a comprovar, mas já dá para ficarmos tranquilas num aspecto: na maioria dos casos, as falhas cognitivas da menopausa não têm a ver com a chegada de uma demência nem nada do tipo. Na verdade, tudo indica que não seja só uma questão bioquímica. “A mulher nessa idade tem múltiplas preocupações que trazem danos à qualidade de vida”, avalia o presidente da AMB.
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Além dos desafios pessoais e profissionais, o surgimento dos sintomas físicos aflige o cotidiano. No trabalho, luta-se para manter a produtividade. “Há mulheres vendo sua vida profissional, pela qual tanto batalharam, indo por água abaixo por uma simples perda de memória. E elas não se sentem à vontade para falar sobre isso por medo de perder o emprego”, relata a psicóloga Leiliane Tamashiro, do Instituto de Psiquiatria da USP.
Na vida amorosa, então, nem se fala: secura vaginal e perda de libido inviabilizam o sexo e nem sempre o parceiro entende.
Para Leiliane, esse trator socioemocional responde por boa parte dos lapsos cognitivos e sintomas depressivos. “Em uma pesquisa, avaliamos 112 mulheres com as mesmas queixas. Menos da metade tinha depressão clínica e todas tinham uma perda da capacidade de atenção natural, que prejudicava o raciocínio”, ilustra.
No meio de tudo, ainda tem o sono. “As ondas de calor fazem a mulher despertar várias vezes durante a noite, o que só piora o cansaço e a irritabilidade”, repara Lucia Costa-Paiva.
Embora antidepressivos e outros remédios para dormir possam ser prescritos, eles não são uma panaceia. Portanto, ao sentir o nevoeiro mental chegando, o ideal é procurar ajuda para sobreviver emocionalmente a essa tempestade climatérica. “As pessoas querem resolver tudo com um comprimido, enquanto táticas como a psicoterapia são ‘para doidos’, mas hoje está mais do que comprovado que, ao melhorar emocionalmente e se autoafirmar, a mulher passa a se sentir melhor”, aponta Leiliane.
Entre as estratégias no divã, a que parece mais eficaz aqui é a terapia cognitivo-comportamental, que avalia a maneira como reagimos a situações e propõe abordagens claras e diretas para mudar comportamentos e pensamentos.
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Aliás, esse raciocínio de não esperar milagre em forma de pílula se estende ao controle do colesterol, das dores, da osteoporose… Sem mexer no estilo de vida, os remédios não resolverão totalmente nenhum problema.
E nem adianta sonhar só com um Viagra feminino. Outras coisas podem ser feitas pela vida sexual, que costuma virar uma celeuma nessa fase. Com a aposentadoria dos ovários, a região da vagina começa a atrofiar: o colágeno vai sumindo dali, a lubrificação seca e a própria sensibilidade local que confere prazer diminui.
A secura vaginal em si pode ser tratada com lubrificantes, hidratantes, hormônios ou procedimentos como aplicações de laser. Porém, o problema é mais embaixo, ou melhor, mais em cima. “Apenas 10% da nossa libido depende do estímulo hormonal. Mas, com tanta mudança acontecendo, como fica a cabeça para pensar em sexo?”, questiona a ginecologista Lilian Fiorelli, especialista em sexualidade feminina e uroginecologia pela USP.
Claro, nem todo mundo precisa continuar a transar, mas para algumas mulheres esse é um ponto determinante. “Não quer dizer que você não vai ser feliz sem sexo, mas o ato promove a liberação dos neurotransmissores ligados ao bem-estar, pode melhorar a memória e a própria disposição no dia a dia”, comenta Lilian.
Além de produtos que lubrificam a região, a masturbação, outro tópico que nem deveria mais ser tabu, dá uma mãozinha. “Produtos como vibradores e sugadores de clitóris podem ajudar a atingir o orgasmo. Ao longo do tempo, se a prática é frequente, a circulação sanguínea na região aumenta, devolvendo sensibilidade à mucosa da vagina”, ensina a médica.
E, claro, não dá para colocar tudo nas costas da mulher. Ainda é comum a responsabilidade de uma vida menos aquecida entre os lençóis recair sobre elas. “Mas, em geral, essas mulheres estão em relacionamentos de longa data, e o parceiro, também por volta dos 50, 60 anos, está sujeito à disfunção erétil”, observa Lucia. “Resolver uma questão de saúde não resolve necessariamente um companheiro ruim ou um casamento ruim”, afirma.
No trabalho, em casa, na vida
“Homens deveriam ter aula de menopausa”, declarou o cantor inglês Rod Stewart recentemente ao definir como “assustador” o período vivido com sua mulher. A falta de compreensão é citada com frequência como um dos aspectos mais desafiadores.
E não só por parte de filhos, maridos ou namorados, mas de gestores. Até 2030, mais de 25% da força de trabalho mundial será composta de trabalhadoras na pós-menopausa, calcula um relatório da consultoria Warana. De olho nisso, as empresas podem e devem se mobilizar para atender e acolher essas mulheres.
A Diageo, fabricante multinacional de bebidas, preparou um guia para funcionárias e planeja ações complementares como aplicativos e consultas com especialistas. Nada mais justo, considerando a alta prevalência dos incômodos e dos impactos da menopausa na vida da mulher e na de seu entorno.
Só não dá mais para varrer a situação para debaixo do tapete. Até porque dificilmente as mulheres de hoje e de amanhã vão topar o silêncio. “Minha mãe passou por uma menopausa muito complicada e pouco falamos sobre o assunto. Já eu me preparei para esse momento, mas vejo que ainda precisamos abrir um canal de comunicação para que mais mulheres se sintam confortáveis para compartilhar seus medos”, conta a coordenadora pedagógica paulistana Ana Paula Montenegro, de 52 anos, que há dois vive o climatério.
Essa transição não é nada fácil. Porém, como toda mudança, sempre pode representar um recomeço.
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Dicas para viver bem na menopausa
As fases da menopausa
O nome genérico indica a última menstruação, mas o período em si pode ser dividido por etapas, com repercussões e acompanhamento diferentes.
Pré-menopausa (10 anos antes): É a década anterior à menopausa. Antes de o climatério chegar e os sintomas se intensificarem, existe um estágio de transição inicial, ali por volta dos 40 anos, quando o fluxo menstrual se torna mais imprevisível e os níveis de hormônios começam a cair.
Climatério (de meses a anos): Também conhecido como perimenopausa. O nível de estrogênio cai drasticamente, a menstruação fica cada vez mais escassa e os sintomas se exacerbam. A menopausa, detectada 12 meses depois da última menstruação, marca o início da etapa seguinte.
Pós-menopausa (até o fim da vida): Findo o período, boa parte do incômodo diário tende a ir embora. Mas algumas coisas vão permanecer, como a secura vaginal e o risco de doenças e panes cardíacas. Daí a necessidade de ir ao médico com regularidade e monitorar o estado de saúde.
Produtos para a menopausa
A menopausa precoce
Essa classificação é anunciada quando ela vem antes dos 40 anos. No caso da ilustradora Paola Cardenas e Oliveira, de 45 anos, o climatério chegou com tudo aos 32.
É um quadro não muito comum, que pode estar relacionado ao uso de medicamentos, alterações genéticas, doenças autoimunes, cirurgias que envolvem a retirada dos ovários ou tratamentos de câncer. “Contudo, em cerca de 60% dos casos não conseguimos encontrar uma causa”, aponta a ginecologista Lucia Costa-Paiva. Foi assim com Paola, que sofreu com a falta de informação e não se adaptou à terapia hormonal, que costuma ser recomendada nessa situação, até pelo menos a idade correta da menopausa.
É que, devido à exaustão antecipada dos ovários, a mulher sofre um envelhecimento abrupto e, portanto, seu risco de doenças cardiovasculares, osteoporose e outros pepinos dispara. Não só porque o processo em si é rápido, mas porque ela passará mais tempo da vida sem a ação protetora do estrogênio pelo corpo.
Informação e reconhecimento
- 50% das mulheres dizem não ter tanto conhecimento sobre a menopausa
- 87% se sentem invisíveis aos olhos do mercado e da sociedade
Há vida na menopausa Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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