App permite jogar mais de 100 títulos disponíveis no serviço Game Pass sem ter um Xbox; decisão, que deve afetar as vendas de consoles, mostra empresa disposta a abrir mão de receitas – e usar sua força financeira contra a Sony
No final da sétima geração de consoles, Sony e Microsoft estavam tecnicamente empatadas. O Xbox 360 tinha vendido quase tantas unidades, no mundo, quanto o PlayStation 3 – e consolidado a Microsoft como uma potência dos games. Mas, aí, ela errou.
O lançamento do Xbox One foi um fiasco. Como vinha com a câmera Kinect, ele era 20% mais caro do que o PlayStation 4. Também era menos potente (seu chip gráfico alcançava 1,3 teraflop, contra 1,8 teraflop do PS4) e mais restritivo: a Microsoft anunciou que o Xbox One teria de se autenticar online para rodar os jogos – algo que hoje é comum, mas na época gerou escândalo -, e não seria permitido emprestar ou revender os discos com os games.
Parte disso acabou sendo revisto, mas o estrago estava feito. A Sony nadou de braçada: até a primeira metade da oitava geração, o PlayStation 4 tinha vendido quase o dobro de unidades do rival. A Microsoft foi corrigindo seus erros e melhorou o hardware com novas versões do Xbox One. Mas a cartada decisiva só veio com o lançamento do serviço Xbox Game Pass, em 2017 – e o dinheiro que a empresa injetou nele.
Licenciar centenas de games, incluindo títulos “AAA” (de alto orçamento) e no mesmo dia do lançamento normal, custa bem caro. O Game Pass nasceu dando prejuízo, e consumiu uma montanha de investimentos nos últimos anos. Não se sabe se ele – mesmo cobrando mensalidade, que no Brasil é de R$ 30 a R$ 45 – já alcançou o equilíbrio financeiro, ou o quão distante ainda está disso (a Microsoft não revela esses dados).
O fato é que hoje o Game Pass tem 25 milhões de assinantes no mundo, e se tornou uma peça-chave no mercado. Tanto que acabou obrigando a Sony a lançar um serviço similar: o PlayStation Plus Deluxe, que chega ao Brasil na próxima segunda (13) e irá oferecer um acervo com centenas de games por uma taxa fixa mensal.
Mas a principal consequência do Game Pass é outra. Em 2020, ele passou a incluir jogos “via nuvem” (que rodam nos servidores da Microsoft, e não precisam ser instalados localmente). No Brasil, o modo nuvem chegou em outubro de 2021. Com ele, dá para jogar boa parte do acervo do Game Pass em qualquer smartphone ou computador, dispensando o Xbox.
Foi o primeiro passo em direção à era pós-consoles. Agora, em junho de 2022, a Microsoft deu outro: anunciou que as novas televisões da Samsung irão incluir um aplicativo Xbox, que dará acesso via nuvem ao Game Pass. Basta conectar um gamepad sem fio à televisão (pode ser de Xbox ou de PlayStation 4) e se logar no serviço para jogar, sem precisar de um console.
Ou seja: agora, os games via nuvem não estão mais restritos ao smartphone ou ao PC. Eles estão chegando ao sofá da sala – tradicionalmente dominado pelos consoles de videogame.
Há uma restrição importante: o tal aplicativo só estará disponível para as televisões da Samsung fabricadas em 2022 e nos anos. Isso não inclui o modelo, um pouco mais antigo (mas que tecnicamente seria capaz de rodar o app), que você talvez já tenha em casa.
É uma manobra para vender TVs, claro, e também segurar um pouco a transição para a nuvem, evitando que ela mate os consoles de uma vez – o que provavelmente aconteceria se a Microsoft liberasse o app para todas as TVs da Samsung ou lançasse um dongle baratinho, tipo Chromecast, que rode os jogos via nuvem (o “Keystone”, que ela diz estar desenvolvendo).
Ninguém vai sair correndo para trocar de TV só por causa do aplicativo Xbox. Mas a Samsung vende mais de 10 milhões de televisões por ano. Se daqui para a frente todas elas tiverem o app, daqui a poucos anos haverá um parque instalado com dezenas de milhões de TVs rodando Xbox via nuvem – cujos donos terão muito menos motivos para comprar um console. É um impacto profundo sobre o mercado (até agora, um ano e meio após o lançamento, os Xbox Series S/X venderam 14 milhões de unidades, e o PlayStation 5 vendeu 18,7 milhões).
Ao apresentar o app, a Microsoft fez outro anúncio que pode ter consequências importantes: vai permitir que os assinantes do Game Pass (em todas as plataformas onde ele opera) joguem, via nuvem, títulos que não estão no acervo do serviço. Ou seja, você poderá comprar jogos de outras desenvolvedoras e rodá-los nos servidores da Microsoft (como acontece no serviço GeForce Now, da nVidia).
Esse recurso, que é crucial para a massificação dos games em nuvem, será implantado até o final do ano – e incluirá “títulos selecionados”. É que isso exige uma negociação entre a Microsoft e os criadores dos games (que muito provavelmente serão pagos por ela).
No Brasil, os consoles de videogame são caríssimos. Mas, nos países ricos, não – e os fabricantes não costumam ganhar dinheiro com eles, que são vendidos a preço de custo ou com margens de lucro bem pequenas (só na segunda metade de cada geração, com o barateamento natural do hardware, é que os consoles começam a dar algum lucro). A Sony e a Microsoft ganham é na venda de games -inclusive os produzidos por estúdios independentes, que pagam comissão a elas- e nas assinaturas de serviços online.
Mesmo assim, os consoles continuam tendo um papel central, tanto para os consumidores quanto para as empresas. Só os consoles permitem jogar com o máximo de qualidade gráfica (os serviços de nuvem comprimem o vídeo, e geralmente trabalham em resolução 1080p ou inferior), e rodar os -muitos- títulos que ainda não estão disponíveis na nuvem. Também “prendem” o usuário a uma determinada plataforma: já que pouca gente tem dinheiro, ou interesse, para adquirir mais de um videogame.
Dessa forma, cada usuário se torna uma fonte de receita garantida durante a vida útil do console (porque ele vai comprar X jogos, em média, ou assinar serviços online por X meses). Ao acenar com um futuro pós-consoles e abrir mão desse vínculo, ainda que cautelosamente, a Microsoft está aumentando sua aposta financeira – e colocando dinheiro na mesa.
Os jogos via nuvem também são um serviço bem custoso. Nos serviços online mais comuns, como email, busca, mapas, vídeo, etc, cada servidor consegue atender dezenas ou centenas de usuários simultaneamente. Já no cloud gaming, não é assim: como os jogos exigem bastante poder de processamento, cada servidor atende poucas pessoas ao mesmo tempo (geralmente 2 a 4, no máximo). Com a atual tecnologia de CPU e GPU, é o que dá para fazer.
Isso significa que a Microsoft, e outras empresas que prestam serviços de jogos em nuvem (como a nVidia), precisam manter datacenters gigantescos, muito maiores do que os projetados para rodar outros tipos de serviço online. Isso custa caro – é por isso que a nVidia limitou o número de pessoas, no Brasil, que podem assinar seu serviço.
A Microsoft despejou toneladas de investimento no Game Pass ao longo dos últimos anos. E, agora, parece disposta a gastar o que for necessário para ampliar os datacenters do serviço em nuvem. Porque o dinheiro, no fim das contas, costuma ser uma arma bem eficaz. E a Microsoft tem: no ano passado, ela faturou US$ 168 bilhões, contra US$ 76 bilhões da Sony, e seu valor de mercado na bolsa fica em torno de US$ 2 trilhões – quase 20 vezes o da rival japonesa (US$ 111 bi).
Microsoft lança aplicativo Xbox para TVs da Samsung – e dá um passo em direção à era pós-consoles Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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