Documento assinado pelo Instituto de Virologia de Wuhan e pela Universidade do Texas em 2017 prevê a eliminação do que chama de “arquivos secretos”, sem a preservação de “quaisquer backups”; NIH deletou 13 sequências genéticas a pedido de cientista chinês
“Promover a cooperação entre a China e os Estados Unidos em pesquisas para controlar doenças infecciosas, proteger a segurança laboratorial e a saúde global.” Esse é o objetivo declarado do “memorando de entendimento” assinado pelo Instituto de Virologia de Wuhan e pela Universidade do Texas em 2017 – e revelado agora, em 2022, pela ong americana US Right to Know, que obteve o documento por meio da lei americana de acesso à informação (FOIA).
O memorando prevê a organização de cursos e simpósios e o treinamento de pesquisadores, bem como a realização de “programas de pesquisa” e o “intercâmbio de vírus, estritamente para propósitos de pesquisa científica”. Ele também estipula que quaisquer descobertas serão “assinadas conjuntamente” por cientistas das duas instituições. Até aí, tudo dentro do normal.
Porém, um trecho chama a atenção. É a cláusula 16, intitulada “Confidencialidade”. Ela começa dizendo que “toda a cooperação e troca de documentos, dados, detalhes e materiais deverá ser tratada como informação confidencial pelas partes”.
Também afirma que “a obrigação de confidencialidade deverá ser aplicável durante a vigência deste Memorando e depois que ele tiver terminado”. Ou seja, o documento estipula um sigilo perpétuo entre o Instituto de Wuhan e a Universidade do Texas – ele continua valendo mesmo após o fim do acordo, que vai até outubro de 2022.
Mas o ponto mais intrigante vem em seguida. “Cada parte tem o direito de solicitar à outra que destrua e/ou devolva os arquivos secretos, materiais e equipamentos, sem [a preservação de] quaisquer backups”.
Esse trecho é surpreendente, por vários motivos. Classifica os arquivos como “secretos”, o que não é comum em acordos de cooperação internacional, prevê a destruição de dados e proíbe a conservação de backups – o que é totalmente contrário à rastreabilidade e à transparência que caracterizam a boa prática científica.
O documento é assinado por Carolee A. King, vice-presidente sênior da divisão médica da Universidade do Texas, e por Chen Xinwen, diretor geral do Instituto de Virologia de Wuhan (WIV).
A ong US Right to Know, que obteve o memorando, foi fundada em 2015. Ela ganhou projeção ao obter emails internos da Monsanto – que acabaram publicados no New York Times. Durante a pandemia, vem se notabilizando por conseguir, através da Justiça, documentos e emails relacionados à busca pelas origens do Sars-CoV-2.
O Instituto de Virologia de Wuhan (WIV) realizava pesquisas com coronavírus – incluindo o RaTG13, o ancestral conhecido mais próximo do Sars-CoV-2. Não seguia todas as normas de segurança. E, em 2015, sua principal cientista inseriu a proteína spike num vírus de morcego, para torná-lo capaz de infectar células humanas.
Esse conjunto de fatos (explicados mais detalhadamente na reportagem “A origem do vírus”, publicada pela Super em junho de 2021) levantou a suspeita, em parte da comunidade científica, de que o Sars-CoV-2 poderia ter se originado nos laboratórios do Instituto de Wuhan, de onde ele teria vazado acidentalmente (após infectar dois pesquisadores que trabalhavam com o vírus).
A Universidade do Texas não foi a única instituição americana a colaborar com o WIV. Em maio de 2014, o National Institutes of Health (NIH), do governo dos EUA, iniciou um projeto conjunto com o instituto chinês. Seu objetivo era estudar e modificar geneticamente os coronavírus de morcego. Se o Sars-CoV-2 de fato tiver surgido em um laboratório do Instituto de Wuhan, ele pode ter sido resultado do programa conjunto com o NIH.
Desde o início da pandemia, a China dificultou as investigações sobre a origem do coronavírus. Entre o final de 2019 e o começo de 2020, ela também apagou da internet um banco de dados sobre os vírus estudados no WIV (que ficava disponível no endereço batvirus.whiov.ac.cn).
O documento assinado entre o WIV e a Universidade do Texas revela que a destruição de dados era uma política prevista. E ela também pode ocorrer pelo lado dos EUA. Em junho de 2021, o biólogo americano Jesse Bloom descobriu que o National Institutes of Health havia deletado as sequências genéticas de 13 amostras do Sars-CoV-2.
Esses dados, que estavam no banco de dados público do NIH, eram a transcrição genética de amostras de vírus que foram coletadas em Wuhan bem no início da pandemia – e poderiam, portanto, conter informações relevantes sobre a origem do Sars-CoV-2.
Questionado pela imprensa americana, o NIH confirmou ter apagado os dados, e disse que fez isso a pedido do cientista chinês que havia colhido e analisado as amostras. “Essas sequências foram submetidas [para inclusão no banco de dados] em março de 2020, e posteriormente houve o pedido de remoção em junho de 2020″, afirmou o órgão.
O NIH não revelou a identidade do pesquisador chinês, nem o motivo que ele alegou ao pedir que as 13 sequências fossem deletadas. Para Bloom, que publicou uma análise detalhada do caso, “não há razão científica plausível” para a eliminação dos dados.
Ontem (9/6), um grupo de cientistas reunido pela OMS para estudar a origem do coronavírus afirmou que a tese zoonótica (de que ele veio de algum animal) ainda é a mais provável, mas recomendou a realização de “mais investigações” sobre a hipótese de vazamento do vírus.
EUA e China fizeram acordo que prevê sigilo eterno e destruição de dados de laboratório sobre experiências com vírus Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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