Cerca de 1,6 milhão de crianças brasileiras não receberam nenhuma dose de vacina contra a poliomielite, nem da tríplice bacteriana (que protege contra difteria, tétano e coqueluche) de 2019 a 2021.
Os dados são de um relatório divulgado recentemente pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância, o Unicef. No mundo, são 67 milhões de crianças que perderam totalmente ou parcialmente a rotina de imunização nesse mesmo período.
Na Semana Mundial de Imunização e no ano de celebração dos 50 anos do Programa Nacional de Imunizações, essa notícia vem acompanhada de anúncios que marcam, espera-se, o início de uma virada no Brasil.
Governo e entidades estão unidos para mudar esse panorama e bater as metas, como era costumeiro há alguns anos.
O país sempre foi referência mundial no assunto, mas esse cenário mudou radicalmente, como mostramos na reportagem de capa da edição de abril (clique aqui para ler).
Segundo a Unicef, durante a pandemia, a porcentagem de brasileiros que confiam nas vacinas infantis caiu de 99% para 88%.
São pessoas que, antes, não tinham dúvidas sobre a importância dos imunizantes e, agora, foram atingidas pela desinformação.
“Esses 10% não estão necessariamente em grupos antivacina, mas os boatos sobre os imunizantes da Covid-19 deixaram as famílias confusas. Passaram a dizer que eles foram criados muito rápido e que poderiam ter efeitos colaterais graves, e essas mesmas ideias foram repassadas a outros tipos de vacinas”, afirmou Cristina Albuquerque, chefe de saúde do Unicef no Brasil, no lançamento do relatório.
Como recuperar as coberturas vacinais
Autoridades de saúde, entidades da sociedade civil e médicos envolvidos nessa missão querem retomar o patamar de 99% de confiança e a consciência da população sobre a relevância das imunizações.
Deixar esse ato em segundo plano pode fazer o país voltar a enfrentar doenças graves e algumas vezes incuráveis, como a paralisia infantil, alertam os especialistas.
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Atualmente, todas as vacinas infantis estão com a cobertura abaixo da meta no Brasil. E a recuperação dos bons números do passado não deve ser imediata.
“Não é um trabalho simples, estamos em um ano de transição, não vamos recuperar tudo já em 2023, mas essa é uma prioridade para o país”, afirmou Ethel Leonor Noia Maciel, secretária da Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, também presente no evento.
Em fevereiro, o Ministério da Saúde lançou o Movimento Nacional pela Vacinação. Além das campanhas de imunização anunciadas para o ano, as primeiras medidas, já em andamento, são ampliar as campanhas para disseminar informações corretas sobre as vacinas.
Também serão necessários diversos ajustes de logística, depois do desmonte sofrido durante o último governo.
“Precisamos reorganizar estoques, que estavam desfalcados, e corrigir erros de sistema para garantir que os dados sobre doses ministradas estejam corretos”, afirmou Eder Gatti, diretor do departamento de imunizações do Ministério da Saúde.
Estados como Acre e Amazonas, que têm crianças em situação de maior risco, devem receber esforços mais intensos e campanhas voltadas a esse público já no primeiro semestre. Até o fim do ano, ações de multivacinação serão ampliadas a todo o Brasil.
Além da comunicação, um desafio mais complexo é garantir o acesso das pessoas às unidades de saúde.
“A questão não fica só na hesitação vacinal. Uma família que está passando fome e tem dez reais, vai comprar comida ao invés de gastar com uma condução até o postinho”, exemplifica Cristina.
A busca ativa, quando os agentes de saúde vão até a casa das famílias com a carteirinha atrasada, deve ocorrer, principalmente, nas regiões com menos infraestrutura.
O papel dos médicos
No dia 18 de abril, A Associação Médica Brasileira (AMB) e o Ministério da Saúde se reuniram em São Paulo com representantes de sociedades médicas para engajar a categoria nessa retomada.
É nítida a falta de envolvimento e formação em imunização na maioria das especialidades, exceto entre as que já são mais acostumadas com esse universo, como pediatria, alergologia, pneumologia e infectologia.
“Seria muito interessante se todas as sociedades médicas tivessem um departamento voltado para imunização”, sugeriu a pneumologista Margareth Dalcomo, presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPTT), e embaixadora da vacinação no Brasil.
Outro ponto de atenção é o fato de a medicina também ser suscetível à desinformação.
“A gente tem um desafio grande que é um movimento antivacina estruturado com colegas médicos, que de forma irresponsável se colocam contra a vacinação”, apontou Eder Gatti, diretor do Programa Nacional de Imunizações, que apresentou a situação das coberturas na reunião.
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Gatti reforçou a importância da classe no resgate da confiança nas vacinas. “Quando o médico recomenda, a pessoa toma. Mas o oposto também é verdadeiro. As sociedades médicas precisam combater esse tipo de discurso”.
A responsabilidade em fiscalizar o exercício da medicina e punir supostas irregularidades éticas é do Conselho Federal de Medicina (CFM), que não esteve no evento e tem adotado uma postura leniente com profissionais que espalham desinformação.
Em abril, o Ministério da Saúde encaminhou um ofício ao órgão, que é uma autarquia federal, questionando o que estava sendo feito a respeito.
“Médicos que desaconselham a imunização estão cometendo um crime e precisam responder por ele”, afirmou Ethel Maciel.
O CFM não se posicionou sobre o assunto, mas afirmou que participará de outra ação nacional em prol da vacinação, promovida pelo Ministério Público.
Mães querem vacina na escola
Parte dos planos do Ministério da Saúde envolve retomar as campanhas de vacinação nas escolas, que foram sendo perdidas com o tempo.
E, em tempos de desinformação em alta, pesquisas estão em andamento para entender a percepção dos pais em relação a isso.
Estratégias do tipo são importantes porque proteger as crianças pode ser um desafio no Brasil, mesmo quando não há hesitação vacinal.
É o que revela um levantamento feito pelo Instituto Locomotiva com 2 mil mães brasileiras. Entre os achados, está o fato de que 66% das respondentes já tinham perdido ou atrasado a imunização dos filhos.
Entre os principais motivos estavam esquecer da data (50%), não ter tempo (38%), morar muito longe do posto (35%) e perder a carteirinha (25%).
Claro, parte da baixa cobertura também é explicada pela ideia de que doenças como sarampo, difteria são pouco vistas por aí e, portanto, não oferecem perigo. Neste contexto, vacinar fica em segundo plano em uma rotina com demandas tão urgentes.
A mesma pesquisa sondou, então, se promover ações dentro das escolas seria uma solução para as famílias. Mais de 90% dessas mães afirmaram que provavelmente autorizariam seus filhos a se imunizarem na hora da aula.
Outros 77% disseram que não atrasariam as vacinas se esse processo ocorresse nas escolas.
É importante lembrar que isso não resolve tudo. “É crucial vacinar as crianças em seu primeiro ano de vida, faixa etária que não está nas instituições de ensino e creches”, lembra Renato Kfouri, presidente do departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Brasil inicia medidas para voltar a bater metas de vacinação Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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