Em um documento escrito pelo engenheiro João Pinto Gomes Lamego, em 1856, há o relato de um surto de cólera na cidade de Paraty, no Rio de Janeiro. Para conter a doença (causada por uma bactéria e transmitida, entre outras formas, pela água), os moradores passaram a misturar a água que bebiam com cachaça, limão e açúcar.
Já em 1918, durante a Gripe Espanhola, Paulo Vieira, um fazendeiro de Piracicaba, município do interior de São Paulo, desenvolveu um xarope supostamente terapêutico com cachaça, mel, limão e alho.
Na época da Espanhola – a Covid de um século atrás –, era comum o consumo de “garrafadas”: remédios populares feitos a partir de ervas e ingredientes caseiros – e que, não raro, levavam álcool na receita, assim como tônicos e fortificantes.
A gripe passou, mas o “remédio” permaneceu, e virou bebida. O mel foi trocado por açúcar (Piracicaba se desenvolveu à base da plantação de cana) e o alho por gelo – ainda bem… O nome “caipirinha” surgiu, sem data certa, conforme ela se espalhou e chegou ao litoral paulista, onde a origem interiorana (caipira) foi o que veio à cabeça.
Na capital do estado, o drink teria ganhado fama durante a Semana de Arte Moderna, em 1922. Tarsila do Amaral, nascida em Capivari (cidade próxima a Piracicaba), elegeu a caipirinha a bebida oficial do evento. Quando morou em Paris, a artista a preparava para convidados famosos, como Pablo Picasso.
Essa é a versão oficial para a origem da bebida, sustentada pelo Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac). Mas pode não ter sido bem assim… A escassez de documentos torna difícil a tarefa de cravar a história.
Por exemplo, o antropólogo Luís da Câmara Cascudo, importante estudioso da cultura brasileira, defende outra versão: a de que a caipirinha teria sido criada em Piracicaba mesmo, mas antes da Gripe Espanhola. E já como drink. No final do século 19, os fazendeiros da região teriam começado a servir o preparo em festas como alternativa ao uísque e vinho importados – mais caros e difíceis de conseguir.
Os esforços para tornar a caipirinha um patrimônio cultural brasileiro ganharam força em 1995, quando ela se tornou o primeiro (e até agora único) drink nacional a integrar a lista da IBA (Associação Internacional de Bartenders), o padrão-ouro do preparo de coquetéis. No Brasil, sua definição mais recente é de um decreto de 2009. Eis o texto oficial:
“A bebida (…) com graduação alcoólica de quinze a trinta e seis por cento em volume, a vinte graus Celsius, elaborada com cachaça, limão e açúcar, poderá ser denominada de caipirinha (bebida típica do Brasil), facultada a adição de água para a padronização da graduação alcoólica e de aditivos.”
Ou seja: nada de vodca ou saquê, ok?
Fonte: livro Coquetelaria: história e cultura, de Andrea Medina.
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